Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Brasil, p. A5

Senado deve mudar regra para uso de depósitos em juízo

Por Vandson Lima | De Brasília

 

Ruy Baron/Valor - 15/4/2015Renan Calheiros: proposta vai beneficiar diretamente prefeitos e governadores

Aliado em permanente conflito com o governo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é o patrocinador de uma articulação para encaixar dentro do projeto que obriga a União a adotar novo indexador das dívidas, em tramitação na Casa, uma medida formulada pelo oposicionista José Serra (PSDB-SP) com enorme impacto positivo para Estados e municípios.

O projeto do tucano, que se transformou em emenda ao indexador para escapar de uma longa tramitação, permite a Estados e municípios o uso dos depósitos judiciais e administrativos de processos em andamento. Se aprovada, a norma proposta permitiria um acréscimo ao orçamento dos entes federados da ordem de R$ 21,1 bilhões em 2015 e, nos anos seguintes, a receita seria de R$ 1,6 bilhão ao ano.

Pela proposta, as instituições financeiras liberariam a uma conta única do Tesouro do Estado ou do município 70% do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos. Outros 30% constituiriam um fundo de reserva, resguardando o fisco local do risco de deterioração dos fluxos de receitas nos casos de decisões favoráveis aos contribuintes. O modelo é similar ao já utilizado pela União.

O texto impõe a exigência da aplicação dos recursos preferencialmente no pagamento de precatórios. Caso não conte com precatórios em atraso, os valores podem ser utilizados para quitar compromissos de dívida pública fundada. Superadas essas duas exigências, Estados e municípios poderão empregar a parcela dos depósitos judiciais e administrativos em investimentos. Ficaria vedado o uso para custeio.

A proposta pegou o Senado de surpresa, com vários parlamentares que já governaram seus Estados fazendo questionamentos, o que adiou a votação do projeto. O PMDB, no entanto, já estava ciente da articulação: em reunião do partido esta semana, Renan avisou seus pares que Serra o havia procurado e que encamparia o projeto.

Ontem, o presidente do Senado comunicou em plenário que havia defendido a medida em conversas com a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Defendi, na oportunidade, a necessidade da aprovação do projeto de lei do senador José Serra, que é fundamental, importantíssimo, porque cria alternativas para que os Estados tenham acesso à utilização de recursos grandes".

Foi a deixa para que o líder pemedebista Eunício de Oliveira (CE) propusesse que o projeto virasse emenda ao texto do indexador. "O projeto é extremamente interessante. Pegaríamos os depósitos judiciais que hoje ficam parados. Estados e municípios terão um fundo de 30% e outros 70% eles vão usar, inclusive para investimento. É um projeto criativo e não onera ninguém. O PMDB do Senado está fechado com essa proposta", afirmou ao Valor.

Ainda que inesperada, a proposta agradou até governistas, ciosos de encontrar meios para incrementar os combalidos caixas locais. "Eu apoio a emenda. Botando no texto, o projeto já fica encaixado, porque a mudança no indexador atende a poucos Estados e cidades. Com os depósitos judiciais atende a todo mundo, resolve o problema de mais gente", atestou o senador Walter Pinheiro (PT-BA).

Caso o projeto do indexador seja aprovado na próxima semana no Senado, ele voltará à análise da Câmara dos Deputados, por conta das alterações. Nem todos os senadores, no entanto, concordam com a tramitação acelerada da proposta. Reservadamente, líderes avaliaram que seria "mais prudente" que a autorização e uso de depósitos judiciais não estivesse no projeto do indexador e pudesse ser analisado com mais calma nas comissões temáticas. O cuidado para não melindrar Renan, "padrinho" da proposta, é colocado como questão a ser considerada.

Na justificativa da matéria, Serra assinalou que "os Estados, o Distrito Federal e os municípios estão em grave situação fiscal. As receitas próprias e as transferências do governo central, mesmo as constitucionais, sustentam um desempenho pífio, em linha com a dinâmica da atividade econômica. A situação tende a se agravar no futuro próximo em razão das baixas expectativas quanto ao desempenho da economia brasileira, sendo esperada uma retração das receitas públicas para todos os entes federados em 2015". E sustentou que, "nesse contexto, os valores depositados na rede bancária referentes a litígios judiciais e administrativos em andamento constituem uma importante receita em potencial. O reconhecimento de parte destes valores como receita corrente é uma forma de aumentar a arrecadação a um custo baixo".