Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Finanças, p. B4

Com Levy, relação do Brasil com FMI fica mais cordial

 

Por Sergio Lamucci, Juliano Basile e Juliana Ennes | De Washington

 

DivulgaçãoLagarde, do FMI, com o ministro Joaquim Levy: benção do Fundo é trunfo para país reconquistar confiança

O tom das relações entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional (FMI) mudou substancialmente na gestão de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, sendo bem mais cordial do que na época de Guido Mantega. Mesmo ao divulgar previsões desanimadoras para a economia brasileira, os integrantes do Fundo elogiaram ao longo desta semana as medidas do ajuste fiscal promovidas pelo ministro, que disse ontem ver o apoio da instituição como "importante".

A bênção do FMI é um trunfo para Levy num momento em que ele busca reconquistar a confiança dos investidores estrangeiros. Ontem, ele conversou com um grupo deles no Banco Mundial, para falar de oportunidades de infraestrutura, e terá novos encontros nos próximos dias para tratar desse e de outros temas.

Em entrevista coletiva ontem, Christine Lagarde fez uma avaliação favorável do programa de ajuste das contas públicas do Brasil. "As medidas adotadas são uma combinação de política fiscal séria com ancoragem [de expectativas] de médio prazo", afirmou ela.

Nas projeções do Fundo, isso se reflete numa contração de 1% do Brasil em 2015, mas com retomada nos próximos anos, "desde que as medidas para ancorar uma política fiscal crível sejam adequadamente implementadas", disse Lagarde. O Fundo projeta crescimento de 1% em 2016 e 2,3% em 2016.

"O FMI tem apoiado o Brasil em inúmeras ocasiões", disse Levy, depois de participar de reuniões com a própria Lagarde, e com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Jacob Lew. "É mais um apoio a tudo o que tem sido feito", afirmou. O ministro aproveitou para destacar ainda as discussões no Congresso, "que são fundamentais para a gente concluir esse ajuste e entrar na rota do crescimento." É bem diferente do que se passava na era Mantega, quando o ministro e o secretário de Política Econômica, Marcio Holland, criticavam com frequência as avaliações do Fundo sobre a economia brasileira.

Na conversa com Levy, Lagarde reiterou o apoio às medidas adotadas pelo Brasil e elogiou a estratégia do país para a retomada do crescimento, segundo uma fonte da equipe econômica brasileira. Com Lew, o ministro discutiu a importância o fluxo de investimento entre os dois países. O secretário do Tesouro também disse que o governo americano está empenhado em fazer com que a visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA, marcada para 30 de junho, seja um sucesso.

Em sua maratona de encontros, Levy também esteve ontem com o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. A infraestrutura foi um dos temas centrais da discussão. O ministro disse que gostaria que o banco pudesse trabalhar com o Brasil na área de financiamentos inovadores. Kim teria demonstrado grande interesse nessa agenda, dizendo que dará todo o apoio nessa área, para financiar projetos na área de infraestrutura.

A ofensiva do Brasil para recuperar a credibilidade conta também com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Nos próximos dias, ele vai participar de diversas reuniões com investidores do mercado financeiro em Washington. O objetivo é transmitir a ideia de que o Brasil "tem rumo", de acordo com outra fonte da equipe econômica. Além disso, Tombini quer passar a mensagem de que o país está em um ano de transição, num momento em que já há progresso na área fiscal e avanços na convergência de inflação, tendo como objetivo alcançar a meta de inflação, de 4,5%, no fim de 2016. Na terça-feira, Tombini disse que o BC "foi, é e continuará vigilante", trabalhando para garantir que o ajuste de preços relativos fique circunscrito ao curto prazo.

A tarefa de Levy e Tombini, neste momento, é fundamentalmente a de administrar expectativas. Os indicadores econômicos têm mostrado uma atividade econômica muito fraca, e não devem melhorar no curto prazo. Não por acaso, Lagarde disse que o Brasil está "parado" (uma tradução livre de "flat"), embora tenha elogiado a estratégia de ajuste do país.

 

Economistas veem volatilidade em emergente

Por Sergio Lamucci | De Washington

Os países emergentes deverão enfrentar um período de volatilidade quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevar os juros, disseram ontem Raghuram Rajan e Kenneth Rogoff, dois ex-economistas-chefes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os dois têm opiniões diferentes, porém, sobre a intensidade do impacto do aumento da taxa básica nos EUA, com Rajan vendo um efeito menos preocupante sobre os emergentes.

Presidente do Banco Central da Índia, Rajan acredita que, quando o Fed aumentar os juros, haverá alguma volatilidade inicial, mas o movimento já foi amplamente antecipado. Depois de um período mais instável, a tendência seria de os mercados se acalmarem. Segundo Rajan, é possível que alguns investidores fiquem surpresos pelo momento do aumento, uma vez que hoje parece que a elevação pode ser adiada indefinidamente, mas em algum momento os juros vão subir.

O número mais fraco da geração de empregos de março, por exemplo, levou uma fatia maior do mercado a acreditar que o Fed só vai começar a subir os juros em setembro ou até mesmo em dezembro. Rajan destacou também a comunicação feita pelo Fed, que tem deixado claro que o processo de aperto monetário será gradual, e não abrupto. As taxas americanas estão próximas de zero desde dezembro de 2008.

Professor da Universidade de Harvard, Rogoff antevê uma situação difícil para os emergentes quando os juros americanos subirem. "Vai ser difícil para esses países porque eles já estão numa situação ruim", afirmou ele. Segundo Rogoff, muitos deles sofrem com a queda de preços de commodities. "Se o Fed apertar a política monetária prematuramente, não vai ser fácil. Haverá volatilidade, não há dúvida." O aumento dos juros pode aumentar custos de empréstimos para emergentes, além de afetar os fluxos de capitais.

Rajan tem defendido que os bancos centrais dos países desenvolvidos levem em conta o impacto de suas políticas sobre países emergentes. No ano passado, criticou o Fed e pediu maior coordenação entre os bancos centrais. Questionado nesta quinta-feira se o Fed considera o fator externo em suas ações, Rajan respondeu que "suspeita" que esse é um ponto levado em conta, embora obviamente a economia americana seja a questão central. "Com o tempo, as pessoas estão mais sensibilizadas com os efeitos sobre as outras economias."

Os dois participaram do painel de encerramento da conferência "Repensando a política macroeconômica III: progresso ou confusão?", que ocorreu nesta semana em Washington na semana da reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial.

Banco dos Brics deve começar a operar no início do próximo ano

Por Juliano Basile, Sergio Lamucci e Juliana Ennes | De Washington

O Banco dos Brics deve começar a funcionar no início de 2016, informaram fontes que negociam a estrutura da instituição, nesta semana, durante a reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington.

Nos encontros entre autoridades do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul houve um avanço na montagem do novo banco e foram definidas as regras de funcionamento e a estrutura do fundo de US$ 100 bilhões que será utilizado para ajuda financeira dos integrantes do bloco.

Ficou acertado que os países terão que indicar os seus representantes no banco até o fim de abril. A sede será em Xangai, na China, a presidência do banco será da Índia e o Brasil ficou com a presidência do conselho de administração. Os nomes dos executivos serão definidos na próximas duas semanas.

Em Washington, os representantes dos países decidiram criar uma entidade jurídica provisória - uma sociedade de propósito específica - para facilitar o trabalho preparatório para a criação do banco, nos próximos meses.

O Banco dos Brics terá US$ 50 bilhões de capital dividido igualmente entre os países. Já o fundo, chamado de Arranjo Contingente de Reservas (CRA, da sigla em inglês) terá US$ 100 bilhões na seguinte forma: US$ 41 bilhões em aportes da China, US$ 18 bilhões em cotas iguais de três países (Brasil, Índia e Rússia) e US$ 5 bilhões da África do Sul.

Nessa semana, ficou definido que o CRA terá um comitê diretor, um conselho de governadores e foi aprovado um acordo entre os bancos centrais dos países com 46 artigos com regras de funcionamento do fundo.

A aprovação do sistema de funcionamento do CRA foi considerada um passo importantíssimo para o funcionamento do fundo. O conselho de governadores será composto pelos ministros da Fazenda dos países. Quanto aos artigos, falta apenas a definição da redação final de três itens.

Pelas regras do CRA, os países que enfrentarem dificuldades de liquidez vão poder sacar até um terço do valor sem o aval do FMI. Quantias maiores terão que ser aprovadas de acordo com as regras do Fundo Monetário.

Tanto o Banco dos Brics quanto o CRA ainda precisam da aprovação dos legislativos dos países membros para que comecem a funcionar. O Congresso da Rússia já deu o aval, e a China e a Índia estão perto de fazê-lo. No Brasil, o tratado ainda está em tramitação.