Valor econômico, v. 15, n. 3767, 30/05/2015. Brasil, p. A2

Financiar investimento exige mais que dinheiro

Sergio Leo
 

Em seminário na semana passada, onde anunciou uma estimativa de R$ 611 bilhões nos próximos quatro anos em projetos de rodovias, portos, aeroportos, telecomunicações, energia e outros investimentos em infraestrutura, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foi abordado pelo presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Enrique Garcia, com uma proposta: replicar, no Brasil, um mecanismo de financiamento que, na Colômbia, permitiu criar um fundo de investimento em infraestrutura de US$ 1 bilhão, a partir de um investimento US$ 80 milhões em participação (equity) do banco multilateral.
Com ativos de US$ 30,5 bilhões em 2014, formado por 17 países da América Latina e do Caribe, além dos países da Península Ibérica e 14 bancos regionais privados, a CAF (antes denominada Corporação Andina de Fomento, daí a sigla) é um ator discreto e importante no financiamento de obras nas Américas. O interesse de Garcia em agregar-se ao apoio dos projetos de infraestrutura no Brasil é só um exemplo das insuspeitas fontes de financiamento à disposição do país, caso as autoridades econômicas consigam sedimentar credibilidade em seus esforços de ajuste na economia.
“Conseguimos convencer as autoridades na Colômbia a mudar regras de fundos de pensão e seguros para participarem de fundos de infraestrutura, estamos negociando com o Uruguai e considerando algo semelhante no Peru”, contou García, um veterano executivo respeitado em todo o continente. “No Brasil não mobilizaríamos US$ 1 bilhão, mas pelo menos três vezes mais”, prevê.
Os US$ 3 bilhões imaginados pelo presidente da CAF se somariam a linhas tradicionais de financiamento. A CAF aprovou em 2014 US$ 1,9 bilhão em empréstimos, apenas 15% com risco soberano, para prefeituras que encontraram na instituição apoio para projetos como a melhoria da infraestrutura turística de Fortaleza e um programa de transportes e recuperação ambiental em Niterói. A CAF emprestou, ainda, US$ 475 milhões à Petrobras, à Odebrecht e a Granol, e criou uma linha de US$ 950 milhões em crédito rotativo para empréstimos dos bancos brasileiros destinados à capacidade produtiva das empresas.
Aumentar o papel das instituições multilaterais como CAF e BID para apoiar, com garantias, investimentos de longo prazo, reduzindo seu custo e atraindo investidores privados, é um projeto antigo de Luciano Coutinho. As instituições estão dispostas a participar. O desafio é atrair o capital privado, drenado para aplicações de prazo mais curto e excelente remuneração, como os papéis do Tesouro Nacional.
Dirigente de um banco com a melhor classificação das agências de avaliação de risco (“triple A”), García conhece como poucos as Américas. Comenta que não se deve olhar o Brasil isoladamente, pois o país faz parte de um contexto regional de países com deficiência de poupança interna, carência de investimentos para as necessidades de infraestrutura e dificuldades provocadas pelo fim do ciclo de alta das commodities, que até recentemente davam uma bela ajuda às contas externas dessas economias. A região precisa dobrar seus investimentos em infraestrutura, e será necessário criatividade em engenharia financeira para isso.
Mas financiamento, isoladamente, não vai resolver um problema crônico da região: a má qualidade dos projetos de investimento. “É um tema delicado, e diz respeito a projetos públicos e privados”, reconhece García. “Os estudos de factibilidade não são suficientemente completos”, avalia. É uma realidade tristemente presente no Brasil. “Muitas opções de infraestrutura podem parecer baratas em termos de custo; mas se faço uma análise mais profunda, não só a preços de mercado, mas com preços econômicos, externalidades, como o custo ambiental, o que parecia muito rentável pode ser um perigo”.
“As análises do impacto social e o tema ambiental não são algo que se deixa para o fim dos estudos, quando tudo já está pronto, só para cumprir requisitos de bancos multilaterais”, advertiu García. Às vésperas de mais uma conferência do clima, a advertência do executivo não é só uma bronca, é um conselho precioso: o país que necessita de investimentos e sonha com o capital privado tem de fazer seu dever de casa na análise dos riscos sociais e ambientais de seus planos de infraestrutura. “As decisões só devem ser tomadas quando estudos hajam demonstrado claramente todos seus impactos”, diz o dirigente da CAF.
O Brasil ensaia mudanças, mas só lentamente começa a deixar de ver questões ambientais como custo e obstáculo ao desenvolvimento. Esse é um tema quente na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que vem fazendo um esforço de revisão nas estratégias de crescimento defendidas pelas economias mais influentes. Em breve a organização divulga um esperado relatório com experiências de países que transformaram seus desafios ambientais, como crises de abastecimento de água, por exemplo, em alavancas de investimento e crescimento.
Amanhã, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, participa em Paris da reunião do Conselho de Ministros da OCDE, onde oficializará o acordo de cooperação do Brasil com o grupo –¬ até recentemente visto com desconfianças nos palácios do Planalto e do Itamaraty, pelo temor de que as regras do mundo desenvolvido sacramentadas no grupo pudessem impor travas a políticas de desenvolvimento de países emergentes como o Brasil.
A aproximação do Brasil com a OCDE, que inclui ingresso nos comitês destinados a discutir políticas para Indústria e Inovação e para Políticas Regulatórias, certamente terá de levar em conta o debate, naquela organização, sobre o chamado “desafio verde” para as economias industriais. Ficou para trás o tempo em que se tratava esse tema como animal exótico nas discussões de política econômica.