Valor econômico, v. 15, n. 3767, 30/05/2015. Brasil, p. A2

 

Desconfiança e Lava-Jato podem impor queda de 10% a investimento

Os investimentos na economia caíram pelo sétimo trimestre consecutivo na comparação com o trimestre anterior e a expectativa de analistas ouvidos pelo Valor é que a sequência negativa esteja longe do fim. Segundo especialistas, apenas o acúmulo de estoques na indústria de bens de capital seria um sinal evidente de que o que está ruim ainda pode piorar, mas tem mais: a operação Lava-Jato sozinha deve contribuir com uma queda de quase 6% da medida de investimentos das contas nacionais (a formação bruta de capital fixo ou o que se investe em máquinas e na construção civil), o que pode levar a uma contração de até 10% em 2015 - o pior desempenho anual da série histórica, e algo só comparável ao visto em 1999, ano em que a formação bruta caiu 8,9%.

O peso que Petrobras e o conjunto das empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava-Jato têm sobre investimentos é bastante significativo. Considerando que só a estatal responda por cerca de 10% formação bruta do país e que as empreiteiras envolvidas no escândalo fiquem com 18,5% disso, cálculos da consultoria Tendências apontam que apenas a petroleira deve contribuir com uma queda de três pontos nos investimentos em 2015, enquanto as demais empresas tirariam outros 2,8%. "Só essa brincadeira representa uma queda de 5,8% da formação neste ano. Por isso, esperamos queda de 10% para o ano", diz a economista da Tendências, Alessandra Ribeiro.

A estimativa considera uma queda de investimentos de 30% da Petrobras ao longo deste ano e baixa de 15% dos investimentos das principais empreiteiras envolvidas no escândalo. Segundo Alessandra, na comparação anual, trimestre contra trimestre, estabilização com algum crescimento para a formação bruta só no segundo trimestre de 2016.

Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, diz que a folga grande na capacidade produtiva da indústria aliada ao pessimismo crescente de empresários e investidores são os principais fatores a deprimir ainda mais a formação bruta de capital fixo, cuja queda deve ser de 9% no ano em comparação à baixa de 4,4% em 2014. "Quem vai investir com capacidade ociosa grande na fábrica?".

Segundo Rostagno, grande parte do resultado do PIB do primeiro trimestre - queda inferior ao esperado, de 0,2% - deve-se justamente ao acúmulo de estoques, que inibiu uma contração maior da atividade. Para ele, o cenário ainda é bastante negativo para os próximos trimestres e, por conta de um ajuste necessário dos estoques, o PIB do segundo trimestre pode ser ainda pior.

Rodolfo Margato, do Santander, concorda. Segundo ele, houve um crescimento considerável da formação de estoques entre o último trimestre de 2014 e o primeiro de 2015, o que evitou um tombo maior do PIB no começo do ano, mas aponta para retração mais forte da atividade nos próximos meses. Em seus cálculos, a alta dessa variável foi de 0,7% na passagem trimestral, dado em linha com o elevado nível de inventários reportado pela indústria de transformação, principalmente no setor automotivo. "Os dados de estoques refletem a fraqueza da atividade industrial e a desaceleração acentuada do comércio varejista", diz Margato, para quem o PIB industrial deve mostrar recuo mais acentuado no próximo trimestre.

Scania e Mercedes-Benz já avisaram que vão parar a produção em junho, logo essa parte de produção de bens de capital deve continuar bem ruim, diz Leandro Padulla, economista da MCM Consultores. A consultoria previa uma queda de 2,5% para a formação bruta em 2015, mas o dado está defasado e vai ser revisado.

Outro ponto abordado pelos analistas é que a parte da construção civil dentro da formação bruta parece ainda não ter acusado o cenário de demissões e pessimismo pelo qual passa o setor, o que pode indicar mais reveses pela frente. "A construção civil caiu menos do que os indicadores apontavam. A ocupação e os salários incluídos nas contas podem ter feito diferença na composição", diz Alessandra, em referência à nova metodologia do PIB.

Felipe Salles, economista do Itaú Unibanco, ressalta ponto menos abordado por analistas: a forte queda dos preços das commodities no cenário internacional e o efeito disso sobre os investimentos. "Com os preços em alta, vale a pena produzir mais, puxando toda uma série de investimentos em estradas, energia, máquinas e caminhões, mas não é isso que vem ocorrendo"", diz. Para Salles, o segundo trimestre ainda deve ser de queda para a formação bruta de capital fixo, com estabilidade no segundo semestre, na margem.

Menos otimista, Alessandra, da Tendências, espera que a retomada ocorra apenas em 2016, ano em que os investimentos devem voltar a crescer, encerrando o período em alta de 2,2%. "No fundo, o que falamos aqui é que os maiores efeitos da Lava-Jato continuam limitando o cenário para investimentos em 2016, mas ficam concentrados em 2015". (Colaborou Arícia Martins)

 

 

 Ação temerária do passado começa a cobrar a fatura

 

Por Armando Castelar | Para o Valor, do Rio

Políticas macroeconômicas irresponsáveis são como usar o cheque especial para pagar a viagem de férias: na hora parece ótimo, mas quando chega a fatura ninguém gosta. Esta é a fase em que o Brasil está agora, a de pagar pelos erros da Nova Matriz Econômica.

A queda do PIB no primeiro trimestre de 2015 - de 0,2% em relação ao trimestre anterior e 1,6% na comparação com o mesmo período de 2014 - é a primeira parcela dessa conta. Outras já estão encomendadas: o desempenho da economia no segundo trimestre promete ser ainda pior.

Há boas e más notícias nas contas nacionais do primeiro trimestre. Entre as primeiras, destaco a queda menor do que a que previam os analistas de mercado (0,5%) e o fato de que a demanda externa deu sinais de reação: quanto mais as exportações crescerem e as importações caírem, menos doloroso será o ajuste.

Infelizmente, porém, os resultados negativos prevaleceram. Todos os componentes da demanda doméstica se contraíram, com destaque para o investimento, com quedas de 1,3% e 7,8% nas comparações trimestral e anual, respectivamente. Pela primeira vez em 12 anos, o consumo das famílias também caiu.

Pelo lado da oferta, duas tendências se aprofundaram. A primeira é a continuada contração da indústria de transformação: o PIB da manufatura no primeiro trimestre deste ano é 5% menor do que o de sete anos atrás. Pior, a alta das exportações e a queda das importações não parecem ter beneficiado em nada esse setor. Para além do ajuste cíclico, há um problema sério de competitividade industrial que segue se agravando.

A segunda tendência é a deterioração dos setores que puxaram a aceleração do crescimento em 2005/2011: construção civil, comércio, intermediação financeira e outros serviços. Todos apresentaram queda na comparação anual. Isso reflete o fim do boom de crédito e a piora do mercado de trabalho, em um círculo vicioso: a piora do desempenho desses setores vai elevar o desemprego e a inadimplência.

Com disse acima, essa queda do PIB foi apenas a primeira prestação da conta que ficou dos erros de política econômica dos últimos anos. O que esperar dessa conta olhando para frente?

Pelo lado da demanda, creio que continuaremos a ver a demanda externa como a principal alavanca positiva, enquanto o desempenho da demanda interna seguirá negativo. Esta somou 104% do PIB no primeiro trimestre deste ano e minha visão é que ao longo dos próximos três a cinco anos ela vai cair para algo como 98% do PIB, o que se traduzirá em uma expansão acumulada inferior à da economia como um todo.

Isso significa que, pelo lado da oferta, setores produtores de serviços e bens não comercializáveis externamente vão registrar pior desempenho relativo. Nesse quadro, a grande incógnita é o que acontecerá com a indústria de transformação: será ela capaz de recuperar sua competitividade ou continuará perdendo participação no PIB, na esteira de um mercado interno que não renovará a pujança da década passada?