Valor econômico, v. 15, n. 3767, 30/05/2015. Brasil, p. A2

'Agenda federativa' cria novo foco de tensão

 

Por Raymundo Costa e Raquel Ulhôa | De Brasília

 

Marlene Bergamo / Folhapress — 26/3/2015Eduardo Cunha e Renan Calheiros: presidentes da Câmara e do Senado estão “ajustados e afinados”, na definição de um interlocutor de ambos

Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acenderam o pavio de uma pauta bomba fiscal no Congresso. Os dois firmaram um pacto para desencadear a votação da "agenda federativa", nome pomposo para um ataque direto ao Tesouro, com o objetivo de descentralizar a arrecadação. Os preparativos para a operação vêm sendo encaminhados há algum tempo, como a reunião com os governadores que os dois patrocinaram há duas semanas.

Faz parte da agenda a proposta de emenda constitucional (PEC) da Segurança, que prevê o compartilhamento das despesas entre União, Estado e município, convenientemente "esquecida" depois da eleição. Outra põe na conta do Tesouro Nacional o custo com remuneração do magistério que ultrapassar 60% do Fundo Nacional de Educação. A pauta é extensa, muitos projetos já tramitam há tempo no Congresso, mas tanto Renan como Cunha perceberam que a situação agora é mais favorável ao Congresso.

Renan e Cunha acham que houve uma mudança no eixo do poder, que se transferiu do Palácio do Planalto para as duas Casas do Congresso. Lugar comum, costuma-se dizer que em política não há espaço vazio. Alguém logo ocupa. Com a popularidade rés do chão e sem uma articulação eficiente no Congresso, a presidente Dilma sem dúvida abriu espaço para a dupla do PMDB. Mas essa é uma disputa cujo resultado somente será conhecido após o embate da "agenda federativa", composta de assuntos de interesse dos governadores, prefeitos, senadores e deputados.

Os presidentes do Senado e da Câmara estão "ajustados e afinados", na definição de um interlocutor de ambos. Basta ver a avaliação que fazem da conjuntura. Tanto Renan quanto Cunha acreditam que Dilma não teria condições de reunir 23 governadores, em Brasília (quatro mandaram representantes), no dia 20 de maio. Antes dos governadores, as centrais sindicais já haviam batido ponto no Congresso, assim como todas as confederações patronais. Seja pela popularidade em baixa ou falta de credibilidade, a avaliação da cúpula do Congresso é que Dilma não teria êxito semelhante, se a iniciativa partisse dela.

A mão das negociações dos projetos de interesse do governo no Congresso também se inverteu: não foram os relatores e presidentes das duas Casas que tiveram de se abalar para os prédios dos ministérios da Fazenda, Previdência Social, Planejamento e Trabalho, para citar os mais diretamente envolvidos. Os ministros dessas pastas é que foram à Câmara e Senado. Alguns pegaram até chá de cadeira.

Na ponta do lápis, a dupla que comanda o Congresso parece ter razão. É bem verdade que a presidente conseguiu aprovar a indicação do jurista Luiz Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF), mas em contrapartida o Congresso tirou dela o direito de nomear 20 ministros de tribunais superiores, com a aprovação da PEC da Bengala.

A presidente também conseguiu a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, mas a um preço alto, segundo a avaliação feita do outro lado da rua que separa o Palácio do Planalto das cúpulas invertidas do Congresso. O governo teve o desgaste de reconhecer que estava trocando cargos por votos e ainda assim a maioria foi mirrada: na MP 665 (seguro desemprego e abono salarial) a diferença foi mínima, de pouco mais de 20 votos. Ou seja, o governo teve 49% dos 513 votos da Casa. No Senado, Dilma contou 50% mais um dos votos, para a mesma medida. Resumo da ópera: é muito pouco para uma presidente que foi eleita por uma diferença pequena de votos, mas na liderança de uma coligação partidária em que os aliados representavam 70% da Câmara.

O governo planejava economizar cerca de R$ 21 bilhões em 2016, com a aprovação do ajuste fiscal. Perdeu quase R$ 8 bilhões no trajeto Palácio do Planalto, Câmara, Senado e Planalto, na volta para a sanção. Em 2015, a economia não deve chegar a 7,3 bi. Isso, dos 11 que pretendia realizar, segundo cálculos de lideranças do governo. "E mesmo no ano que vem a economia com abono não deve ocorrer porque fatalmente o STF suspenderá a lei, por ser inconstutucional", diz um assessor técnico envolvido no assunto.

Com a avaliação de que Dilma tem o cargo - a Presidência da República -, mas não tem o poder político, a agenda dos congressistas agora é tirar dinheiro do cofre centralizado da União. Sem falar da segurança e dos salários dos professores, as demandas dos governadores vão desde o fim da exigência do aval da União para os Estados contraírem empréstimos, até a antecipação de receitas que receberiam de royalties do petróleo, aliás já aprovado na forma de resolução - ou seja, não permite veto presidencial. Outra PEC proíbe a transferência de qualquer nova atribuição a Estados e municípios sem especificar o dinheiro.

Logo após a reunião com os governadores, Cunha e Renan conversaram sobre vários projetos em tramitação nas duas Casas. Em resumo, eles pretendem avançar em propostas que acabariam com o centralismo fiscal, se vierem a ser aprovadas. Assuntos relacionados a estatais e servidor público também estão na cesta.

Segundo apurou o Valor, os presidentes do Senado e da Câmara não consideram que esta seja uma agenda do PMDB, embora os dois sejam filiados ao partido. Trata-se de uma agenda de setores da base do governo. A agenda do PMDB é que trabalhador não pode pagar a conta sozinho como está pagando. Dilma já fez um aceno para a base política aliada com a taxação da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos. Até o PT vibrou. Ela seria bem-vinda às negociações: basta agir como fez com a MP das Desonerações, devolvida por Renan, que ela transformou em projeto de lei.

Difícil é Dilma aceitar a receita, sobretudo depois da aprovação das medidas do ajuste, que mostrou que ela ainda respira no Congresso. Pode estar no córner, mas de pé e dentro do ringue. Mas Cunha e Renan têm razão na avaliação de que a presidente se enfraqueceu ao ponto de perder o protagonismo para discutir pacto federativo com governadores e Congresso. Falta no Palácio do Planalto assessoria eficiente para ajudar. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é visto com reservas no PMDB, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) não tem ministro e a Vice-Presidência da República ficou com a gerência do bancão.

 

STF deve decidir sobre doações no 2º semestre

 

Por Juliano Basile | De Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve adiar para o segundo semestre a retomada do julgamento sobre o financiamento privado de campanhas. A ideia dos ministros, inclusive de Gilmar Mendes, que pediu vista do processo em 2 de abril de 2014, era a de chamar o caso de volta ao plenário neste mês. Mas a tramitação do assunto no Congresso fez com que integrantes do tribunal admitissem que o momento é o de esperar por uma eventual votação conclusiva da matéria no Parlamento. "O tribunal tem que esperar o tema passar no Congresso", afirmou um ministro.

No STF, há maioria de 6 votos em 11 possíveis para proibir a doação de empresas em campanhas. Assim, bastaria concluir a votação para a vedação se tornar realidade. No entanto, a Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira, com 330 votos a favor e 141 contra, uma proposta de emenda à Constituição que permite doações de empresas a partidos políticos. Com isso, os ministros do STF devem esperar pela evolução da matéria no Congresso, onde ainda será apreciada pelo Senado.

A maioria de votos obtida no STF pode ser modificada. Ela foi construída com os votos dos ministros Luiz Fux, que é o relator da ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o financiamento privado de campanhas, Luís Roberto Barroso, José Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa. No entanto, fontes do tribunal acreditam que é possível a mudança no teor dos votos de ministros já proferidos, caso aqueles que ainda não se manifestaram tragam novos argumentos à Corte. Até mesmo o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi informado de que a maioria pode ser revista.

Como Barbosa deixou o Supremo, o seu sucessor, Luiz Edson Fachin, que vai tomar posse no dia 16, não deverá votar. Mas, se houver um fato novo, capaz de levar os ministros que já votaram a se manifestar novamente, Fachin pode ser chamado a participar.

Outro fator favorável à espera de uma definição do Congresso é que o STF costuma esperar que o Parlamento decida para se manifestar somente depois e essa prática já foi cogitada no julgamento da ação da OAB. Em 12 de dezembro de 2013, quando o tribunal começou a votar o financiamento privado de campanhas, Barroso enfatizou que o Congresso é o foro adequado para definir a questão. "Eu acho que, em uma democracia, decisão política deve ser tomada por quem tem voto. Portanto, a reforma política que o país precisa, sistêmica, capaz de produzir alguns resultados, tem de ser feita pelo Congresso Nacional. Ela não pode ser feita pelo Supremo", disse.

Na mesma sessão, Fux propôs que o STF concedesse 24 meses de prazo para o Congresso definir como seriam as regras para doações de pessoas físicas. Foi um claro aceno do relator ao Parlamento no sentido de que, segundo ele, cabe ao Legislativo definir o assunto.

O único voto favorável à manutenção da regra atual, que permite as doações de empresas, foi dado pelo ministro Teori Zavascki. Para ele, o problema não está no modelo de financiamento privado, mas nos abusos que ocorrem nas campanhas. Teori defendeu a fixação de limites ao financiamento, tarefa que, agora, o STF vai esperar o Congresso decidir.