Valor econômico, v. 15, n. 3739, 18/04/2015. Política, p. A6

Lula instrui PT a reforçar o discurso de combate à corrupção

 

Por Andrea Jubé | De Brasília

 

William Volcov/Brazil Photo Press/FolhapressLula: "Acho que nós sempre achamos que a corrupção não era uma coisa pra nós debatermos, mas é um tema nosso"

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia que o PT ainda não conseguiu reagir à altura ao escândalo de corrupção na Petrobras e que a avalanche de denúncias consome o partido com igual ou maior voracidade que no mensalão. Por isso, tem reforçado em conversas reservadas que o partido precisa elaborar o discurso e apontar as realizações dos 12 anos de governos petistas no enfrentamento aos desvios públicos.

"Até hoje não fizemos o debate correto sobre a corrupção neste país", disse Lula - dirigindo-se ao presidente do PT, Rui Falcão -, em ato público na Quadra dos Bancários, em São Paulo, no dia 31 de março. "Sempre achamos que a corrupção não era uma coisa pra nós debatermos, mas é um tema nosso".

Por isso, o ex-presidente encomendou um levantamento das realizações dos governos petistas na prevenção e combate à corrupção. O que falta, na avaliação de Lula, é que o PT seja capaz, em meio ao bombardeio de denúncias, de convencer a população, com números e dados sólidos, de que esse legado é real.

O resultado desse trabalho foi um artigo divulgado na sexta-feira, após a reunião em que o diretório nacional definiu o novo tesoureiro e suspendeu as doações empresariais ao partido.

O documento intitulado "Mudar o PT para continuar mudando o Brasil" é assinado pelo presidente Rui Falcão, com a ressalva de que se trata de uma "contribuição pessoal, de autoria múltipla". Essa autoria conjunta agrega as contribuições de Lula, do próprio Falcão e de auxiliares diretos do ex-presidente, como o ex-ministro Luiz Dulci, responsável pelos seus discursos na presidência da República.

Dividido em três partes - "A grande transformação", "O PT contra a corrupção" e "Financiamento empresarial, a raiz do mal" -, o documento tem o objetivo de nortear o debate interno e a interação da sigla com a sociedade. Ao longo de sete páginas, a narrativa busca desconstituir as denúncias contra o PT, que se tornou o principal alvo da Operação Lava-Jato da Polícia Federal, que revelou o esquema bilionário de corrupção na Petrobras.

Uma das premissas do ex-presidente, que ele tem repisado nas recentes falas públicas, é que houve mais corrupção nos governos petistas, mas os desvios veem à tona devido ao fortalecimento das instituições e dos mecanismos de investigação. "Ninguém em sã consciência deve deixar de agradecer aos nossos 12 anos de governo por ter tirado o tapete em que se esconde a corrupção e escancarar a investigação nesse país", reforçou no ato em São Paulo.

Em defesa da legalidade das doações privadas recebidas pelo PT nos últimos anos, o documento afirma que o partido praticou o que a legislação permite e ressalta que recebeu contribuições de empresas envolvidas na Lava-Jato, da mesma forma que outras legendas. "Recebemos contribuições de empresas, dentro da lei, e fizemos campanhas caras, tão caras quanto as dos demais partidos, que nos criticam de maneira hipócrita", diz o texto. "Nas eleições de 2014, o conjunto dessas 16 empresas (implicadas na Lava-Jato) fez contribuições a 19 partidos diferentes, no valor total de R$ 222 milhões. Os valores destinados ao PT e ao PSDB são muito semelhantes: R$ 56 milhões e R$ 54 milhões, respectivamente", aponta.

Este trecho aborda uma das principais críticas de Lula, de que apenas as doações ao PT carregam a pecha de ilegais. "Vamos investigar de verdade as finanças de cada partido político, saber quem recebeu de quem? Ou será que dinheiro pra tucano veio da quermesse?", provocou Lula em evento com metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no dia 14 em Guarulhos (SP).

Lula tem afirmado que os responsáveis pelos crimes devem ser punidos, mas queixa-de de que esteja em curso um processo de "criminalização" do PT. "Se alguém do PT ou de qualquer partido pegou um centavo, ele cometeu um erro e tem que ser punido. Mas vamos parar de tentar criminalizar o nosso partido, que não é um ou dois deputados, é muita gente, tem milhões de pessoas". Segundo relatos de interlocutores ao Valor, Lula tem observado, em conversas privadas, que o PP - que integra a coalizão governista - tem mais políticos investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Lava-Jato, mas não é alvo dos holofotes como o PT. Dos 54 políticos na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, 31 são filiados ao PP, enquanto oito são petistas.

O documento traz subsídio para que petistas e militantes sustentem que o PT foi eficiente no enfrentamento da corrupção. Lembra que instituições e ferramentas como a Controladoria Geral da União, o Portal da Transparência e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) têm DNA petista. "Recorde-se que o procurador-geral do governo do PSDB arquivou 217 inquéritos criminais envolvendo autoridades e engavetou outros 242, de um total de 626 denúncias recebidas. Por isso era chamado, com toda razão, de engavetador-geral da República", instrui o texto.

O libelo petista afirma, ainda, que "nenhum outro partido sofreu uma campanha de desmoralização tão furiosa quanto a que se fez contra o PT" durante o julgamento do mensalão. "Nada se fez, minimamente comparável, em relação a escândalos como a corrupção nas obras do Metrô nos governos do PSDB de São Paulo, ou do desvio de dinheiro público para campanhas eleitorais do PSDB e do DEM na lista de Furnas e nos chamados mensalões de Minas e do Distrito Federal", sustenta. Atribui a um "ambiente de arbitrariedade" que o PT e o governo Dilma tornaram-se "alvos políticos" da Operação Lava-Jato.

A finalidade do documento é dar elementos e discurso a fim de qualificar petistas e militantes para o embate público em defesa do partido. O que Lula tem pregado, internamente e em público, é que os petistas se defendam de cabeça erguida. Conforme relatos de interlocutores, o que mais o incomoda é a dificuldade renitente de afastar do PT o estigma da corrupção. "O mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito de eu andar de cabeça erguida, ninguém fará eu baixar a cabeça neste país", disse em fevereiro no Rio de Janeiro.

 

Partido dimensiona receitas sem doações empresariais

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

O PT terá suas receitas reduzidas de forma significativa caso siga a determinação de vetar as doações empresariais, divulgada na sexta-feira. Entre 2011 e 2013, o partido arrecadou cerca de R$ 165,5 milhões do setor produtivo.

Ao mesmo tempo em que terá menos recursos em caixa, o partido precisará buscar formas de saldar a dívida milionárias de campanha. Em 2014, por exemplo, candidatos petistas a governador deixaram um rombo de R$ 74,5 milhões ao PT. Só em São Paulo, a campanha de Alexandre Padilha deixou dívida de R$ 24,6 milhões. A proibição de doações empresariais valerá para todos os diretórios municipais, estaduais e o nacional.

O novo tesoureiro do PT, o ex-deputado Marcio Macêdo (SE), se reunirá hoje com o presidente nacional do PT, Rui Falcão, em São Paulo, para discutir a situação financeira do partido e as doações recebidas pelo ex-tesoureiro João Vaccari Neto - preso na quarta-feira, em nova fase da operação Lava-Jato. Macêdo afirmou ainda não ter nenhum conhecimento sobre as finanças petistas. "Qualquer avaliação é prematura. Ainda não me apropriei das informações e nem tenho a dimensão dos números", disse ao Valor.

As prestações de conta mais recentes publicadas no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, na média, as doações empresariais ao PT foram maiores do que os recursos do Fundo Partidário, que totalizaram R$ 134,7 milhões entre 2011 e 2013.

Os dados mais recentes são os de 2013, que mostram que dos R$ 79,78 milhões recebidos como doação pelo PT, quase 100% foram empresariais - só R$ 2,8 mil foram de pessoas físicas. A Camargo Corrêa foi a maior doadora, com R$ 12, 650 milhões, seguida por OAS, com R$ 8,75 milhões, Queiroz Galvão com R$ 6,5 milhões, Galvão Engenharia, R$ 5,7 milhões e Odebrecht, R$ 4 milhões. Todas essas empresas foram citadas nas investigações da Operação Lava-Jato. Além das investigadas, destaca-se a doação da JBS, de R$ 8 milhões.

O valor das doações em 2013 foi superior aos R$ 47,3 milhões do Fundo Partidário, segundo dados do site do TSE.

A prestação de contas de 2012 também mostra a dependência dos repasses empresariais nas doações recebidas pelo PT: 99,7% vieram de empresas. Dos R$ 35,2 milhões arrecadados, apenas R$ 97 mil vieram de pessoas físicas. Os maiores doadores também foram empresas citadas na Lava-Jato, como a UTC Engenharia (R$ 4,9 milhões), a OAS (R$ 3,45 milhões) e a Galvão Engenharia (R$ 2,65 milhões) e a Andrade Gutierrez (R$ 1,9 milhão) e Camargo Corrêa (R$ 1 milhão). Em 2012, o repasse do Fundo Partidário, segundo o TSE, foi maior do que as doações e chegou a R$ 43,2 milhões.

Em 2011, ano seguinte à eleição da presidente Dilma Rousseff, o então tesoureiro João Vaccari arrecadou R$ 50,7 milhões para PT nacional, dos quais R$ 48,6 milhões vieram de doações de empresas, o equivalente a 96,5% do total. O valor repassado por empresários pode chegar a R$ 50,6 milhões (99,8% do total) se forem somadas as doações de R$ 1 milhão do empresário Benjamin Nasario Fernandes Filho, acionista da Benafer, empresa distribuidora de aço; de R$ 600 mil de Ana Maria Baeta Gontijo, esposa do empresário da construção civil José Celso Valadares Gontijo, que foi investigado no mensalão do DEM; e de R$ 100 mil de Ronaldo José Neves de Carvalho, do conselho administrativo das drogarias São Paulo e Pacheco. As três doações aparecem como feitas pela pessoa física e não pela empresa.

Naquele ano, a OAS doou R$ 2,6 milhões, a Galvão Engenharia deu R$ 1,63 milhão, a Camargo Corrêa, R$ 1,5 milhões, a Andrade Gutierrez, R$ 1,35 milhão e Mendes Junior, R$ 1 milhão. UTC e Odebrecht deram R$ 500 mil cada. Em 2011, o PT recebeu do Fundo Partidário R$ 44,1 milhões - menos do que as doações de empresários.

O novo tesoureiro disse que será preciso ter criatividade para enfrentar o momento de crise do PT. Uma das ideias já divulgadas pelo presidente nacional do partido é a de estimular doações entre R$ 15 e R$ 1 mil de filiados e simpatizantes. "O PT tem uma base social e de militantes muito grande e é preciso pedir a eles ajuda para passar por esse momento", disse Macêdo, que é do mesmo grupo político do ex-governador Marcelo Déda, morto em 2013, e do ex-presidente do PT José Eduardo Dutra.

O substituto de Vaccari foi escolhido na sexta-feira, depois de o PT enfrentar dificuldades para definir um nome para o cargo. Macêdo não estava na reunião da direção nacional, em São Paulo, onde foi definido o tesoureiro, nem integrava o diretório nacional. "Não tinha como projeto pessoal assumir esse cargo, mas não poderia me acovardar diante da situação", disse. "Atendi a um chamamento para assumir uma tarefa honrosa em um momento difícil do PT".

Macêdo será um dos responsáveis pelas contas do partido de 2014, quando Dilma foi reeleita.

 

As novas regras de leilão eletrônico, de penhora de faturamento e quotas de empresas, bem como os novos mecanismos para se descobrir, avaliar e bloquear os bens do devedor prometem atenuar esse quadro. Ademais, a possibilidade de se levar a protesto as sentenças judiciais, negativando-se o nome do devedor, cria um instrumento a mais de coerção à disposição dos credores.

Outro grande problema da atual processualística são os incentivos existentes à recorribilidade. No Brasil, os litigantes contumazes se esforçam para confundir "acesso universal à Justiça" com "recorribilidade gratuita e ilimitada". Não é possível desconhecer que muitas vezes o Judiciário é utilizado como parte de uma estratégia empresarial perversa, segundo a qual é preferível pagar os módicos juros da Justiça (6% ao ano) do que admitir imediatamente uma dívida já reconhecida por tribunais superiores em casos semelhantes.

A "aventura judicial" desses litigantes, em casos assim, nada mais é do que uma forma tão barata quanto cruel de financiar seu capital de giro às custas, muitas vezes, de consumidores hipossuficientes, que são obrigados a aguardar anos a fio até que um tribunal superior lhes assegure aquilo que desde o início já se sabia qual seria o desfecho.

Para inibir esse tipo de comportamento o novo Código criou mecanismos relevantes, como a "sucumbência recursal", que amplia as despesas do processo a cada instância que um litigante contumaz é derrotado, e a possibilidade de concessão da "tutela da evidência" no início do processo, quando a postulação do autor estiver amparada em súmula dos tribunais superiores, o que inverte o ônus da demora da tramitação e permite a fruição desde o início do direito que, pelo regime atual, somente seria outorgado na sentença final.

O novo Código de Processo Civil, de certa forma, é a primeira reforma estrutural realizada para concretizar as promessas de razoável duração dos processos, efetividade das decisões judiciais e transparência, que emergiram da Reforma do Judiciário de 2004. Suas disposições colocam o Brasil em posição de vanguarda no cenário mundial e, se bem aplicadas por nossos tribunais, colaborarão para a melhoria do ambiente de negócios, num momento crucial para a economia nacional.

Bruno Dantas é ministro do Tribunal de Contas da União, ex-Conselheiro do CNJ, Doutor e Mestre em Direito (PUC/SP) e autor do livro "Teoria dos recursos repetitivos".