O globo, n. 29845, 24/04/2015. Opinião, p. 15

Um segredo de Tancredo

‘Ele ia esperar um ano e, na primeirareforma ministerial, você seria ministro da Educação’, me disse filho dele

POR ARNALDO NISKIER
 

A frase é de Frei Betto, publicada no GLOBO: “Tancredo repetiu o que aconteceu com Moisés. Levou o seu povo à Terra da Promissão, mas não pôde entrar.” Queria se referir à morte do grande líder mineiro, às vésperas de tomar posse à frente do país que ajudara a redemocratizar.

A esse propósito, muitas reportagens recordaram a importância de Tancredo Neves. Sua agonia foi acompanhada pelo povo brasileiro. Tendo gozado da sua intimidade, sinto-me no dever de contar algo até aqui quase desconhecido.

Adolpho Bloch resolveu abrir as portas da sede da “Manchete”, em Brasília, para um grande jantar em homenagem ao novo presidente. A posse seria no dia 15 de março de 1985. O jantar programado para dois dias antes. Foram convidados todos os novos ministros. Lembro até uma encrenca com o cerimonial do Itamaraty. Até às 18h daquele dia, o ministro da Agricultura era Bernardo Cabral. Foi convidado, mas Tancredo, em cima da hora, resolveu atender ao governador do Estado do Pará e trocou Bernardo por Nelson Pereira. Ninguém da “Manchete” sabia. Coloquei Bernardo à mesa, mas vieram me pedir para retirá-lo. Não permiti. Ficaram os dois.

Às 21h20m, chegou Tancredo, acompanhado de Dona Risoleta. O Adolpho me pediu para recebê-lo no jardim. Quando me viu, velho amigo meu (habitué das temporadas artísticas do Teatro Municipal, no Rio), passou o braço pelo meu ombro e disse a frase meio enigmática: “Vou precisar muito da sua ajuda, mais pra diante.”

Depois de acomodar o casal, na mesa principal, com aquela frase na minha cabeça, procurei o Tancredo Augusto, filho do presidente, e perguntei o seu real significado. Então, veio a explicação: “Ele é seu fã. Queria colocar você na direção do MEC, mas teria que se entender com o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Não queria fazer isso. Então, ia esperar um ano e, na primeira reforma ministerial, você seria ministro da Educação.” Levei um susto, é claro.

Depois, todos sabem o que aconteceu. Na véspera da posse, em Brasília, jantávamos alegremente na residência do publicitário Euler Monteiro, da MPM, quando chegou o ministro Carlos Átila e disse a frase assustadora: “Amanhã, não haverá posse. O Tancredo está sendo agora hospitalizado — e seu estado é muito grave.” Acabou o jantar, com Adolpho Bloch e o governador Faria Lima fomos para a sede da “Manchete”, a fim de conhecer mais detalhes do que estava ocorrendo. As notícias eram desencontradas.

 

Na manhã seguinte, fui com o Adolpho para o Hospital de Base, fazer uma visita a Dona Risoleta e saber notícias concretas do estado de saúde de Tancredo. Ela nos deu um relatório ainda otimista, corroborado pelo fotógrafo Gervásio Baptista, que vira o presidente. Mas a realidade, infelizmente, era outra.

P.S. Depois eu soube que a bancada federal do PMDB do Rio de Janeiro, por unanimidade, tinha indicado o meu nome para ministro, sem que eu soubesse. O destino optou por outro caminho.

Arnaldo Niskier é professor e jornalista