O globo, n. 29845, 24/04/2015. Opinião, p. 15

José Paulo Kupfer
 
 
José Paulo Kupfer Foto: Reprodução
 

Longe do alvo

A lei da terceirização da mão de obra aprovada na Câmara não dá segurança jurídica a quem contrata nem garante direitos a quem é contratado

O clima é de polarização, o tema, complexo, o momento econômico de crise, pouco propício e o foco das discussões pode estar deslocado do ponto central. Nesse ambiente tão contaminado, são mínimas — para não dizer nenhuma — as chances de que o projeto de lei de ampliação da terceirização da mão de obra, agora enviado ao Senado Federal, depois de aprovado em votação dividida na Câmara dos Deputados, cumpra o objetivo prometido por seus defensores de contribuir para elevar a competitividade na economia, sem ferir os direitos dos trabalhadores.

Pelas linhas tortas do exacerbado protagonismo adotado pelos presidentes das duas casas legislativas federais, abre-se, porém, um espaço para que a questão realmente possa amadurecer e o texto legal afinal encontre o ponto comum desejável. Do Senado já são emitidos sinais de que o projeto será modificado para restringir as possibilidades de terceirização aprovadas ou colocá-lo em hibernação, se houver ameaça de derrubada na Câmara das eventuais alterações que forem introduzidas no texto pelos senadores. Se como está, a regra não funciona, se ficar como reza o texto aprovado na Câmara, também não vai funcionar.

Embora tramite desde 2004, o PL 4330 dormitou até 2011, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST) introduziu a súmula 331, legalizando a terceirização de mão de obra em restritas atividades-meio — segurança, limpeza e afins. Depois disso e até o substitutivo votado esta semana, a discussão saiu do sono, mas andou devagar. O PL da terceirização tem, em resumo, uma história longa, mas muito pouco efetiva. O fato de que ainda não esteja claro se, transformado em lei, seu texto produziria a segurança jurídica almejada pelos que o defendem ou a precarização do trabalho denunciada pelos que o rejeitam é prova de que ainda não está pronto.

Uma das possíveis razões para a confusão que o projeto de lei provocou pode estar no foco equivocado da discussão. Enquanto a linha demarcatória do debate for determinada pela divisão entre atividades-fim e atividades-meio será muito difícil, provavelmente impossível, garantir segurança a quem contrata e direitos trabalhistas suficientes a quem é contratado. Ou seja, o tiro da nova lei passaria longe do alvo comum do aumento da competitividade econômica, da segurança jurídica e da preservação de direitos.

É preciso mudar o foco para entender que a discussão sobre a terceirização não diz respeito ao mundo da produção, e sim ao mundo das relações de trabalho. No mundo da produção, a tecnologia da informação e a logística dos contêineres revolucionaram as cadeias produtivas, tornando quase impossível, além de inadequado, a distinção entre tipos de atividade — se meio ou fim. Mas, felizmente, este não é o verdadeiro problema. Quando está em jogo a relação de trabalho, o que importa não é o trabalhador ser ou não terceirizado, mas, sim, como ele se insere na regulamentação trabalhista e, enfim, qual o padrão de contratação da mão de obra.

Sem levar em conta esses aspectos, a lei da terceirização será forte candidata a engrossar o entulhado baú das regras legais que não pegaram. Passa da conta, no Brasil, o número de regulamentações que não promovem aquilo que pretendem estimular ou evitam aquilo que visam coibir. A legislação trabalhista está recheada, por exemplo, de dispositivos para inibir a rotatividade da mão de obra, mas o país, com um espantoso turn-over de 50% ao ano, que ajuda a minar qualquer índice de produtividade, é campeão mundial nesse quesito. Outro exemplo: temos uma lei de estímulo ao primeiro emprego, que não gerou polêmicas e foi rapidamente aprovada, mas nem por isso, na prática, saiu do papel.

José Paulo Kupfer é jornalista