O globo, n. 29845, 24/04/2015. Economia, p. 19

Terceirização abre crise no PMDB e Cunha ameaça com retaliação

POR JORGE BASTOS MORENO

Júnia Gama, Fernanda Krakovics, Simone Iglesias, Geralda Doca e Henrique Gomes Batista

Presidente do Senado diz que não terá pressa para votar projeto. Em resposta, o da Câmara promete retaliar

O GLOBO - Júnia Gama, Fernanda Krakovics, Simone Iglesias, Geralda Doca e Henrique Gomes Batista

BRASÍLIA E RIO Aprovado quarta-feira à noite na Câmara, o projeto que amplia a terceirização para todas as atividades nas empresas se tornou motivo de disputa entre o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ontem, Renan afirmou que a terceirização de atividades-fim (as principais em uma empresa) é uma "pedalada" no direito do trabalhador. Como a palavra final sobre o assunto será dos deputados — já que a proposta voltará à Câmara, se texto for alterado no Senado — Renan afirmou que o Senado não tem pressa para votar o projeto e lembrou que a tramitação na Câmara durou 12 anos. Cunha, que apoia o projeto, reagiu dizendo que dará tratamento igual a matérias de interesse do Senado.

— O que vamos fazer é sentar em cima das coisas deles também. Também teremos discussão de muitos projetos que não tiveram discussão no Senado — disse Eduardo Cunha ao GLOBO.

Guerra fiscal é moeda de Cunha

Na quarta-feira, com uma manobra regimental comandada por Cunha, a Câmara garantiu a aprovação de emenda que amplia a terceirização para atividades-fim das empresas — o que já era previsto no texto-base do projeto — e derrubou destaque do PT, que limitava a terceirização às atividades-meio (limpeza, segurança e outras que não representam a atividade principal da empresa).

Como exemplo de projeto do Senado que pode ter sua apreciação prolongada na Câmara, Cunha citou a validação dos incentivos fiscais concedidos no passado pelos estados no âmbito da guerra fiscal. A medida foi aprovada no início deste mês pelos senadores, mesmo com a oposição de alguns estados, como São Paulo e Rio e, na prática, acaba com a unanimidade das decisões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), para permitir a validação desses incentivos.

Já o presidente do Senado promete fazer uma "avaliação criteriosa" do projeto que amplia a terceirização:

— Essa matéria começou a tramitar na Câmara e vai ser concluída na Câmara. É por isso que vamos fazer uma avaliação criteriosa, não vamos ter muita pressa, porque já existem no Brasil 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Ter pressa significa regulamentar a atividade-fim e isso é um retrocesso, é uma pedalada no direito do trabalhador — afirmou Renan.

O termo "pedalada", usado por Renan ao falar da ampliação da terceirização para atividade-fim, é uma referência à contabilidade criativa adotada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, as chamadas pedaladas fiscais. Significa, na prática, atrasar pagamentos e compromissos. Renan defende a regulamentação da terceirização apenas para as atividades-meio, já permitida hoje. Depois das declarações de Cunha prometendo retaliação, Renan disse a aliados que, no Senado, não funciona o calendário de Cunha e que ele não irá interferir na forma de tramitação do projeto sobre terceirização.

— Essa lei passou porque o presidente é Eduardo Cunha. Se Renan travar lá no Senado, Eduardo também trava as coisas deles aqui na Câmara. Acho muito ruim Renan iniciar o processo afirmando que vai atrapalhar a tramitação normal do projeto. Espero que essa posição não se concretize — reforçou o relator do projeto na Câmara, Arthur Maia (SD-BA).

Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan, afirmou ontem que a aprovação da proposta pela Câmara dos Deputados é muito importante e que a entidade, junto com outros "órgãos da sociedade", vão pressionar o Senado para a rápida aprovação do projeto:

— O argumento dos contrários à lei usam uma discussão do século passado. O Brasil tem tradição em aprovar leis que criam entulhos ao desenvolvimento do empreendedorismo — criticou o presidente da Firjan.

Ele disse que nem mesmo a liberação, por parte dos deputados, da existência da empresa de uma pessoa só na terceirização, é ameaça aos direitos trabalhistas.

— Uma empresa não se faz sem empregados. E os países mais desenvolvidos são os que têm as relações trabalhistas mais flexíveis — argumentou.

Pela manhã, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, criticou a terceirização na atividade-fim da empresas:

— Acho que a aprovação final da proposta, com a ampliação da contratação na atividade-fim, não foi boa. Nós esperamos que o Senado venha a corrigir — frisou.

PAÍS VOLTA A GERAR EMPREGOS FORMAIS

O mercado formal de trabalho registrou em março uma geração líquida (diferença entre admissões e demissões) de 19.282 empregos frente a 13.117 postos em igual período do ano passado. É o primeiro resultado positivo do ano, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. Mas o saldo do trimestre segue negativo. O país perdeu 50.354 postos formais de janeiro a março, contra a criação de 344.984 vagas nos três primeiros meses de 2014. O desempenho é o pior desde 2009, no auge da crise internacional.