Ministros do STF cobram de deputados limites mais rígidos para doação privada

Talita Fernandes

Beatriz Bulla

 

Após a Câmara dos Deputados aprovar, por 320 votos a 141, a inclusão na Constituição do financiamento de empresas a partidos políticos, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro José Dias Toffoli, defendeu a fixação de um limite de gastos das campanhas eleitorais. “O que eu penso ser bastante importante é que se estabeleça limite de gastos. Hoje, são os próprios candidatos que se autolimitam. Ou seja, o céu é o limite”, afirmou nesta quinta-feira, 28, após evento no Palácio do Planalto. 

Toffoli defendeu, ainda, que o limite atual de doação das pessoas jurídicas “é muito alto, 2% do faturamento”. E emendou: “É necessário que se coloque um valor nominal fixo por empresa para doação, além desse proporcional sobre o faturamento.”

A decisão da Câmara de oficializar na Constituição as doações de empresas ocorre num momento em que o Supremo Tribunal Federal caminha para proibir esse tipo de financiamento via pessoa jurídica. Seis dos 11 ministros da Corte já votaram pela proibição de doações de empresas a candidatos e partidos – deixando o financiamento das campanhas a cargo das pessoas físicas. O julgamento foi interrompido há um ano após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que é contra a proibição. Mendes deve devolver o processo ao plenário no fim de junho.

 

A presidente Dilma Rousseff com o presidente do TSE Dias Toffoli e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo na cerimônia de assinatura da mensagem que encaminha o Projeto de Lei que institui o Registro Civil Nacional

A presidente Dilma Rousseff com o presidente do TSE Dias Toffoli e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo na cerimônia de assinatura da mensagem que encaminha o Projeto de Lei que institui o Registro Civil Nacional

 

A aprovação do texto pela Câmara – ainda precisa passar por um 2.º turno e depois ser enviado ao Senado – é uma espécie de “vacina” contra a decisão do Supremo. Ao oficializar as doações de empresas constitucionalmente, os deputados tentam sustar os efeitos da decisão judicial (veja debate abaixo).

No Supremo, Toffoli votou pela proibição das doações de empresas a partidos e candidatos. Mas tem defendido uma saída legislativa para a questão, ou seja, acha que é de fato o Congresso quem tem de decidir o caso.

Regulamentação. Também ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso – que, assim como Toffoli, votou pela proibição das doações de pessoas físicas – concorda com o colega de Corte a respeito da criação de limites mais rigorosos quanto às doações. “Uma regulamentação que não imponha limites mínimos de decência política e de moralidade administrativa será inconstitucional. A decisão desses limites deve constar em lei. Mas, não havendo lei, se houver uma imoralidade administrativa ou uma possibilidade totalmente antirrepublicana, eu acho que o Supremo pode e deve declarar inconstitucionalidade”, afirmou. 

Barroso também afirma que a questão é de responsabilidade do Congresso, mas defende que o Supremo pode intervir na discussão se não houver uma regulamentação precisa. “Permitir que a mesma empresa financie todos os candidatos quer dizer que ou ela está sendo achacada ou ela está comprando favores futuros”, disse. O ministro disse, ainda, que é preciso restringir a possibilidade de contratação de empresas que fizeram doações pela nova administração porque isso seria “permitir que o favor privado, que foi a doação, seja pago com dinheiro público, o que é evidentemente imoral”.

Divergência. No STF, ministros divergiram sobre o impacto da aprovação do financiamento das empresas em julgamento em curso na Corte. 

O ministro Marco Aurélio Mello disse que a ação no STF “voltará à estaca zero” se, ao final de novas votações na Câmara e no Senado, a PEC for aprovada. Se isso ocorrer antes da conclusão do julgamento no Supremo, a “ação ficará prejudicada”, segundo Mello, que votou pela inconstitucionalidade das doações de empresas. 

Luiz Fux – outro ministro contrário às doações de pessoas jurídicas – afirmou que não há prejuízo do julgamento porque a ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é mais ampla do que a PEC em debate no Congresso. “A discussão pode, eventualmente, esvaziar a ação, mas acredito que elas têm objetos diferentes”, disse o ministro. 

Ainda é cedo. Os ministros Teori Zavascki – que votou a favor das doações de empresas – e Celso de Mello – que ainda não votou no processo – acham precipitado o debate e avaliam ser necessário aguardar o fim do processo no Legislativo para avaliar o andamento da ação no Supremo. “Ainda foi primeiro turno (a votação na Câmara dos Deputados). Acho precipitado comentar sobre isso (se haverá impacto) neste momento”, disse Zavascki. 

 

Doação de empresas a partidos e o debate no Supremo

 

Sim

 

Não há dúvida de que uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) deve ser proposta se houver inconsistência de uma lei em relação ao que determina a Constituição na época de aprovação dessa mesma lei.

Contudo, se uma emenda alterar a Constituição antes de se encerrar o julgamento dessa ação, haverá um problema. Isso porque a análise da constitucionalidade de uma lei - no caso da ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil é a Lei das Eleições (9.504, de 1997) - só é possível enquanto a norma constitucional paradigma estiver em vigor.

Se o Congresso aprovar a emenda que autoriza doações de empresas, a norma constitucional que hoje serve como parâmetro mudará. Consequentemente, a ação movida pela OAB passará a questionar uma lei por infração a uma norma constitucional que não terá mais vigência no ordenamento jurídico, já que se tornou inexistente. Assim, o julgamento restará prejudicado e inútil.

Neste caso, como a emenda não ofende uma cláusula pétrea, o Legislativo terá desempenhado regularmente sua função e não caberá mais ao STF decidir sobre a possibilidade do financiamento privado de campanhas.

 

Não

Em 2011, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650. Nesta ADI, sustenta-se que as doações a campanhas eleitorais efetuadas por pessoas jurídicas maltratam o princípio constitucional da igualdade, o Estado Democrático de Direito, o primado republicano e o princípio da proporcionalidade. Assim, o fundamento constitucional da ação proposta pela OAB repousa nas denominadas cláusulas pétreas, parte imutável de nossa Constituição da República, insuscetível, pois, de alteração pelos humores e vontades do Congresso Nacional. A proposta de emenda à Constituição autorizando a realização das referidas doações empresariais não altera o parâmetro de controle de constitucionalidade a ser realizado pelo STF, que permanecerá sendo o mesmo, qual seja: saber se essas doações ofendem ou não as cláusulas pétreas. Daí porque, ao julgar a compatibilidade dessas doações com as cláusulas pétreas, há possibilidade de o STF declarar, a um só tempo, a inconstitucionalidade das leis que a autorizam e também da nova disposição constitucional porventura aprovada pelo Congresso.