Novos acertos, antigas pendências

Rafael Motta

 

As expectativas estão em alta com a reaproximação entre os presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama, coroada pelo encontro realizado em abril, na 7.ª Cúpula das Américas. O panorama que deve ser costurado a partir da visita de trabalho de Dilma a Washington, marcada para 30 de junho, aponta para o avanço de vários acordos entre os dois países e sinaliza ampliação do diálogo e da cooperação em diversos tópicos, como nas parcerias comerciais e na flexibilização de vistos para facilitar o trânsito de cidadãos entre as duas nações.

A conjuntura é favorável para uma reaproximação e não há mais espaço para o desperdício na relação entre as duas maiores economias das Américas. Os EUA mostram-se empenhados em reconstruir as pontes com o Brasil após os danos provocados pela espionagem da NSA. O engajamento dos dois governos para dinamizar o processo é evidente no momento em que se opta por um encontro de trabalho, de caráter mais informal, em vez de uma visita de Estado, a mais elevada no protocolo americano e que só teria espaço na agenda de Obama em 2016.

Sabemos quanto a relação Brasil-EUA é intensa, diversificada e apresenta uma agenda com assuntos estrategicamente importantes para os dois países e as relações internacionais em geral, caso do setor energético. O segmento petrolífero vive momentos difíceis no mercado internacional com a queda do preço do barril, que nos últimos meses foi negociado na faixa de US$ 50, um dos valores mais baixos em cerca de seis anos. Além de lidar com o peso da exportação da commodity sobre a economia, o Brasil sofre as consequências desse cenário com o alto custo de extração de reservas brasileiras e a crise que circunda a Petrobrás.

O rearranjo político que se desenha com o novo mandato presidencial indica mudanças positivas e promissoras, mas o bate-papo entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca não representará grande contribuição caso não afirmemos nossa predisposição para trabalhar num tratado comercial robusto com os EUA. É preciso atentar que o momento político-econômico difere bastante do que se viveu nos últimos anos e apresenta uma janela de oportunidades a partir do diálogo entre as duas nações.

A perda de valor do real ante o dólar faz a exportação voltar ao foco central das empresas, mas a retomada de vendas brasileiras ao exterior tem longo caminho a percorrer. Estudo realizado pela Associação de Comércio Exterior do Brasil mostra que será necessário esforço para voltar aos índices de 2000. Nesse ano os EUA representavam 24% das nossas remessas e os manufaturados alcançavam 72% do que o Brasil exportava para os americanos. Recuperar essas taxas equivaleria a aumentar as exportações totais para os EUA em US$ 25 bilhões e as de bens manufaturados em US$ 23 bilhões.

Apesar da crise, o interesse dos investidores pelo Brasil persiste em diversas áreas, como infraestrutura, logística, tecnologia e serviços. Isso precisa ser considerado. O governo brasileiro tem de deixar claro, no entanto, o que fará dentro de casa, a começar pela gestão econômica. Já sabemos o principal: estimular a presença de empresas nacionais em território norte-americano, bem como atrair investimentos estrangeiros, o que pode contribuir positivamente para a elevação da arrecadação, melhoria do balanço de pagamentos e fortalecimento da cadeia de produção do mercado local. Nesse cenário, é importante ainda instalar ferramentas que evitem a bitributação e, por consequência, incentivem os negócios.

O Brasil tem como desafio criar as bases para a ampliação dos investimentos, que seguem estagnados, em grande parte, por causa da falta de confiança do empresariado. Não basta estarmos atentos às oportunidades, elas precisam ser criadas por meio de intenções governamentais capazes de elevar a confiança do investidor. Aumentar os fluxos econômicos com o mercado americano precisa ser o principal interesse do atual governo no que tange ao comércio exterior. A economia global mostra-se cada vez mais competitiva e enfrentar os problemas que dificultam a negociação entre os países é fundamental.

Temos de avançar na assinatura de programas para eliminar a exigência de vistos para os EUA, pois eles são ferramentas altamente estratégicas e com benefícios diretos para o capital brasileiro. Nesse cenário de urgência foi criado a Visa Free Coalition, coalizão entre líderes empresariais do Brasil e dos EUA em prol do Global Entry e do Visa Waiver. Liderado pela Brazil-U.S. Business Council, organização empresarial administrada pela U.S. Chamber of Commerce, da qual a Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro (AmCham Rio) faz parte, e pela Confederação Nacional da Indústria, o grupo oferece ainda mais peso e celeridade à implementação das medidas.

Temos espaço de sobra para explorar o mercado norte-americano. Segundo o Ranking das Multinacionais Brasileiras de 2014, elaborado pela Fundação Dom Cabral, o crescimento do índice médio de internacionalização de empresas nacionais ficou em 22,9% em 2013. A América do Norte é um dos principais destinos desses empresários, representando 66,7% das operações fora do País. A criação de um portal único entre Brasil e EUA que permita a troca de informações e documentos digitalizados, ainda que não tenha o charme dos acordos bilaterais, pode trazer benefícios incalculáveis para os exportadores das duas nações.

É fundamental que nos situemos sobre a importância da reaproximação diplomática e econômica com os EUA. O Brasil conta com 210 milhões de habitantes e o segundo PIB das Américas, volume representativo de negócios, além do protagonismo sul-americano. A viagem presidencial é um sinal que abre novas frentes, mas os gestos seguintes são igualmente importantes. É necessária uma sinalização política para uma pauta econômica mais ambiciosa de longo prazo.