Governo federal anuncia corte recorde no Orçamento e freia investimentos do PAC

João Villaverde

 

O governo Dilma Rousseff anunciou nesta sexta-feira, 22, o maior contingenciamento de gastos públicos em 13 anos de Orçamento federal sob a administração do PT. Foram R$ 69,9 bilhões em retenções de despesas previstas neste ano, atingindo todos os 38 ministérios e, principalmente, as principais vitrines criadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que bancaram a reeleição de Dilma. 

O governo cortou R$ 25,7 bilhões do limite de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - quase R$ 7 bilhões do programa habitacional Minha Casa Minha Vida. 

Em volume de recursos, três ministérios foram mais atingidos pela tesoura da equipe econômica. Comandado por Gilberto Kassab (PSD), responsável pelo Minha Casa Minha Vida, o Ministério das Cidades sofreu um corte total de R$ 17,2 bilhões. Com isso, terá menos da metade do originalmente previsto no Orçamento aprovado pelo Congresso no mês passado. 

‘Todos’. Na Saúde, o corte chegou a R$ 11,7 bilhões e na Educação, a R$ 9,4 bilhões. Ainda assim, defendeu o governo, os limites de gastos ficaram acima do mínimo exigido pela Constituição. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, se esforçou para reforçar que outras bandeiras do PT, como Mais Médicos, Farmácia Popular e Financiamento Estudantil (Fies), terão recursos para atravessar 2015. “Todos os ministérios contribuirão com o esforço de contenção de despesas”, disse Barbosa no anúncio dos cortes, que não contou com a presença do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. 

Barbosa afirmou que o governo vai concentrar os esforços do PAC e Minha Casa Minha Vida nos pagamentos que ficaram “pendurados” de 2014 para 2015, os chamados restos a pagar. “Vamos reduzir os restos a pagar, como já estamos fazendo, e pagar aquelas obras que estão com 70% ou mais de execução, seguindo os cronogramas. Mas vamos também fazer obras novas”, disse. 

O anúncio de ontem foi cercado de expectativa, após uma divisão interna na equipe econômica sobre os rumos do ajuste fiscal. Horas antes, o governo tinha publicado uma medida provisória elevando de 15% para 20% a alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrada dos bancos. 

Na segunda-feira, Dilma e os ministros da área econômica tinham definido um corte próximo de R$ 70 bilhões e que seria acompanhado de aumento de impostos. Mas até a noite de quinta-feira, o ministro Joaquim Levy pressionou internamente para elevar o corte a R$ 78 bilhões. 

Recessão. O governo também promoveu ontem duas bruscas mudanças em suas projeções oficiais. Em um movimento de rompimento com a lógica que dominou durante quase nove anos de Guido Mantega na Fazenda, o governo anunciou que agora prevê uma queda de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, seguindo a projeção média do mercado financeiro. Será a maior recessão econômica em 25 anos. Até ontem, a projeção oficial apontava crescimento de 0,8% do PIB. No período de Mantega no comando da política econômica, as projeções para o PIB eram sempre mais otimistas do que as previsões do setor privado. Era uma tentativa de criar expectativas positivas na economia. 

Outra mudança significativa no Orçamento foi um corte de R$ 65,1 bilhões na receita líquida esperada para 2015. Essa forte redução na arrecadação é resultado direto da recessão econômica. Para manter seu compromisso com a meta de economia para pagamento dos juros da dívida pública, o chamado superávit primário, o governo decidiu cortar despesas primárias na mesma dimensão, de R$ 65,1 bilhões - obtido após o corte de R$ 69,9 bilhões nos gastos discricionários e uma elevação de R$ 4,8 bilhões no total previsto com despesas obrigatórias, como pagamentos de salários e encargos ao funcionalismo, aposentadorias e pensões públicas e sentenças judiciais. 

Outro sinal político importante foi emitido pelo governo ontem. Além do corte de gastos, houve a ampliação em R$ 4,5 bilhões a previsão de gastos que o Tesouro Nacional terá que repor à Previdência Social por conta das desonerações da folha de pagamentos. Ao devolver a medida provisória que revisava o benefício, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), forçou o governo a enviar um projeto de lei. 

Sem poder contar com os efeitos imediatos garantidos com a MP, o governo mostrou, ontem, que os gastos públicos com a medida também vão aumentar, ocupando um espaço no Orçamento que poderia ser dos ministérios.

 

Bloqueio não deve ser suficiente para cumprir metas

 

Orçamento público, tradicionalmente, é peça de ficção, pelo menos no Brasil. Contingenciamento de gastos, com base em orçamento público, tem tudo para ser a ficção da ficção. O contingenciamento de R$ 70 bilhões anunciado pelo governo soma valores que fecham uma conta de chegar.

É o tanto necessário para cobrir o déficit fiscal primário do ano passado, equivalente a 0,6% do PIB, e garantir o cumprimento da meta de superávit primário deste ano, fixada em 1,2% do PIB, se as estimativas de receitas e despesas públicas estiverem corretas. O volume de dinheiro exigido alcança R$ 100 bilhões e é este valor que o governo, incluindo Estados e municípios, mas com a retaguarda da União, terá de acumular, cortando despesas ou aumentando arrecadação, para cumprir a meta.

Trata-se de um esforço enorme. O bloqueio de gastos agora anunciado é 60% maior do que o proposto em 2014 e 150% acima do anunciado no ano anterior. Se vai ser cumprido e, mais do que isso, se será suficiente para equilibrar as contas públicas a ponto de estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB, condição para evitar riscos de perda do chamado "grau de investimento", é que são elas.

O mundo de ficção em que habitam o Orçamento e seu contingenciamento costuma estar distante da realidade das receitas públicas e mesmo das despesas. Não está sendo diferente em 2015, apesar da presença de um ministro genuinamente "mãos de tesoura" à frente do programa de ajuste. A previsão de aumento da arrecadação de mais de 5%, em termos reais, este ano, com a economia em contração superior a 1%, para encurtar a conversa, só teria como se concretizar com um pesado aumento da carga tributária. Além disso, mesmo com boa parte dos cortes de despesas concentrados em investimentos, especialistas consideram que as estimativas oficiais, em relação aos gastos, também estão mais otimistas do que seria realista projetar. Não se pode esquecer, nesse sentido, o carregamento de despesas que transbordam de 2014 para este ano. Este é um valor gigante, que se encontra em torno de R$ 200 bilhões e se constitui em despesas efetivas no exercício - de janeiro a abril, o total de gastos desembolsados nesta rubrica foi 70% superior à parcela paga, no mesmo período, em 2014.

Na falta de uma reforma administrativa que reduza a máquina pública, não é fora de propósito esperar, se for para acreditar nas metas anunciadas, novo e mais amplo contingenciamento no decorrer de 2015.