Valor econômico, v. 15, n. 3746, 01/05/2015. Brasil, p. A4

 

Ajuste "perde" R$ 11 bi com mudanças em MPs

 

Por Denise Neumann | De São Paulo

Os primeiros debates das medidas provisórias 664 e 665 - que alteram as regras para concessão de pensões por morte e outros benefícios previdenciários, e de seguro-desemprego e abono salarial, respectivamente - já reduziram em cerca de R$ 4 bilhões, pelo menos, o ajuste fiscal pretendido pelo governo com os dois conjuntos de medidas. Além disso, a discussão na Câmara jogou a economia com o abono (mais R$ 7 bilhões na proposta original) para o ano que vem.

Com a soma dos dois impactos, o governo perde uma ajuda de R$ 11 bilhões dentro de um esforço fiscal planejado para um período de 12 meses de R$ 18 bilhões, boa parte do qual era para acontecer este ano. Como a meta para o governo federal é de R$ 55 bilhões, a "perda" é considerável em 2015, mas será bem menor em 2016.

Para o ajuste fiscal de longo prazo a nova redação da MP 664, que trata das pensões, é a pior notícia. O impacto inicial seria pequeno, mas muito expressivo no longo prazo. "Ela [a nova redação da MP] transforma uma grande reforma, a maior desde o governo FHC, em um ajuste muito pequeno, que podia ser feito sem essa discussão toda", diz Leonardo Rolim Guimarães, consultor de orçamento da Câmara e ex-secretário de Políticas da Previdência Social. Ele estima que, no longo prazo, a economia chegaria a R$ 30 bilhões ao ano.

O texto do relator Carlos Zarattini (PT-SP) restabelece o valor integral no caso de pensão por morte. A MP reduzia o benefício para 50%, mais 10% por dependente. Assim, uma viúva sem filhos receberia 50% mais 10% (cota equivalente a sua dependência) enquanto uma viúva com dois filhos receberia 80% (os 50% mais 10% para cada dependente). Além de acabar com a integralidade, a MP estabelecia a "reversão da cota". Por essa medida, quando o filho completasse maioridade, os 10% dele acabariam.

"Em 12 meses, sozinha, essa medida tinha potencial para gerar uma economia de R$ 1,5 bilhão, que poderia ser de R$ 5 bilhões no ano seguinte. E estamos falando apenas das novas pensões", diz Rolim, ponderando que nem na Europa essa regra é tão benéfica como no Brasil. "Sem a proporção por dependentes, o benefício representa um aumento da renda familiar per capita no caso de morte", pondera.

No caso do seguro-desemprego, a estimativa é que as mudanças propostas no texto reduzam a economia pretendida de R$ 9 bilhões para R$ 7 bilhões. O relator - senador Paulo Rocha (PT-PA) - alterou o tempo necessário de trabalho anterior para que a pessoa demitida possa ter acesso ao benefício. Para a primeira vez, a MP estabelecia tempo mínimo de 18 meses de trabalho ao longo de 24 meses. A MP reduz esse tempo mínimo para 12 meses. Para segunda vez, a MP estabelecia 12 meses de trabalho, tempo que a medida provisória estabeleceu em 9 meses.

As mudanças propostas para o abono salarial também foram alteradas. Pela regra atual, quem trabalhar por um mês com registro, recebe um abono salarial de um salário mínimo integral. A MP estabeleceu um tempo mínimo de 180 dias e pagamento proporcional ao tempo trabalhado. O relator reduziu esse tempo mínimo para três meses, mas manteve a proporcionalidade.

No conjunto, foi estimada economia anual de R$ 7 bilhões com a mudança no abono. Não existem estimativas para o efeito da mudança proposta, mas todo esse ganho ficou para 2016, quando a nova regra do abono entrará em vigor. Rolim pondera que, no caso do abono, a MP mantém a principal regra, que é a da proporcionalidade. É ela que vai garantir a maior parcela da economia prevista pelo governo.

No caso do seguro-desemprego, as novas regras já entraram em vigor, apesar de a MP ainda não ter sido aprovada. A MP do seguro-desemprego foi aprovada ontem na comissão mista criada para discuti-la. Depois das comissões, elas precisam ir aos plenários da Câmara e do Senado.

Sem medidas, risco de perder grau de investimento 'volta a galope', diz Levy

 

Por Ligia Guimarães e Edna Simão | De Brasília

 

Ruy Baron/ValorMinistro da Fazenda, Joaquim Levy, entende que confiança já se estabilizou: "É o primeiro brotinho que a gente vê nascer"

Em quase cinco horas de audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se empenhou em convencer os parlamentares de que a aprovação rápida pelo Congresso das medidas de ajuste fiscal é fundamental para garantir a retomada do crescimento econômico e evitar que o país tenha sua nota de crédito rebaixada.

"A disciplina fiscal é insubstituível. Nós só vamos conseguir ter queda consistente no juro real com a melhora fiscal", afirmou, acrescentando que o cumprimento de tal receituário pode levar a economia a crescer novamente no ano que vem.

Levy rebateu o argumento de que o ajuste fiscal necessário para o cumprimento da meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano poderá atrapalhar o crescimento do país. "O ajuste econômico não irá atrapalhar o crescimento da economia", disse, acrescentando que as medidas darão ao país a oportunidade de voltar a crescer.

O "ajuste econômico" citado várias vezes pelo ministro abrange a aprovação das medidas de aperto fiscal em tramitação no Congresso Nacional, assim como a adoção de iniciativas posteriores, como a reforma no PIS/Cofins.

O ministro afirmou que o "esforço fiscal não é uma coisa desmesurada", pois outros países estão fazendo um aperto muito mais agressivo. Mas deixou claro que, para que seja bem-sucedido, é preciso que todos os entes públicos deem sua contribuição. "É um esforço grande para alcançarmos essa meta. É um esforço que faremos todos os dias", ressaltou o ministro, complementando que, no caso do Executivo, o corte nas despesas está sendo feito na "carne".

Até o dia 22 de maio, a equipe econômica deverá anunciar o corte que terá que ser feito no Orçamento deste ano para garantir a meta de primário. Nos bastidores, os técnicos dizem que o contingenciamento pode variar entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões. Mas o corte não será linear.

Na avaliação do ministro, o mundo mudou e o Brasil precisa se adequar a essa nova realidade, de menos liquidez internacional. Nesse cenário, não há espaços para as desonerações tributárias no patamar que existiam até o ano passada, assim como para linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com juros subsidiados.

"O Brasil está mais próximo dos bonds especulativos do que exatamente do investment grade", disse o ministro. "A presidente Dilma Rousseff tomou medidas fortes e esse risco diminuiu. Eu não diria que desapareceu completamente, porque se a gente não conseguir fazer o ajuste fiscal, o risco volta, volta rápido, a galope", afirmou.

Sobre a inflação, Levy disse não saber exatamente qual vai ser a variação de preço este ano. "Mas, pela vigilância do BC, temos a possibilidade de superar esse ajuste com inflação mais baixa, especialmente em 2016, quando os efeitos do realinhamento de preços já não estiverem presentes". Segundo o ministro, a confiança já se estabilizou e esse é "o primeiro brotinho que a gente vê nascer".

Apesar de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), colocar em votação projetos que nem sempre são prioridades do governo, Levy disse estar confiante de que Cunha tem interesse em ver o ajuste confirmado pelo Congresso. "Ele tem tido grande liderança", comentou.

Dentre as propostas encaminhadas pelo governo estão as medidas provisórias que restringem o acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte.

Questionado sobre a investigação da Operação Zelotes, que apura suspeita de irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Levy disse que as regras para melhorar a gestão do conselho, que estão em audiência pública desde o dia 27 até a próxima segunda, podem estar operando no mês que vem. "Vamos, no devido momento, estabelecer processo administrativo disciplinar. Os autos poderão ser anulados e voltarão ao processo para ter julgamento anulado'.

Levy arrancou risadas da audiência ao rebater a comparação feita por parlamentares aos heróis da mitologia grega - Hércules e Atlas - por sua difícil tarefa à frente da economia. "Atlas sofreu e Hércules morreu na pira, né?"