Para construtoras, cortes no Orçamento podem parar obras e elevar demissões

Renée Pereira

 

Os cortes no Orçamento Federal anunciados na sexta-feira devem ter um impacto profundo em um setor que já atravessa um momento difícil: a construção civil. Segundo empresários, a redução no volume disponível de recursos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e para o programa Minha Casa, Minha Vida deve levar à paralisação de obras e aumentar as demissões no setor, que já estão em nível muito alto.

A reportagem “Para construtoras, cortes no Orçamento podem parar obras e elevar demissões”, publicada à pág. B1, de ontem (26/05), contém um erro. O Ministério do Planejamento esclarece que a informação que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa Minha Casa, Minha Vida “terão redução de quase R$ 33 bilhões no orçamento” está equivocada. Isso porque, o valor de contingenciamento do PAC, de R$ 25,7 bilhões, já engloba o valor de contingenciamento do programa Minha Casa, Minha Vida (R$ 6,9 bilhões), não se podendo, portanto, somar as quantias.

No total, os dois programas - considerados as principais bandeiras do governo Dilma Rousseff - terão redução de quase R$ 25,7 bilhões no orçamento, valor representativo frente ao total do corte orçamentário, de R$ 69,9 bilhões. O valor de contingenciamento do PAC, de R$ 25,7 bilhões, já engloba o valor de cortes do programa Minha Casa, Minha Vida (R$ 6,9 bilhões).

"Ninguém tem dúvida de que o ajuste fiscal é necessário para o País, mas basear os cortes em investimentos é muito ruim", afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Rodrigues Martins. Ele destaca que, antes mesmo do corte, o setor já vinha sofrendo com o desaquecimento da economia (e também com os efeitos da Operação Lava Jato). Só no período entre outubro de 2014 e abril deste ano, a indústria da construção perdeu 290 mil postos de trabalho - número que deve se acelerar daqui para frente, diz o executivo.

As expectativas ruins para a construção estão expressas em dados divulgados ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O nível de atividade do setor atingiu o menor nível da história, segundo a Sondagem Indústria da Construção, realizada pela entidade. O indicador que mede o nível de atividade em relação ao usual chegou a 29,4 pontos em abril, ante 30,6 pontos em março. Em abril do ano passado, o índice estava em 42,6 pontos. A série da CNI teve início em dezembro de 2009 e, pela metodologia usada, os valores variam de zero a 100 pontos, sendo que números abaixo dos 50 pontos apontam cenário de queda.

Cenário. Para Martins, da Cbic, a principal preocupação do setor agora é o que vai ocorrer com as obras em andamento, já que não haverá dinheiro para pagar toda a conta. Desde o ano passado, o setor vem sofrendo com os constantes atrasos nos pagamentos das faturas de várias obras executadas. Até a semana passada, as contas em atraso do governo federal com as empresas somavam R$ 4,8 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão referente ao Minha Casa Minha Vida, R$ 1,8 bilhão de obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o restante de obras do PAC, segundo dados da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop).

No anúncio dos cortes, na sexta-feira, no entanto, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que o orçamento do Minha Casa Minha Vida foi preservado e ficou em R$ 13 bilhões - o valor aprovado inicialmente para o programa, no entanto, era de R$ 19,9 bilhões. Segundo ele, o valor é "compatível com o esforço" de contenção de gastos e garante o término das obras que estão com ao menos 70% de andamento. "Isso vai incluir uma adequação do cronograma dos projetos que têm um porcentual abaixo dos 70%", revelou.

Segundo ele, os projetos serão mantidos, mas o ritmo vai se adequar ao "novo limite orçamentário". "O ritmo de execução é que vai ter de se adequar ao novo limite financeiro", disse. Ele também afirmou que a previsão de gastos no programa prevê o lançamento da terceira fase do Minha Casa Minha Vida, no segundo semestre.

Para o diretor executivo da Apeop, Carlos Eduardo Lima Jorge, porém, adequar o orçamento significa prolongar os cronogramas das obras, estendendo os prazos dos contratos. Isso deve resultar em diminuição do ritmo das obras e, em muitos casos, elevação do valor do empreendimento, já que a mudança no cronograma implica aumento das despesas fixas. No Minha Casa, como a margem de ganho é menor, poderá haver interrupção de obras.

O que se avalia, diz Lima Jorge, é paralisar os projetos cujas obras estejam com execução inferior a 10% do total. Na faixa entre 10% e 60%, os cronogramas poderiam ser alongados. Os projetos com execução superior a 60% teriam prioridade no orçamento. O executivo afirma que entre 15% e 18% das obras do programa estão na faixa de até 10% de execução.

Na opinião do analista de mercado imobiliário do JP Morgan, Marcelo Motta, os segmentos mais populares do Minha Casa, Minha Vida devem ser os mais afetados pelos cortes. "Como as faixas 1 e 2 do programa dependem mais de subsídio do Tesouro, imaginamos que essas serão as mais impactadas." Para ele, ainda há dúvidas sobre o futuro do programa, que só devem ser esclarecidas com o anúncio da terceira etapa.

Segundo Lima Jorge, uma das grandes preocupações do setor é que o ajuste fiscal terá reflexo em cadeia para investimentos de Estados e municípios. "E o impacto na economia poderá ser uma recessão mais profunda do que se espera", afirma o presidente da consultoria InterB, Cláudio Frischtak.

Para piorar, a defasagem de investimento representará degradação da infraestrutura nacional. "O Brasil investe entre 2% e 3% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano no setor. Pelos padrões internacionais, esse é o investimento necessário apenas para manter o que existe, não para expandir os serviços. Se não fizermos nem isso, a qualidade da infraestrutura piora muito", diz Martins, da Cbic.

 

Contingenciamento atinge programa de controle de fronteira

 

O bloqueio de verbas federais atingiu em cheio o principal programa do Exército para o controle das fronteiras do País. A expectativa do chamado Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) era ter R$ 1 bilhão em investimentos neste ano, mas os militares vão ter de se virar com, no máximo, R$ 285 milhões. Apesar de o ministro da Defesa, Jaques Wagner, ter prometido ontem que os recursos do programa não serão afetados pelos cortes na Pasta, o fato é que os recursos estão muito abaixo do que se previa.

Em momentos de crise, com imigração ilegal de haitianos pela Amazônia e de crescimento do crime organizado nas bordas do País, os militares temem que a situação paralise o principal programa de controle de fronteiras do Brasil.

Militar monitora fronteira em Mato Grosso do Sul

Militar monitora fronteira em Mato Grosso do Sul

Projetado e administrado pelo Exército, o Sisfron foi iniciado em 2012 com a promessa de revolucionar a fiscalização nos extremos do País, com uma série de sistemas e equipamentos de comunicação, envolvendo centrais de comando interligadas por meio de radares, antenas de longo alcance e comunicação via satélite. A previsão era investir R$ 12 bilhões em dez anos de projeto. Três anos depois, o Sisfron é um alvo distante, que nem sequer conseguiu concluir até hoje a sua fase preliminar de testes.

"Faltam recursos. Hoje, o programa está praticamente andando de lado", diz o general Rui Yutaka Matsuda, responsável pelo piloto do Sisfron que tem sido tocado pelo batalhão de Dourados, em Mato Grosso do Sul, a 120 km de distância da fronteira com o Paraguai.

Com a ambição de monitorar a fronteira de 16.886 km que divide o Brasil de seus dez países vizinhos, o programa previa a injeção de aproximadamente R$ 1 bilhão por ano, mas está absolutamente longe disso. "Não temos conseguido executar nem R$ 300 milhões por ano", disse Matsuda. "Já chegamos a usar recurso direto do orçamento do Exército, cerca de R$ 400 milhões, para que o programa não parasse." O receio dos militares é ter de abandonar o programa. Nas redes sociais, Jaques Wagner disse ontem que a Pasta terá de reduzir aproximadamente 25% dos gastos inicialmente previstos, mas garantiu que o corte não afetará os programas estratégicos do ministério, como o Sisfron, e outros dois programas da Marinha e da Aeronáutica.

Os militares esperavam que ao menos R$ 400 milhões fossem reservados para o programa, mas conseguiram a promessa de R$ 285 milhões, embora não haja garantia de que esse valor autorizado será efetivamente usado no programa.

Licitação. O sistema de monitoramento do Exército foi contratado em 2012, por meio de licitação. Quem ganhou a concorrência foi a empresa Savis, uma subsidiária da Embraer criada praticamente para tocar a iniciativa militar. Com sede em Campinas (SP), a Savis atua como grande integradora de sistemas e equipamentos de terceiros. Por trás dela estão 17 fornecedores, que se ligam a mais de uma centena de outras empresas. Ao todo, o programa tinha previsão de envolver, nos quatro primeiros anos, mais de 1,2 mil funcionários diretos e outros 6,3 mil indiretos.

Marcus Tollendal, diretor executivo da Savis, admite que o ritmo está muito inferior ao programado. "Até agora conseguimos executar apenas 60% do previsto no projeto-piloto."

Para convencer o governo da importância do programa, o Exército tenta concluir a etapa inicial que vai monitorar um trecho de apenas 650 km da fronteira brasileira, na região de Mato Grosso do Sul. Por meio de sensores espalhados pelo trecho, seis centrais de comando recebem os dados de qualquer movimentação na fronteira. É possível identificar placas de veículos a até 15 km de distância.