Planalto prestigia Levy, que classifica contingenciamento como ‘adequado’

Tânia Monteiro

Ricardo Della Coletta

 

Para dissipar as notícias de divergências na equipe econômica em uma semana decisiva para o ajuste fiscal no Congresso e acalmar o mercado financeiro, o Palácio do Planalto escalou ontem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para uma entrevista após reunião da coordenação política com a presidente Dilma Rousseff e reafirmou seu papel de fiador do reequilíbrio das contas do governo. Levy disse que o corte de R$ 69,9 bilhões veio no valor “adequado”, mas fez também um alerta sobre a queda nas receitas deste ano.

“A arrecadação não tem atendido às necessidades do governo. A arrecadação tem sobrevivido de receitas extraordinárias, como o Refis”, afirmou Levy ao chegar à Fazenda, no começo da manhã. “As receitas não têm sido muito significativas. As receitas previstas no Orçamento não têm conexão com a realidade da arrecadação.”

 

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy

Previsão. Dados do Ministério do Planejamento dão razão ao titular da Fazenda. Na proposta orçamentária enviada ao Congresso no ano passado, o governo previa arrecadação de R$ 1,466 trilhão. O Orçamento aprovado pelos parlamentares teve as receitas federais reduzidas para R$ 1,448 trilhão, mas a equipe econômica fez novo cálculo ao editar o decreto do contingenciamento: R$ 1,372 trilhão. Se essa previsão também não for confirmada - uma possibilidade não descartada por completo -, a Fazenda cogita recorrer a novos aumentos de tributos.

Mesmo antes da reunião com Dilma, Levy tratou de dissipar notícias de que estaria insatisfeito com os rumos do ajuste fiscal, após sua ausência no anúncio do contingenciamento, na sexta-feira - só o titular do Planejamento, Nelson Barbosa, esteve presente. O ministro da Fazenda defendia um corte mais severo, próximo de R$ 80 bilhões. Ontem, pôs panos quentes na polêmica. “O contingenciamento ocorreu no valor adequado e é uma das políticas que estão sendo colocadas em prática.”

Na reunião de Dilma com a coordenação política sobre as votações das MPs do ajuste no Congresso, a ausência, desta vez, foi de Barbosa, que alegou dores lombares para faltar ao encontro (Mais informações abaixo). Após a conversa com a presidente, Levy e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, participaram juntos de uma entrevista coletiva, num sinal de apoio do governo ao ministro da Fazenda. Levy negou divergências com o colega do Planejamento e foi direto no recado sobre uma eventual saída do governo. “Não, eu não pensei em nada de sair”, afirmou o ministro.

Votações. Prestigiar o ministro da Fazenda é estratégico para o governo em uma semana considerada “definitiva” para os rumos do ajuste fiscal. Três medidas provisórias editadas para recompor o caixa do governo precisam ser votadas pelo Senado até segunda-feira, para não perderem a validade. Entre elas, a prioridade é a MP 665, que endurece o acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial e que, nas contas do governo, deve gerar economia de R$ 5 bilhões neste ano. Parte dos senadores, inclusive petistas, resiste a aprovar as MPs do jeito que o governo quer.

Na terceira entrevista do dia, ao sair de reunião na Vice-Presidência, Levy respondeu assim ao Estado, quando questionado se poderia deixar o governo caso não conseguisse atingir o ajuste desejado: “Só tratamos de coisas reais. De fatos. Isso não foi discutido. Discutimos como fazer para votar as medidas provisórias esta semana. Nossa preocupação, nossa prioridade é com o tema da desoneração”. “Vocês estão muito excitados.”

 

A economia sob efeito da gripe e dor lombar

 

Não está fácil unir os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, em um mesmo evento público, o que estimulou os comentários no mercado e no governo de que os dois andam se estranhando. A explicação oficial para os desencontros dos titulares da equipe econômica é que as condições de saúde da dupla não andam das melhores. O relacionamento, juram ambos, segue muito bem, obrigado.

Na sexta-feira, Barbosa anunciou o contingenciamento de R$ 69,9 bilhões promovido pelo governo Dilma Rousseff sem Levy. A explicação: uma gripe teria abatido o titular da Fazenda e o impedido de estar ao lado do colega. Ontem, os papéis se inverteram. Enquanto Levy respondia a perguntas de jornalistas ao lado do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e via ser reafirmada pelo governo sua posição de fiador do ajuste fiscal, Barbosa era o ausente, pois estaria enfrentando dores na coluna.

Já pela manhã, a assessoria do Ministério do Planejamento avisou à imprensa em Brasília que Barbosa não participaria da abertura de um seminário internacional sobre infraestrutura nem de reunião de Dilma com ministros da área política e econômica para tratar das votações do ajuste fiscal nesta semana. A justificativa foi um "problema na lombar".

Só que essa explicação não chegou a Mercadante. Em entrevista após a reunião com Dilma, ele avisou, "para evitar especulações", que "Nelson Barbosa não veio, mas não pegou a gripe do Levy". O chefe da Casa Civil afirmou que Barbosa estava em uma convenção com investidores.

À tarde, a assessoria do Planejamento informou que o ministro foi ao médico pela manhã e, após ser medicado, decidiu despachar em seu gabinete na Esplanada. No começo da noite, Barbosa apareceu ao lado do ministro da Previdência, Carlos Gabas, para defender a necessidade de aprovação da MP 664, que altera benefícios do INSS.

Tosse. Na entrevista da manhã com Mercadante, Levy foi questionado sobre a ausência na sexta-feira e sobre desavenças com o titular do Planejamento. Negou qualquer divergência com o colega e repetiu a explicação dada por sua assessoria na semana passada e pelo próprio Barbosa. Para tentar convencer os repórteres da gravidade da gripe, Levy chegou a ensaiar uma tosse, que provocou risos na plateia.

Se a gripe de sexta-feira ainda provocava desconfianças, ontem Levy apareceu à tarde, após reunião no gabinete do vice-presidente Michel Temer, visivelmente abatido. Mesmo assim, fez questão de dizer que estava "se sentindo super energético". E ironizou: "É esse clima daqui. Esse clima de Brasília...".

 

Governo cobra 'fidelidade partidária' do PT no Congresso

 

A coordenação política do governo fez ontem uma investida para cobrar do PT apoio na votação das medidas provisórias do ajuste fiscal. A estratégia foi colocada em prática na manhã de ontem, quando o vice-presidente e responsável pela articulação política do governo, Michel Temer, disse durante reunião da coordenação política que, sem o empenho do PT, as MPs quer estringem o pagamento de benefícios trabalhistas e previdenciários irão naufragar.
No encontro, Temer ressaltou que na semana retrasada os problemas na tramitação na Câmara da Medida Provisória 664 – que altera o acesso à pensão por morte e ao auxílio-doença – ocorreram quando ficou evidente o racha dentro do próprio PT.
A resistência dos senadores petistas Lindbergh Farias (RJ) e de Paulo Paim (RS) no Senado ameaça agora reeditar uma nova derrota para o Planalto. Depois da reunião, o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) destacou que o fato de a bancada do PT na Câmara ter fechado questão pelo ajuste foi fundamental para as votações na Casa e falou da importância da “fidelidade partidária”. “O PT teve papel muito importante na Câmara dos Deputados na aprovação das MPs. Foi muito importante o fechamento da bancada para sustentar o ajuste.
A sinalização tem de ser clara do partido e é absolutamente (clara) para o governo”, disse Mercadante, em coletiva de imprensa ao lado do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no Palácio do Planalto. Na semana passada, ela já havia feito cobranças a petistas em reuniões fechadas. Ao tomar a palavra para se posicionar sobre as propostas, o líder do PT, Humberto Costa (PE), foi interrompido por Mercadante: “Mas Humberto, aqui você está representando qual PT? O da situação ou o da oposição?”. Após a entrevista, a presidente Dilma Rousseff determinou que parlamentares petistas que criticaram abertamente a política econômica de Levy fossem procurados.
O Planalto decidiu cobrar dos petistas demonstrações de fidelidade partidária. Olíder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), se reuniria à noite com o senador Lindbergh para tentar convencê- lo a recuar da oposição aberta ao texto defendido pelo governo. Na semana passada, Lindbergh atacou a matriz econômica do 2.º mandato de Dilma e defendeu publicamente a demissão de Levy, o que foi apontado por lideranças de partidos aliados como o fator determinante para o adiamento da votação da MP 665 para a última semana do prazo legal antes da sua caducidade.