Nunca na história deste Congresso...

Correio braziliense, n. 18997, 31/05/2015. Política, p. 2

    André Shalders

    Paulo de Tarso Lyra

“O PT só ganha quando temos pena”, disse no fim de abril o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os números mostram que ele tem razão. Levantamento do Correio aponta que, entre fevereiro e o fim de abril de 2015, a maioria dos parlamentares votou contra a orientação do líder do governo em 33 das 69 votações nominais do período. É o maior número de derrotas pelo menos desde o começo de 2007, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciava o segundo mandato. Entre fevereiro e abril daquele ano, com o petista Arlindo Chinaglia (SP) no comando da Câmara, o governo Lula se saiu vitorioso em 38 das 59 votações em que houve orientação da liderança do governo, e perdeu em apenas quatro ocasiões. A situação melhora quando se analisam as votações do mês de maio, depois da entrada de Michel Temer e da saída de Mercadante da articulação política do governo.

As dificuldades do governo na relação com a Câmara são conhecidas. A última grande derrota de Dilma na Casa presidida por Cunha ocorreu no começo de maio, quando o peemedebista deu um “cavalo de pau” na sessão e aprovou em 1º turno a chamada PEC da Bengala. Dilma perdeu naquele momento a possibilidade de nomear cinco novos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) até o fim de 2018, com o limite máximo de idade estendido para 75 anos. Mas é olhando para o conjunto das nominais — em que entram também decisões menos importantes, como requerimentos — que se tem a dimensão dos entraves enfrentados pelo líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

Com 69 votações nominais no período analisado, Guimarães fez prevalecer a vontade do Planalto em 19 delas. Em outras 17 situações, houve consenso: o líder do governo e o da oposição comandaram os deputados a votar da mesma forma. O fosso também aparece na comparação do momento atual com o começo do primeiro mandato de Dilma. Popularidade em alta, imagem de boa gestora e economia indo bem ajudam a explicar as vitórias do governo naquele momento. Em 29 votações nominais, o governo só perdeu quatro vezes, e ganhou em 23 situações. Só precisou cavar consensos em dois momentos. Votações nominais são aquelas em que os deputados têm de usar o sistema de votação eletrônico, instaladas nas mesas do plenário.

No fim de março, Dilma apeou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da cozinha política do governo, e transferiu parte de suas atribuições aos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Fazenda, Joaquim Levy, que ficou responsável por fazer passar o pacote do ajuste fiscal. No começo daquele mês, Dilma também oficializou o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, como responsável pela articulação.

“As votações recentes mostraram um processo de reagrupamento da base graças a um trabalho fantástico feito pelo vice-presidente Michel Temer. Os parlamentares perceberam que as medidas duras foram necessárias para a manutenção das nossas conquistas sociais”, disse ao Correio o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência, Edinho Silva. De 56 votações nominais ocorridas até a última quinta, a orientação do líder governista venceu em 38 momentos, e perdeu em apenas nove. Consensos foram construídos em oito ocasiões. A metodologia adotada pela reportagem exclui as nominais em que não houve orientação do governo.

Segundo assessores palacianos, o périplo de Levy no Congresso e as reuniões da base com Temer e com o ministro Eliseu Padilha (Secretaria de Aviação Civil) foram importantes para fazer com que as MPs do ajuste fiscal fossem votadas a tempo, o que acabou ocorrendo nessa semana. Mas não é só isso que explica o sucesso da operação. Passada a votação do ajuste fiscal, a tendência é que haja uma aceleração nas nomeações do segundo e terceiro escalões. Não existe previsão, contudo, de qualquer retaliação para os partidos que não entregaram todos os votos ao ajuste fiscal. “O importante foi termos aprovados as matérias. Conseguimos os votos necessários para isso”, resumiu um assessor palaciano.

A falta de apelo do governo no segundo mandato de Dilma também aparece na análise do comportamento individual dos deputados. Entre o início de fevereiro e o dia 20 de maio deste ano, só 98 deputados acompanharam o líder do governo em pelo menos 90% das vezes. No mesmo período de 2011, foram 188 deputados a manter essa taxa de fidelidade. Em 2015, o líder do governo foi seguido por 249 deputados em pelo menos 75% das vezes. Já no primeiro mandato, 431 deputados se mantiveram fiéis ao então líder do governo, o ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

“As votações recentes mostraram um processo de reagrupamento da base graças a um trabalho fantástico feito pelo vice-presidente”
Edinho Silva, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência