Título: Crise global afeta comércio
Autor: Branco, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 16/08/2011, Cidades, p. 31
A pouco mais de quatro meses do Natal, a insegurança que atinge os países é indêntica à dos empresários locais. Por cautela, a maioria pretende repor os estoques nos mesmos níveis de 2010 e em regime de consignação » O risco de recessão global, detonada pela ameaça de calote da dívida americana, não está tirando o sono apenas dos líderes mundiais. Na ponta das relações econômicas, comerciantes que sentiram os efeitos do estouro da bolha especulativa em 2008 temem as consequências que uma nova crise pode ter sobre o varejo. O Natal, próxima grande data comemorativa, é alvo das apreensões mais imediatas do setor. Os empresários do Distrito Federal estão colocando o pé no freio no que diz respeito à aquisição de estoques para o fim do ano.
A previsão das entidades representativas da categoria é de que muitos estabelecimentos recorrerão à compra consignada ¿ que dá a opção de devolução da mercadoria ao fornecedor ¿ para evitar o encalhe de produtos.
"A gente está com muita cautela em relação ao Natal", admite Geraldo Araújo, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do DF (CDL-DF). De acordo com ele, a maioria das lojas inicia as compras para o período de festas em setembro. Araújo diz que os lojistas programam devolver parte dos produtos caso o movimento desejável de consumidores não se concretize até novembro. Quanto à quantidade comprada, o presidente da CDL-DF diz que a deste ano não deve ser superior à de 2010.
Apesar do clima de cuidado, a expectativa é de elevação das vendas com relação ao ano passado, pelo menos em dezembro. "Deve ter um movimento de 5% a 6% maior. É claro que o resultado de 2010 com relação a 2009 foi muito melhor", diz Geraldo Araújo. Para ele, se a ameaça de retração for suficiente para obscurecer as festividades do brasiliense em um futuro próximo, isso será sentido somente em janeiro de 2012. "No fim do ano, há o 13°. Em janeiro, é que as dívidas começam a pesar", avalia.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do DF, Antônio Augusto de Morais, diz que há insegurança entre os comerciantes acerca dos efeitos da crise, mas frisa que o setor está em compasso de espera. "Ainda não se tem um posicionamento certo do que poderá acontecer", comenta. Morais confirma, entretanto, que a tendência tem sido não aumentar exageradamente os estoques. "É claro que ninguém vai comprar em excesso. Mas acredito que os pedidos já feitos devem ser mantidos."
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio-DF) adotou uma atitude defensiva: quer contratar especialistas e organizar palestras sobre os possíveis efeitos da conjuntura global na economia de Brasília e região. "A gente está vivendo um momento de tensão. Sabemos que essa crise vai chegar a todos, não apenas a quem tem ações em bolsas. A ideia é trazer um economista para traçar perspectivas e cenários, e alguém que entenda de varejo para definir, traçar, discutir estratégias", esclarece Adelmir Santana, presidente da entidade.
Produtos importados Nigima Kele dos Santos Rodrigues, gerente de uma das lojas de uma grande rede que comercializa artigos e roupas esportivos, sabe, por experiência, que o que acontece com a economia global afeta o dia a dia dela e de seus colegas de trabalho.
"Como muitos dos nossos produtos são importados, acabamos sendo prejudicados pela queda do dólar.
O governo aumentou os juros sobre a importação para proteger os artigos nacionais. Com isso, um tênis que antes custava R$ 499, agora está R$ 100 mais caro. As pessoas preferem viajar e comprar no exterior", diz a gerente.
De acordo com Nigima, o volume do estoque encomendado pela loja para o fim deste ano não pode ser alterado, porque o pedido é feito com antecedência. A estratégia, caso as vendas não atinjam o patamar desejado, é apelar para as promoções em janeiro. "De um jeito ou de outro, vamos ter que desovar", afirma.
Proprietária de uma loja de roupas de pequeno porte, a empresária Hélia Avelar não encomenda peças para estocar: viaja periodicamente para adquirir produtos. "Como meu comércio é pequeno, não posso me sobrecarregar de mercadorias", diz. A empresária, que abriu o negócio há pouco mais de um ano, espera um bom Natal, mas confessa estar apreensiva com a crise. "Acompanho os noticiários, mas não sei dizer como vai me afetar. Claro que estou contando com um bom desempenho no fim do ano", declara.
Na avaliação do economista Carlos Alberto Ramos, professor da Universidade de Brasília (UnB), dificilmente o Brasil e o DF serão chamuscados pela turbulência mundial já nos próximos meses. "O PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas de um país) deve desacelerar, mas continuará a crescer. Não dá para ter muitas mudanças daqui até dezembro. No máximo, a confiança do consumidor vai cair um pouco e as pessoas serão mais prudentes", analisa.
Desvalorização A queda do dólar frente ao real é um dos focos das atenções da equipe econômica do governo. Ministério da Fazenda e Banco Central têm se desdobrado para evitar danos ao setor exportador. Entre as medidas adotadas desde o fim do ano passado, estão o aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimento estrangeiro e elevação da capacidade do governo para enxugar o excesso de moeda norte-americana no país, com o Tesouro ganhando permissão para comprar mais dólares do mercado.
Fique atento
Confira dicas para ir às compras e não se endividar em excesso
» Defina um limite máximo de gasto
» Antes de sair, programe o que vai comprar no dia. Dessa forma, você pode se concentrar em pesquisar os preços dos itens selecionados
» Não deixe que a correria faça com que você se descuide das condições de pagamento. Não se precipite antes de ver as taxas de juros e o saldo da sua conta
» Evite as compras com prazos muito longos, pois os juros tendem a elevar o preço final e você pode ser pego por um imprevisto no meio do caminho
» Evite entrar no limite do cheque especial, que tem juros muito altos
» Caso as compras sejam pagas à vista, insista em ganhar desconto
» Passe longe dos gastos desnecessários e das compras por impulso
Entenda o caso O Tesouro dos Estados Unidos emite títulos da dívida para financiar as atividades governamentais, prática adotada também por outros países. Eles são pagos com juros e são considerados os mais seguros do mundo, motivo pelo qual atraem investidores. Atualmente, Brasil, China, Japão, Grã-Bretanha e outros países são credores dos norte-americanos. A China é o maior deles. A ameaça de calote por parte dos EUA deve-se ao fato de o teto da dívida pública ¿ US$ 145,3 trilhões ¿ ter sido atingido. O problema foi contornado com a elevação do teto para US$ 16 trilhões, aprovado pelo Congresso americano. Se o calote ocorrer, a previsão é de uma crise de confiança sem precedentes entre investidores de todo o mundo, e de uma recessão global.