Delação premiada à vista

 

Peça-chave nas investigações da PF, o conselheiro do Carf Paulo Roberto Cortez admite falar

A Operação Zelotes, que investiga a venda de sentenças no conselho que julga multas da Receita, poderá ter a delação premiada do conselheiro Paulo Roberto Cortez, considerado peça-chave do esquema. À Polícia Federal, Cortez foi o primeiro investigado a manifestar o interesse em acordo para redução de pena, informam GABRIELA VALENTE e JAILTON DE CARVALHO. O conselheiro confirmou que o esquema de propinas envolvia o uso de laranjas e empresas de fachada. A PF chegou a pedir a prisão preventiva de Cortez, negada pelo juiz encarregado do caso. 

-BRASÍLIA- Considerado peça-chave nas investigações da Operação Zelotes pela proximidade com os cabeças do esquema de venda de sentenças do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda, o conselheiro Paulo Roberto Cortez foi o primeiro investigado a manifestar interesse em um acordo de delação premiada. A oferta foi feita por agentes da Polícia Federal (PF) durante depoimento, ao qual o GLOBO teve acesso. Aos agentes, Cortez confirmou o uso de empresas de fachada e laranjas e manifestou interesse em um acordo para redução de pena. 

Cortez depôs na Superintendência da PF em Brasília justamente no dia em que os primeiros mandados de busca e apreensão da Zelotes foram cumpridos. Segundo o texto do depoimento, ele se declarou disposto a fechar um acordo de delação premiada após ter sido questionado sobre sua participação na organização criminosa, na qual praticou “pelo menos” lavagem de dinheiro, advocacia administrativa fazendária, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e associação criminosa.

Após listar os crimes cometidos, os agentes perguntaram ao conselheiro: “Dito isto, perguntamos se o senhor estaria disposto a realizar colaboração premiada cujos benefícios podem chegar a redução de pena, transformar pena de prisão em restritivas de direitos ou até mesmo o perdão judicial; ele respondeu que tem interesse na colaboração premiada”, afirma um trecho do depoimento.

A PF tinha receio de que Cortez fugisse para o Uruguai durante as investigações e, por isso, chegou a pedir a sua prisão preventiva. Mas esta foi negada pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal.

No pedido, o delegado argumentou: “Seja para a preservação da ordem pública, em razão da gravidade e contumácia dos delitos por ele praticados, convivência da instrução criminal, através da destruição de documentos importantes à investigação, assegurar a aplicação da lei penal, em razão possível implementação de fuga especialmente para Rivera, no Uruguai, e garantia da ordem econômica por cometer ilícitos contra a Fazenda Nacional.”

No relatório das investigações, a PF detalha a ligação de Cortez com o conselheiro e auditor aposentado da Receita Federal José Ricardo Silva, tido com um dos mentores do esquema. Segundo o texto assinado pelo delegado Marlon Cajado, Cortez tem uma empresa com a sócia de José Ricardo, Adriana Ribeiro, cuja finalidade seria “branquear” pagamentos de clientes pela prática de advocacia administrativa. Ou seja, para lavagem de dinheiro.

Graças à força política de José Ricardo, Cortez foi indicado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) para ser conselheiro do Carf. No depoimento, ele diz que não recebia propina para beneficiar os clientes nas votações. Contou, entretanto, que a CNC ainda encaminhou a indicação de Eivanice Silva (irmã de José Ricardo e filha de Eivany Antônio da Silva, ex-secretário adjunto da Receita) e também de Adriana Ribeiro.

BRIGA ENTRE CONSELHEIROS FOI PARA A JUSTIÇA

Segundo o relato, Cortez explicou que era ele quem escrevia os votos que José Ricardo apresentaria no Carf. Ele contou ainda que levou calote do chefe (José Ricardo) e chegou a entrar na Justiça Trabalhista e na Justiça comum para receber honorários nos processos em que atuou. Cortez confirmou aos policiais que as empresas usadas pelo grupo no esquema são de fachada, conforme antecipou O GLOBO no último domingo. Segundo ele, algumas eram “de fundo de quintal”.

Procurado, Cortez não respondeu. O advogado Getúlio Humberto Barbosa de Sá, que defende a família Silva e Adriana Ribeiro, não retornou. A CNC informou que acompanha os desdobramentos da Operação Zelotes. E afirmou que a escolha dos conselheiros é feita seguindo análise curricular e critérios exigidos pelo Carf. Em nota, a entidade explicou que indica os candidatos, em lista tríplice, “independentemente da bandeira de seu segmento econômico, porque a função do conselheiro goza do princípio da independência e imparcialidade para o julgamento dos processos, garantindo, assim, aos contribuintes que as exigências fiscais contra eles lançadas sejam examinadas criteriosamente por especialistas na matéria”. E reforçou que a escolha dos candidatos é de competência do Comitê de Seleção de Conselheiros, vinculado à Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda.