Sem bala, sem prova

Moradores do Complexo do Alemão que prestaram depoimentos na Divisão de Homicídios (DH) disseram que, logo após a morte de Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, na última quinta-feira, PMs recolheram cápsulas de balas que estavam junto ao corpo do menino. Oito policiais que faziam uma operação na área, incluindo um tenente, também foram ouvidos, nesta segunda-feira, por investigadores, que apuram se o grupo ocultou provas para atrapalhar a apuração do caso. Nesta terça-feira, a PM inicia a reocupação do conjunto de favelas para tentar acabar com uma escalada de violência que, na semana passada, deixou quatro mortos em apenas dois dias.

Algumas horas após a morte de Eduardo, especialistas da DH e do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) fizeram uma perícia e não encontraram cartuchos ou cápsulas. Nem mesmo o projétil que perfurou a cabeça do menino foi achado, o que dificulta a realização de um exame de balística. Para investigadores, isso reforça a versão de testemunhas sobre a suposta ocultação de provas por parte de PMs e também coloca em xeque o teor dos depoimentos dos policiais, que afirmaram ter havido uma intensa troca de tiros no local.

O menino, que brincava com um celular quando foi baleado, teve o crânio esfacelado. O impacto do disparo, provavelmente de um fuzil, fez com que massa encefálica de Eduardo fosse encontrada a quase dois metros de distância do corpo. Cinco armas usadas pelos policiais que estavam no local — fuzis e pistolas — foram recolhidas para um eventual exame balístico.

Sem projéteis para fazer uma comparação com as armas apreendidas, a DH planeja realizar esta semana uma reconstituição para tentar identificar de onde partiu o tiro que matou Eduardo. Os oito policiais investigados estão lotados no Batalhão de Choque, e todos negaram ter atingido o menino. Por meio de sua assessoria de imprensa, a PM informou que a equipe ficará afastada das ruas até o fim da apuração do caso.

REOCUPAÇÃO COMEÇA EM TRÊS COMUNIDADES

A PM dá início, nesta terça-feira, à reocupação do complexo focando três áreas consideradas críticas, nas quais confrontos com traficantes de drogas são mais frequentes: Nova Brasília, Morro do Alemão e Fazendinha. Segundo o comandante-geral da corporação, coronel Alberto Pinheiro Neto, cerca de 500 homens dos batalhões de Operações Especiais (Bope), de Choque e de Ações com Cães (BAC) ocuparão essas comunidades e não terão prazo para deixá-las. A missão do efetivo é, de acordo com o oficial, ‘‘colocar a casa em ordem’’ nas 15 favelas da região.

— Estamos entrando lá com as nossas forças especiais. Agora, o cenário no Complexo do Alemão é diferente daquele que víamos anos atrás, após a implantação do processo de pacificação, em 2010. Percebemos que vários fatores influíram nessa mudança. Um deles foi a readaptação do tráfico, pois o crime é dinâmico, muda de acordo com o momento político, econômico e social. O governador Luiz Fernando Pezão usou o termo ‘‘reocupação’’, e nossa ideia é reordenar o Complexo do Alemão — explicou Pinheiro Neto.

NOVO TREINAMENTO PARA POLICIAIS

O comandante-geral da PM anunciou também que os policiais das quatro UPPs do Complexo do Alemão passarão por novo treinamento, que tem como meta o aperfeiçoamento de técnicas de abordagem a suspeitos e de patrulhamento em vielas e becos, além de instruções de tiro. Nesta terça-feira, 60 policiais da UPP Nova Brasília voltam às aulas para receber os novos ensinamentos. A cada semana, um grupo fará o curso. Ao todo, são 320 PMs na UPP Fazendinha; 340 na Nova Brasília, 250 da Adeus/Baiana e 320 no Morro do Alemão.

— Temos de reduzir os riscos tanto para os policiais quanto para a população. Quando o policial adquire habilidade, garante a segurança de todos, trabalha com mais tranquilidade — disse o oficial.

Pinheiro Neto negou que as barricadas com tonéis de cimento e sacos de areia instaladas no Alemão sejam uma demonstração de enfraquecimento das UPPs da região. Segundo ele, o propósito é justamente mostrar aos policiais que a segurança deles não está sendo negligenciada. Ainda de acordo com o comandante-geral da PM, a Empresa de Obras Públicas (Emop) do estado vem projetando bases modulares para as UPPs feitas de concreto e aço à prova de tiros, em substituição aos contêineres que servem como bases improvisadas. As unidades do Complexo do Alemão serão as primeiras a receber as novas instalações.

— Nossa meta principal é buscar a reaproximação com os moradores do Complexo do Alemão. Lamentamos o que aconteceu com o menino Eduardo de Jesus. Foi uma tragédia. Estamos trabalhando para que fatos como esses não se repitam. Nós, assim como a população, queremos a paz — destacou Pinheiro Neto.

CORREGADORIA TAMBÉM APURA O CASO

Independentemente da investigação da DH, a Corregedoria Interna da PM instaurou um Inquérito Policial-Militar (IPM) para apurar a conduta dos policiais do Batalhão de Choque que faziam uma operação no Alemão no momento em que Eduardo foi morto. Se for confirmado que o tiro que atingiu a criança partiu de um PM, ele e seus colegas poderão ser expulsos da corporação.

Segundo a estratégia de reocupação do complexo, os cães do BAC terão um papel fundamental nas ações, procurando armas e drogas enquanto homens do Bope e do Batalhão de Choque farão uma varredura à procura de criminosos. Os policiais das UPPs que não estiverem em treinamento cuidarão dos acessos ao conjunto de favelas e realizarão revistas. O efetivo será redistribuído na região.

De acordo com um levantamento da PM, Nova Brasília, Alemão e Fazendinha são as comunidades onde mais morreram policiais. Uma das vítimas foi o capitão Uanderson Manoel da Silva, de 34 anos, que comandou a UPP Nova Brasília, em setembro do ano passado. Uma das últimas baixas da corporação foi o cabo Anderson Fernandes da Cruz, de 34 anos, que era lotado na UPP Fazendinha.