O globo, n. 29803, 13/03/2015. Economia, p. 26
 
Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel 
 
A confusão do dólar

Maxidesvalorização. O especialista em câmbio e sócio da Tendências Consultoria Nathan Blanche já usa essa palavra para definir o que aconteceu com o real. A moeda brasileira perdeu 31% do seu valor desde o primeiro turno das eleições, saindo de R$ 2,40 para R$ 3,16. A alta tem dois efeitos colaterais imediatos: mais pressão sobre a inflação e crescimento da dívida da Petrobras. E deixa um risco fiscal no colo do Banco Central.

Alta forte da moeda americana tem sempre um ganho possível a médio prazo, que é o aumento da competitividade das exportações, mas é desorganizador da economia no curto prazo. Qualquer empresa, não apenas a Petrobras, que tiver dívida em moeda estrangeira está vendo seu passivo subir.

O dólar está em alta no mundo inteiro, mas tem subido mais no Brasil. E isso apesar de o país ter US$ 370 bilhões de reservas e manter um programa de intervenções no mercado futuro que soma mais de US$ 100 bilhões. A explicação para essa alta mais forte está nos pontos frágeis da economia brasileira.

A Petrobras — que ainda não divulgou o balanço de 2014 — quando publicar o resultado do primeiro trimestre de 2015 terá de contabilizar um enorme aumento do seu endividamento. Pelas contas da analista Karina Freitas, da Concórdia Corretora, a pedido do blog, a dívida da estatal pode crescer R$ 70 bilhões com um câmbio no nível em que está. A empresa tem 70% de sua dívida em moeda americana. Outras empresas têm o mesmo problema porque se endividaram externamente quando o dólar estava barato.

O que acontece com o dólar é um fenômeno mundial, mas em alguns países houve uma ação deliberada para que acontecesse. Esta semana, o euro atingiu o valor mais baixo dos últimos 12 anos sobre a moeda americana. Parte disso é reflexo do programa de estímulos do Banco Central Europeu, que combate o risco da deflação. O iene japonês caiu muito pelo mesmo motivo.

A antiga equipe econômica tomou várias medidas, quando o dólar estava barato, para formar a alta, mas elas acabaram provocando instabilidade. Desde 2009, foram pelo menos 22 ações, desde aumento de IOF para a entrada de capital, até a revogação do imposto, tempos depois, a mudanças de prazos para a sua incidência, aumento de compulsório, e operações de swap reversos.

O dólar acompanhou o movimento do Credit Default Swap (CDS) brasileiro. O CDS é o custo cobrado para se fazer um seguro contra o risco de um determinado país. Quanto maiores forem as taxas, maior é o que os economistas chamam de “prêmio de risco”. Enquanto o CDS do Brasil subiu para 250 pontos, a média dos países que firmaram a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) está em 113 pontos. É um termômetro de que o mercado considera que o Brasil está mais vulnerável. A inflação por aqui passa de 7%, enquanto a média nesses países é de 3,5%. O déficit em conta-corrente aqui é de 4,2% do PIB. Neles, de 3,2%. Nosso PIB não está crescendo, mas as projeções apontam para uma alta de 3,4% nesses quatro países.

Com o argumento de que era preciso evitar a volatilidade cambial, o BC passou há dois anos a atuar fortemente no mercado futuro. O problema é que agora tem mais de US$ 100 bilhões em contratos firmados. O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisou que é preciso diminuir o tamanho desse programa, que traz um risco fiscal embutido. Quando o dólar sobe acima do preço firmado pelo BC, ele precisa pagar a diferença. A consultoria Tendência estimou que em fevereiro o BC pode ter perdido R$ 17 bilhões com a desvalorização do real.

— O Banco Central trocou o instrumento clássico de combate à inflação, que é a política monetária, por esse programa de swaps, que ganhou proporções muito grandes. Isso se transformou em um enorme risco fiscal para o país, porque se o BC fechasse hoje todos os contratos abertos, teria uma enorme perda — disse Nathan.

O momento de valorização do dólar estava marcado para acontecer. O Fed suspendeu aos poucos os programas de estímulo monetário, e agora a expectativa é de alta de juros se houver risco de formação de bolha. O país teve tempo de se preparar para esse momento, mas fez o oposto: aumentou seus déficits e não reduziu a inflação. É torcer para que apareça o lado bom do dólar alto: o aumento das exportações brasileiras.