Planalto vai associar corte a nova alta de impostos para garantir ajuste fiscal

João Villaverde

Rafael Moreas Moura

 

O governo pretende combinar os cortes em gastos previstos no Orçamento deste ano com uma nova rodada de aumento de impostos. O objetivo da medida, preparada pelo Ministério da Fazenda, é reforçar o ajuste fiscal e afastar o risco de rebaixamento da nota de crédito do Brasil. A presidente Dilma Rousseff começou ontem a discutir o tamanho do contingenciamento, que será definido após negociações com o Congresso e anunciado até o fim da semana. O corte deve ser da ordem de R$ 70 bilhões.

Os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), que compõem a junta orçamentária, levaram propostas distintas à conversa de quatro horas, no Palácio da Alvorada. Hoje, o tema será retomado na reunião de coordenação política do governo.

Levy apresentou uma estimativa de corte mais elevada, de R$ 78 bilhões, que compensaria as perdas promovidas pelos parlamentares no ajuste fiscal. As modificações feitas pela Câmara nas medidas provisórias que alteram benefícios trabalhistas e previdenciários incluíram desde restrições mais leves que as pretendidas no seguro-desemprego e na pensão por morte até a flexibilização do fator previdenciário, criado para poupar gastos do governo com aposentadorias.

Mercadante defende um contingenciamento grande, mas não superior a R$ 60 bilhões no total, de forma a não paralisar completamente a máquina federal. É uma posição mais parecida com a do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que passou os últimos dois meses se reunindo com ministros e secretários do governo para definir, com cada pasta e autarquia, os limites orçamentários.

Na Fazenda, a avaliação é que quanto menor for o corte, maior será a necessidade de "complementação" com aumento de impostos. Prevalecendo a visão de Levy sobre o corte, a decisão deve gerar atritos com o PT, cujos parlamentares defendem um ajuste menos amargo.

Entre os auxiliares de Dilma, a defesa de Levy por um bloqueio mais severo tem por objetivo não só acenar aos agentes financeiros, mas também proteger as contas públicas de eventuais alterações promovidas pelo Congresso no projeto de lei que revê a política de desoneração da folha de pagamento, outra medida fundamental para fechar as contas oficiais. O martelo sobre a amplitude do contingenciamento só deve ser batido após a votação desta proposta na Câmara, prevista para ocorrer às vésperas do anúncio dos cortes, nesta semana.

Na definição de um ministro, o ajuste e o contingenciamento são "inversamente proporcionais", por isso, o governo vai esperar ao máximo as votações do Congresso. A votação do projeto da desoneração é vista no Planalto como "Dia D" do ajuste fiscal - por mexer com interesses de diversos setores econômicos, é maior o risco de o texto ser desconfigurado.

Meta fiscal. O objetivo central do governo é cumprir a meta fiscal deste ano: 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para isso, a Fazenda avalia que, além de um corte profundo nos gastos federais, serão necessários aumentos adicionais de tributos.

Em janeiro, o governo já tinha elevado impostos sobre o crédito ao consumidor e combustíveis. A nova mordida viria na alíquota de tributos que podem ser alterados por decreto, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o PIS/Cofins. Com isso, não é preciso o crivo do Congresso.

A maior parte do contingenciamento será de despesas discricionárias, como investimentos públicos e inversões financeiras. Neste caso, serão reduzidas as previsões de gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida, entre outros projetos.

O esforço do governo é fazer com que a projeção atual do Orçamento, de R$ 291 bilhões em gastos discricionários, seja reduzida para um patamar próximo a R$ 225 bilhões, nível verificado em 2013.

O governo estima poupar R$ 14 bilhões com as restrições aplicadas em benefícios trabalhistas e previdenciários que estão em discussão no Senado. Antes das alterações feitas na Câmara, as medidas provisórias que apertavam esses benefícios produziriam uma economia de R$ 18 bilhões, segundo o governo.

 

TRÊS PROPOSTAS PARA O CONTINGENCIAMENTO__________

Mais leve - Responsável pela gestão do governo, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, defende um contingenciamento não superior a R$ 60 bilhões, para não paralisar por completo a administração

Meio-termo - Nelson Barbosa, do Planejamento, passou os últimos dois meses negociando os cortes de cada ministério e autarquia. Prega uma saída intermediária para o contingenciamento

Mais fundo - O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apresentou uma proposta de R$ 78 bilhões em cortes no governo, de modo a compensar as mudanças no pacote fiscal feitas pelo Congresso

 

Novo seguro-desemprego afetará segmento social que é base do PT

 

O trabalhador rural José Aparecido Silva, de 46 anos, recebeu seguro-desemprego pela primeira vez no início de 2014, após conseguir ficar pouco mais de seis meses com a carteira assinada, colhendo café em fazendas da região de Ribeirão Preto. "Ajudou muito", disse.

A ajuda pode não se repetir. Silva é um dos 1,6 milhão de trabalhadores que teriam o benefício recusado caso já estivessem em vigor as mudanças aprovadas no início deste mês pela base governista na Câmara. As novas regras do seguro-desemprego devem prejudicar principalmente trabalhadores de baixa renda e que ingressaram há pouco tempo no mercado formal de trabalho - um segmento social significativo na base de eleitores da presidente Dilma Rousseff e do PT.

 

Com as novas regras, que ainda precisam do aval do Senado, serão alteradas as exigências de tempo mínimo de trabalho para se ter direito ao seguro-desemprego.

Até o início deste ano, qualquer pessoa demitida sem justa causa após seis meses com carteira assinada poderia receber o benefício. Pela proposta em tramitação no Congresso, esse prazo subirá para 12 ou 9 meses para quem solicitar o seguro pela primeira ou pela segunda vez em sua vida profissional, respectivamente. A partir do terceiro pedido, a exigência do prazo mínimo de seis meses de trabalho fica mantida.

Restrições. Na prática, isso reduzirá o contingente de beneficiados. Dos 8,5 milhões de seguros pagos em 2014, quase 20% não se enquadrariam nas novas exigências e teriam sido recusados se elas estivessem valendo na época, segundo estimativa feita pela área técnica do Ministério do Trabalho.

Nesses 20% haveria alta concentração de pessoas com baixa remuneração. Cálculos do Estadão Dados com base em relatórios do ministério mostram que, quanto menor a renda, maior a chance de o trabalhador ser demitido antes de um ano de trabalho.

Dentre todos os demitidos em 2014 que recebiam até dois salários mínimos, 23% tinham entre seis e doze meses de trabalho. Essa parcela cai para 12% no grupo com renda superior a dez salários mínimos.

Silva, que voltou a obter emprego no setor cafeeiro, teme não conseguir sacar o seguro desemprego quando for demitido. Atualmente, ele tem dois meses de carteira assinada. O emprego só existirá, porém, enquanto houver café a ser colhido. Para ter direito a uma segunda solicitação do benefício, o número mínimo de meses trabalhados será de nove, segundo as regras aprovadas pela Câmara. Silva acha difícil atender à nova exigência. "Não depende da gente", afirmou. "Quando acaba a colheita, também não costuma ter mais serviço."

As mudanças no seguro desemprego, que fazem parte das medidas de ajuste fiscal do governo, devem ser votadas pelo Senado nesta semana.

 

Governo estuda alternativas para adiar aposentadorias

 

O governo Dilma Rousseff estuda uma alternativa à proposta aprovada pela Câmara para, ao mesmo tempo, acabar com o fator previdenciário e retardar a idade de aposentadoria dos brasileiros, reduzindo assim os gastos públicos. Na quarta-feira, os deputados incluíram em uma medida provisória a criação da fórmula 85/95, que soma a idade com o tempo de contribuição (resultando em 85 anos para mulheres e 95 anos para homens). Técnicos do governo querem apresentar às centrais sindicais fórmulas um pouco mais apertadas, como 88/98 ou 90/100.

Com o mecanismo criado pelos congressistas, o 85/95, uma mulher que tenha 52 anos de idade e começou a trabalhar aos 18 anos já poderá se aposentar e receber um benefício integral do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Isso porque a soma de sua idade, 52, com o tempo de contribuição, de 33 anos, atinge 85 anos. Caso prevaleça uma das alternativas que o governo Dilma deve propor, a fórmula 90/100, essa mesma mulher terá que trabalhar até os 57 anos, no mínimo.

Especialistas em previdência consultados por técnicos do governo, no entanto, avaliam que a melhor fórmula para a sustentabilidade do regime brasileiro seria 95/105. Esse mecanismo já levaria em conta a atual expectativa de vida no País e, também, a capacidade do setor público de gerar recursos no futuro para pagar todos os aposentados e pensionistas. Mas o próprio governo avalia ser delicado, neste momento, sugerir uma fórmula mais apertada que 90/100.

A ideia do governo é iniciar uma negociação sobre a melhor alternativa ao fim do fator previdenciário com sindicalistas e empresários no recém-criado Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho, Renda e Previdência. Criado em 1999, o fator reduz o valor do benefício pago pelo INSS caso um contribuinte se aposente antes de completar 60 anos, para mulheres, ou 65 anos, para homens. O governo estuda vetar a emenda parlamentar que trocou o fator previdenciário pela fórmula 85/95 e levar a discussão para o fórum.