O globo, n. 29803, 13/03/2015. Opinião, p. 23

Reequilíbrio fiscal

Sem controlar crescimento do gasto público, é impossível deixar de aumentar, e muito menos reduzir, a carga tributária

POR GABRIEL LEAL DE BARROS
13/03/2015 0:00
 

O resultado entre receitas e despesas não financeiras do setor público foi negativo em R$ 32,5 bilhões, ou 0,6% do PIB, no ano passado, o pior desde 1998, quando o país iniciou a fase de disciplina, responsabilidade e equilíbrio de suas contas. Esse terrível resultado é acompanhado por outros ainda piores, como o elevado estoque de dívida bruta, que encerrou o ano em 63,4% do PIB, ou R$ 3,25 trilhões, e o déficit nominal de 6,7% do PIB ou R$ 343,9 bilhões. Os anacrônicos resultados remetem-nos há 15 anos, para outro Brasil, no qual certamente havia menor complexidade social.

Compreender o contexto político e socioeconômico do período de início da consolidação fiscal vis-à-vis o de hoje parece ser fundamental para entender por que o atual desafio de reconduzir as contas públicas ao equilíbrio é o maior desde o Plano Real, em 1994. Além do custo político que a maior complexidade social impõe aos necessários ajustes de política econômica, o atual ponto de partida para conduzir a correção fiscal é sensivelmente pior. Esse diagnóstico é ancorado basicamente em duas constatações: o resultado de 2014 (de -0,6%) é bastante pior que o de 1998, de 0%; e o resultado recorrente do Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central), isto é, livre de receitas temporárias e ou extraordinárias, é três vezes pior (de -1,3% do PIB) que o apurado em 1998, de -0,44% do PIB.

Não obstante, o atual espaço para elevação de carga tributária como forma de viabilizar o ajustamento das contas fiscais parece bastante limitado. Após sair de 25,2% em 1991 e passar por 30,3% no ano 2000, a cunha fiscal atingiu 35,9% do PIB em 2013, mesmo com o avanço da ampla política de desonerações tributárias. Ou seja, apesar da elevação em 10,7 pontos percentuais de carga tributária entre 1991 e 2013, a dificuldade em manter a sustentabilidade das contas públicas ainda é um dilema no país, principalmente em função das elevadas taxas de crescimento do gasto público, que precisam de um fiador.

Dito de outra forma, sem controlar o crescimento do gasto público é impossível deixar de aumentar, e muito menos reduzir, a carga tributária no país. Nesse sentido, uma série de reformas trabalhistas e previdenciárias — como as anunciadas pela nova equipe econômica — é fundamental, além do aprimoramento das avaliações de custo-benefício das políticas públicas. Para tanto, a temporalidade na adoção de programas públicos, com data de início e término, tem de ser recorrente e não mera eventualidade, da mesma forma que é preciso combater a inclusão dissipativa e ineficiente de políticas, prática ofensiva ao uso inteligente dos escassos recursos públicos.

Diante de tantas restrições e inconvenientes, o desafio de, gradualmente, reequilibrar as contas públicas é apenas o começo do longo trajeto para resgatar a confiança na política econômica, o que inclui ainda temas transversais como o de produtividade e crescimento, ambiente institucional e regulatório, tributação e reforma política. Torçamos para que o primeiro desafio seja vencido, e mais, que seja agregador.

 
Gabriel Leal de Barros é pesquisador e economista da FGV/Ibre