Afinados na reaproximação
Com discurso alinhado sobre futuro da relação, Raúl e Obama têm encontro histórico no Panamá
Os presidentes de Cuba, Raúl Castro, e dos EUA, Barack Obama, fizeram história ontem ao se comprometerem, na VII Cúpula das Américas, com o pleno restabelecimento das relações bilaterais e o diálogo político construtivo, no que foi classificado por ambos de marco de uma nova era para a região. Foi uma aplaudida e reverenciada reestreia na comunidade interamericana dos cubanos, a quem os EUA prometeram parceria baseada em interesses e respeito mútuos. Os discursos à plenária do evento, em sequência, antecederam a primeira reunião entre líderes dos dois países desde antes da revolução de 1959.
Obama e Raúl demonstraram afinação sobre o futuro da integração regional e das negociações. Nem mesmo a principal demanda de Raúl nas negociações, a retirada de Cuba da lista americana de Estados que apoiam o terrorismo, virou contencioso entre ambos. Obama não anunciou a remoção, essencial à reintegração financeira da ilha, como era a expectativa. Mas o americano revelou a Raúl que tornará pública sua decisão “nos próximos dias”. O presidente cubano relevou, afirmando à plenária que era “um passo positivo” a Casa Branca estar empenhada numa rápida revisão, já que Cuba “nunca deveria ter entrado na lista”.
Obama discursou primeiro, por 18 minutos, afirmando que as conversas entre Cuba e EUA estão progredindo e que as medidas americanas, como relaxamento de viagens e aumento do valor de remessas, representarão mais recursos e investimentos para o povo cubano. Segundo ele, o passo em relação a Cuba inicia “uma nova era” na região.
— Os EUA não ficarão aprisionados pelo passado. Estamos olhando para o futuro e para as políticas que vão melhorar as vidas do povo cubano e avançar os interesses de cooperação no hemisfério. Nunca antes as relações com a América Latina foram tão boas. A mudança na política dos EUA representa um divisor de águas para toda a nossa região — afirmou Obama, muito aplaudido.
Raúl, que falou em seguida, também exaltou a retomada dos contatos.
— Reiteramos ao presidente Obama nossa disposição ao diálogo respeitoso e à convivência civilizada entre ambos os Estados, dentro de nossas profundas diferenças — afirmou o líder cubano.
Como Obama, que renegou a ideologia como base para as relações hemisféricas, Raúl fez um chamado à integração e à cooperação nas Américas, visando à educação, à saúde, ao combate às Mudanças Climáticas, ao narcotráfico e ao terrorismo, “sem divisões políticas”:
— Todos que estamos aqui temos agora a oportunidade de aprendermos, de praticar a tolerância e conviver em paz como bons vizinhos. Existem discrepâncias substanciais, mas também muitos pontos comuns nos quais podemos cooperar.
PENDÊNCIAS PARA REABRIR EMBAIXADAS
A concertação entre ambos teria sido perfeita não fosse a necessidade dos dois países de reafirmarem valores inegociáveis em suas agendas. Do lado americano, Obama disse que os EUA manterão a advocacia pela democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos. Raúl, por sua vez, defendeu o regime castrista, de olho no público doméstico e nos aliados bolivarianos. Fez críticas às “agressões históricas” dos EUA, mas olhando pelo retrovisor: por mais de 20 minutos, repassou a luta do povo cubano contra a ingerência americana e pela soberania e independência e teceu loas à revolução, citando episódios como a invasão da Baía dos Porcos e a abertura da prisão de Guantánamo, “que usurpa parte do nosso território”. Porém, poupou Obama.
— Peço desculpas porque o presidente Obama não tem nenhuma responsabilidade em nada disso. Todos têm dívidas conosco, menos Obama — disse Raúl.
ESTREIA TARDIA
Após a foto dos líderes regionais, no início da tarde, Obama e Raúl se reuniram a portas fechadas por cerca de uma hora. O tom foi cordial e afinado e, para as câmeras, repetiram o aperto de mãos da véspera. Eles repassaram as negociações para abertura de embaixadas em Havana e Washington e determinaram que suas equipes resolvam as pendências o mais rapidamente possível.
— Espero que nossos assistentes mais próximos sigam as instruções de ambos os presidentes — brincou Raúl, arrancando risos de Obama.
Segundo um autoridade americana, os temas foram discutidos com franqueza, mas sem tensão. Obama afirmou que os EUA querem que seus diplomatas possam movimentar-se livremente por Cuba, ao que Havana tem objeções. Raúl, por sua vez, pediu pressa para que seja restaurado o acesso bancário da seção de interesses cubana em Washington.
O presidente americano voltou a destacar as muitas diferenças entre os países, mas que ambos podem “discordar com o espírito de respeito” e “caminhar em direção ao futuro”. Raúl disse concordar com o que Obama havia dito.
— Estamos dispostos a conversar sobre tudo, mas precisamos ser pacientes, muito pacientes — afirmou. — É possível que a gente discorde em algo hoje sobre o qual concordaremos amanhã.