O globo, n. 29827, 06/04/2015. Opinião, p. 12

TEMA EM DISCUSSÃO: Aprovação da redução da maioridade penal em comissão da Câmara dos Deputados
 

Destravar o debate

POR NOSSA OPINIÃO

O Unicef estima que 1% dos homicídios no Brasil é cometido por adolescentes entre 16 e 17 anos. O percentual é semelhante ao registrado em 2014 pela Senasp — Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (entre as diversas modalidades de crimes, 0,9% tem o envolvimento de jovens). São índices que preocupam, porque tem sido crescente a participação de menores de 18 anos em ações criminosas no Brasil.

No Rio, o número de adolescentes infratores apreendidos subiu quase 50%, de acordo com levantamento do ano passado do Instituto de Segurança Pública (ISP). Só em janeiro deste ano, o incremento de apreensões foi de 39%. Em São Paulo, o total de menores apreendidos triplicou entre 2002 e 2012. Em todo o país, 28 mil menores cumprem medidas socio-educativas, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça.

Os indicadores evidenciam que a política brasileira para enfrentar a crescente criminalidade juvenil é um fracasso, tanto do ponto de vista judicial quanto dos programas de reinserção social. Se há, de fato, uma leniência, que precisa ser combatida, do poder público com os aspectos correcionais dos programas de recuperação de jovens infratores, por outro há uma permissividade na legislação que realimenta a cadeia de infrações criminais na faixa etária abaixo dos 18 anos.

Não se discute que crianças e adolescentes precisam de anteparo institucional. No terreno dos direitos, eles estão bem amparados pela lei orgânica que os salvaguarda — o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, ao mesmo tempo, o ECA é pusilânime com as obrigações que deles se deve cobrar. Ao abrigo dessa lei, jovens criminosos, em seu pleno juízo, se prevalecem da idade para cometer atos violentos, roubar e, não raro, matar, pois sabem que são inalcançáveis pelo braço da Justiça. No máximo, são punidos com sanções leves e curtas, que não educam, não regeneram e logo os deixam livres para voltar ao crime.

Este é um ângulo pelo qual se revela positiva a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, da proposta de emenda constitucional que permite reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Outro, é que a CCJ põe em outro patamar o debate sobre essa questão, até aqui entravada por forças políticas que, de forma sectária, sequer admitem discutir o óbvio: a necessidade de adequar a legislação do país aos novos tempos.

O projeto determina a redução do limite da inimputabilidade penal de 18 para 16 anos. Há, no Congresso, outras propostas, como a do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que delega ao juiz o poder de decidir pela admissibilidade da imputação a partir dos 16 anos, à luz de cada caso, uma contribuição que aperfeiçoa o texto aprovado na CCJ. De consensual é que o país precisa enfrentar sem hipocrisia a premência de salvaguardar a sociedade, como um todo, da violência criminal. Jovens com plena capacidade de discernimento são atraídos pelo crime, e devem responder perante a Justiça por seus atos.

 

Não desistir dos jovens

TEMA EM DISCUSSÃO: Aprovação da redução da maioridade penal em comissão da Câmara dos Deputados

POR OUTRA OPINIÃO / MAÍRA FERNANDES
06/04/2015 0:00

O tema da redução da maioridade penal volta à ordem do dia. Lamentavelmente, como em outras oportunidades, o debate apela para a sensação de insegurança da população, ignorando as experiências internacionais e até mesmo o fato de que já responsabilizamos adolescentes por atos infracionais a partir de 12 anos de idade.

A estrela da vez é a PEC 171/93, do deputado federal Benedito Domingos (PP/DF), que visa a alterar o artigo 228 da Constituição e reduzir a maioridade penal para 16 anos, proposta que viola direitos fundamentais, cláusulas pétreas do nosso sistema de leis.

O Brasil não está sozinho na proteção à criança e ao adolescente. Segundo a Unicef, 79% de 53 países pesquisados adotam a maioridade penal aos 18 ou 21 anos e um percentual expressivo (47%) estabelece a responsabilização não criminal entre 13 e 14 anos.

Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente permite a aplicação de medidas socioeducativas a partir dos 12 anos, que variam entre a advertência, a semiliberdade, a liberdade assistida, até a internação em estabelecimento educacional privativo de liberdade. Tais medidas, se bem executadas, seriam suficientes para orientar os jovens e evitar a reincidência, sem a necessidade de atirar milhares de adolescentes nas masmorras do nosso sistema prisional.

Por isso, qualquer debate sério a respeito do tema deveria ser iniciado por um diagnóstico das atuais condições de cumprimento das medidas previstas em lei. É preciso cobrar estrutura estatal, profissionais para acompanhar tais medidas e o funcionamento de instituições que priorizem o atendimento psicológico e a realização de atividades pedagógicas.

Fala-se do aumento de atos infracionais graves praticados por adolescentes. Puro mito. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, entre 2002 a 2011, o homicídio caiu de 14,9% para 8,4% entre os crimes praticados por jovens que cumprem medida socioeducativa; o latrocínio, de 5,5% para 1,9%; o estupro, de 3,3% para 1,0%, e a lesão corporal, de 2,2% para 1,3%. Os crimes mais praticados por adolescentes são os patrimoniais (roubo e furto) e o tráfico de drogas, que exerce grande poder sobre jovens carentes de uma rede de proteção adequada.

Há no Brasil 571 mil crianças de 7 a 14 anos fora da escola (segundo dados do Ipea) e somos o 2º país em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria: mais de 33 mil jovens, de 12 a 18 anos, foram assassinados entre 2006 e 2012 no país, segundo a Unicef.

É preciso romper esse ciclo de violência. Condená-los ao sistema carcerário, com presos de todas as idades, ignorando as peculiaridades de uma pessoa em formação, apenas antecipará vícios e dramas da vida adulta, levando-os a delinquir por mais tempo. Não há qualquer razão para se desistir de quem tem tantos anos para virar a página e recomeçar.

Maíra Fernandes é presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro