Um socorro da China

RAMONA ORDOÑEZ, BRUNO ROSA E RENNAN SETTI

Sem acesso a mercado, Petrobras obtém US$ 3,5 bi de banco estatal chinês. Ações sobem 5%

Endividada e desacreditada pelo mercado após o escândalo de corrupção denunciado pela Operação Lava-Jato, a Petrobras anunciou a obtenção de um financiamento no valor de US$ 3,5 bilhões do Banco de Desenvolvimento da China (CDB, China Development Bank, o maior banco de fomento do mundo). A operação foi concluída ontem, um dia após a companhia ter anunciado a venda de ativos na área de exploração e produção na Argentina por US$ 101 milhões. 

A notícia ajudou a impulsionar as ações da empresa: o papel ordinário (ON, com direito a voto) subiu 5,22% e fechou pela primeira vez no ano acima dos R$ 10. Já as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) tiveram alta de 4,93%, a R$ 10,21. A Petrobras não deu mais detalhes da operação, mas diversos analistas do mercado avaliam que a contrapartida será com o fornecimento futuro de petróleo para a China.

Segundo um analista que prefere não ser identificado, o fato de o financiamento ter sido assinado pela Petrobras Global Trading (PGT), uma subsidiária da estatal no exterior, indica que deve ter sido negociado o fornecimento de petróleo.

— Não tenho dúvida de que a China pode estar considerando esse momento de fragilidade como uma oportunidade para melhorar o relacionamento deles com a Petrobras e o país e garantir o recebimento do petróleo no futuro — disse um analista.

Em comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Petrobras explicou que o contrato assinado na China é o primeiro de um acordo de cooperação que será implementado ao longo de 2015 e 2016. O contrato foi assinado durante visita do diretor financeiro, Ivan Monteiro, ao país. Segundo a Petrobras, “as duas partes confirmaram a intenção de desenvolver novas cooperações no futuro”.

Além do empréstimo chinês, analistas atribuíram a alta dos papéis da estatal à declaração da presidente Dilma Rousseff à Bloomberg, assegurando que o balanço financeiro da petroleira relativo ao terceiro trimestre será divulgado até o fim de abril.

‘NÃO RESOLVE O PROBLEMA, MAS É UM COLÍRIO’

Segundo Pedro Galdi, da consultoria Independent Research, o contrato com a China não resolve os problemas da Petrobras, mas foi a oportunidade encontrada para melhorar seu caixa.

— Não resolve o problema, mas é um colírio. Ajuda porque ela precisa captar recursos para alongar a dívida. Por outro lado, é uma estratégia da China para garantir a antecipação do fornecimento futuro de petróleo — disse Galdi.

Apesar de importante, o empréstimo da China é menor do que a necessidade anual de captação da estatal. De acordo com o antigo plano de negócios 2014-2018, a Petrobras previa captar US$ 12 bilhões por ano. Na gestão de Maria das Graças Foster, a empresa chegou a anunciar que não acessaria o mercado externo este ano, uma posição que foi revista após a chegada de Aldemir Bendine à estatal.

No ano passado, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados (Anbima), a Petrobras captou no exterior US$ 13,6 bilhões no ano passado e foi a empresa que mais acionou o mercado externo (ela obteve 40% dos recursos levantados por empresas brasileiras no exterior).

De acordo com uma fonte na Petrobras, o financiamento concedido em 2009 pelo CDB envolveu duas operações. Além do financiamento de US$ 10 bilhões, a Petrobras selou um acordo comercial com os chineses para vender a preço de mercado 200 mil barris de petróleo por dia por dez anos. No ano passado, a Petrobras exportou 103 mil barris por dia para a China.

— Não era uma troca de petróleo. Os chineses só queriam uma segurança para ter acesso ao produto. E a venda desse petróleo, cujo acordo foi assinado em 2009, ainda está em vigor. Esse empréstimo não estava previsto e apenas alivia a situação da Petrobras, mas não melhora — disse a fonte da estatal.

Leonardo Paz Neves, professor do Ibmec/RJ e coordenador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que o financiamento concedido pelos chineses ajuda a explicar a atual política externa do gigante asiático de socorrer parceiros do Brics (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em momentos de dificuldades. Ele cita o caso da Rússia, que, após sofrer sanções comerciais da Europa e dos EUA, selou acordo para fornecer petróleo por 30 anos aos chineses.

—E o Brasil passa por um momento de dificuldade agora com a Petrobras, já que a companhia não tem acesso ao mercado internacional. Com isso, a China consegue apoio político e vantagens comerciais. Em 2009, quando fez um empréstimo para a Petrobras, selou acordo comercial de petróleo. Operações semelhantes foram feitas com a venezuelana PDVSA. Os chineses gostam de previsibilidade — afirmou Neves.

Neves, no entanto, avalia que o financiamento de US$ 3,5 bilhões é pouco para o atual momento da companhia, uma das mais endividadas do mundo, com um endividamento líquido de R$ 261,4 bilhões ao fim do terceiro trimestre. A companhia, que teve de reduzir seus investimentos em razão de problemas de caixa, pretende vender US$ 13,7 bilhões em ativos das mais variadas áreas até 2016.

— A minha avaliação é que esse financiamento é apenas o primeiro passo — destacou ele.

GIGANTE CHINÊS TEM CARTEIRA DE US$ 1,16 TRI

Criado em 1994, o CDB é o maior banco de fomento do mundo. Em 2013, tinha US$ 1,33 trilhão em ativos, segundo seu último balanço anual publicado, alta de 8,8% em relação ao ano anterior. O montante é equivalente a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil daquele ano. O CDB tem 8,4 mil funcionários, acima dos 3 mil do BNDES, o banco de desenvolvimento brasileiro. A carteira de crédito do CDB é a maior do mundo: US$ 1,16 trilhão.

Segundo estudo dos economistas Albert Keidel e Leonardo Burlamaqui, o foco do CDB é a América Latina desde a crise global. Se, em 2008, os financiamentos para a região eram insignificantes, em 2010 eles já ultrapassavam os do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Exim-Bank americano combinados.

Além de Brasil, receberam empréstimo a Venezuela (principal destino) e o Equador, que recebeu US$ 1 bilhão em 2010, após o calote de 2008. Esse tipo de financiamento combina acordos de venda de petróleo entre bancos estatais e petrolíferas locais. O banco costuma abrir escritório em países de interesse, e mantém um no Rio desde 2010.

— Nos empréstimos do CDB, é comum que um produto primário seja usado como garantia. A China tem interesse por ser grande consumidora de petróleo. Apesar dos problemas atuais, emprestar para a Petrobras no longo prazo não tem erro. E a companhia precisa muito reforçar seu caixa — disse Luiz Carlos Prado, economista da UFRJ.
 

Cúpula da estatal prepara mudanças anticorrupção

Todas as operações precisarão ser aprovadas por mais de uma diretoria da empresa

POR GABRIELA VALENTE
 

O novo comando da Petrobras prepara um pacote com mudanças internas para blindar a empresa da corrupção. O plano prevê a alteração da estrutura da estatal, com mudanças no conselho, nas diretorias e em processos internos. Um dos projetos é instituir um mecanismo novo de controle em que uma diretoria não poderá ser a única responsável por uma operação. Essa é uma das propostas para melhorar o chamado compliance da instituição, ou seja, o conjunto de regras que ela deve seguir.

Segundo fontes, a ideia é levar para a estatal vários mecanismos de controle usados no sistema bancário. O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, comandou até o início deste ano o Banco do Brasil. O novo diretor financeiro da estatal, Ivan Monteiro, que era vice-presidente do BB na gestão de Bendine, está revisando os procedimentos internos para reestruturar a companhia. Uma das propostas é aumentar o uso do chamado chinese wall: separar a contabilidade de investimentos.

— Há muita falta de controle. É muito diferente do setor bancário, que tem um monte de travas e regulações. E com o regime diferenciado de contratação da Petrobras, tudo isso ficou pior — contou uma fonte ligada à cúpula da instituição.

A reestruturação da empresa é considerada prioridade. Uma equipe faz o mapeamento de processos, e, em três meses, deve ser apresentado um plano para revisar procedimentos e metodologias internas. A partir daí, os diretores definirão mudanças em conselho e diretorias. O objetivo do pacote é mostrar que é possível reestruturar a empresa sem ter de abrir mão de mais ativos, só daqueles já anunciados.

A avaliação é que basta adiar alguns investimentos para reorganizar as contas. Com esse desafio pela frente, diz a fonte, a menor das preocupações é com a multa por não publicar o balanço auditado com o valor das perdas decorrentes da corrupção no prazo certo. Nos corredores da empresa, Bendine ganhou um apelido: Vendine. Mas, segundo interlocutores dele, não há perspectiva de vender nenhum ativo além dos já planejados para este ano.

 

Projeto propõe que Petrobras deixe de ser operadora exclusiva do pré-sal

Texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado

POR DANILO FARIELLO / ELIANE OLIVEIRA

Projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), propõe retirar da Petrobras a exigência de que a estatal seja operadora exclusiva dos campos de petróleo no pré-sal, como forma de fortalecer a empresa no cenário atual de crise. De acordo com o senador, a Petrobras não tem condições de, atualmente, atender à exigência de participação mínima de 30% nos grupos de exploração e produção do pré-sal.

Para Serra, o fim da obrigatoriedade de participação da Petrobras no pré-sal seria positivo para a empresa, porque ajudaria a preservar sua saúde financeira, melhoraria as expectativas do mercado com relação à petroleira e também poderia aumentar a celeridade na exploração da camada de petróleo no pré-sal, com empresas mais robustas financeiramente.

— O projeto elimina a obrigatoriedade, mas não elimina a possibilidade de a Petrobras ser a única operadora do pré-sal. A empresa não tem condição de assumir esse encargo. Se a exploração ficar dependente da Petrobras, não avançará — disse Serra.

O senador destacou que a exploração do pré-sal tem urgência para o país, pois a oferta interna de petróleo em um futuro próximo dependerá dessa exploração, sobretudo a partir de 2020. Ele lembra, ainda, que a sucessão de escândalos envolvendo a Petrobras criou uma situação quase insustentável para a companhia, que tem um programa de investimentos da ordem de US$ 220 bilhões até 2018.

‘VISÃO IDEOLÓGICA’

Para Serra, o projeto de lei deverá conquistar apoio de parlamentares que queriam defender a Petrobras neste momento em que a empresa sofre com a queda do preço do barril do petróleo no mercado internacional e com a Operação Lava-Jato.

— Eu espero apoio, porque o projeto é para fortalecer a Petrobras. Quem estiver realmente preocupado com a Petrobras e, não com bandeiras politico-eleitorais, deverá apoiá-lo — disse o senador tucano.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) manifestou apoio à proposta:

— Mais dia, menos dia, a ficha terá de cair no governo federal. Os fatos da vida real vão se sobrepor a essa visão ideológica de querer dar ao Estado um papel além do que este deve ter. Está evidente que precisamos flexibilizar esse sistema. O Brasil só perdeu, depois que saiu da concessão para a partilha, e a Petrobras também.

Procurada, a Petrobras informou que não comentaria o conteúdo do projeto de lei.