Unicef estima em 1% os homicídios cometidos por menores no Brasil
Silvia Amorim
Estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indica que apenas cerca de 1% dos homicídios registrados no país é cometido por adolescentes entre 16 e 17 anos. Em números absolutos, isso equivaleria a algo em torno de 500 casos por ano — o total de homicídios registrado no país em 2012, ano base das estimativas, foi de 56.337. Apesar da baixa incidência dos assassinatos praticados por menores, eles têm sido usados como principal argumento para a redução da maioridade penal no Brasil. Anteontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que muda a idade mínima de 18 para 16 anos foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e será discutida por uma comissão especial.
Se aprovada sem alterações, a PEC 171/1993 vai ampliar a população carcerária, estimada em mais de 500 mil presos e com um déficit de vagas de 40%. Cerca de 75% dos adolescentes que estão cumprindo medida de internação têm mais de 16 anos — ou seja, dois em cada três internos. Em 2012, eles eram 16.014 de um total de 20.532. Isso equivale a 3% da população carcerária naquele ano.
Hoje esses números já são bem maiores. O GLOBO fez um levantamento nos cinco estados com maior população de adolescentes apreendidos (SP, PE, MG, PR e RJ) e, juntos, eles representam mais da metade (56%) dos menores infratores no país. Somente nesses locais os adolescentes com mais de 16 anos somam 14.359.
Apesar do debate sobre a maioridade penal ganhar força, não existem dados oficiais sobre o número de homicídios praticados por adolescentes no Brasil. O GLOBO procurou as secretarias nacionais de Direitos Humanos e de Segurança Pública, ligadas à Presidência da República e ao Ministério da Justiça, respectivamente. Ambas informaram não ter esse tipo de estatística.
O cálculo de 1% feito pelo Unicef é uma estimativa com base em relatórios de violência divulgados pelo governo e por estudiosos entre 2002 e 2012. Segundo o Unicef, 2,8% dos assassinatos teriam sido cometidos por menores, sendo 1% por jovens entre 16 e 17 anos.
— É preciso ter um sistema de informação mais preciso sobre a situação. Hoje ninguém sabe quantos homicídios são praticados por esse jovem de 16 ou 17 anos que é o alvo de PEC — diz Mário Volpi, do Unicef.
O que as estatísticas oficiais mostram é que o homicídio não é a principal razão das internações de menores. No Rio de Janeiro e em São Paulo, ela é a quarta causa, perdendo para roubo, tráfico de drogas e furto.
No Brasil, segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), 9% dos adolescentes internados em 2012 praticaram homicídio. Roubo foi o ato infracional mais cometido (38%), seguido do tráfico (27%).
FALTA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Membro-auxiliar da Comissão de Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público, Helena Marques defende que, antes de discutir mudanças sobre a maioridade penal, é preciso implantar de maneira integral o plano de medidas socioeducativas.
— Como podem dizer que o sistema de acolhimento de adolescentes é ineficiente se ele não está implantado 100% como manda a lei em muitos lugares do país? É preciso aperfeiçoar esse atendimento antes de querer reduzir a maioridade — disse Helena.
O juiz José Brandão Netto, conhecido por determinar o toque de recolher para jovens em municípios da Bahia, diz que a PEC é a única solução.
— Existe a ideia disseminada nas comunidades mais pobres de que não dá em nada o crime cometido por menor de idade. Essa lei com certeza pode mudar esse pensamento — afirmou.
A SDH informou, em nota, que “não existe comprovação de que a redução da maioridade traz a redução da violência”. A pasta acrescenta que “em 54 países que reduziram a maioridade não se registrou redução da violência”.
Ministro do Supremo diz que Constituição não veda redução da maioridade penal
André de Souza / Luiz Gustavo Schmitt
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello considera que a idade de 18 anos para a maioridade penal não é uma cláusula pétrea da Constituição. Ou seja, pode sim ser modificada pelo Congresso por meio de uma emenda. Por outro lado, entende que essa não é a melhor saída para resolver o problema da delinquência juvenil e citou questões mais importantes a serem enfrentadas, como a corrupção.
Na terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a admissibilidade de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reduz a maioridade de 18 para 16 anos. Isso significa que a maioria dos deputados da comissão entendeu que a proposta não fere a Constituição e o ordenamento jurídico do país. Parlamentares contrários à PEC articulam entrar com um mandado de segurança do Supremo para impedir que a proposta siga tramitando no Congresso.
— Se articula que é cláusula pétrea. De início não penso assim, mas estou aberto à reflexão. Agora não vamos dar uma esperança vã à sociedade, como se pudéssemos ter melhores dias alterando a responsabilidade penal, a faixa etária para ser responsável nesse campo. Cadeia não conserta ninguém — afirmou Marco Aurélio nesta quarta-feira.
Ele argumentou que, se isso for cláusula pétrea, a idade de 70 anos para aposentadoria compulsória no serviço público também é. Há hoje no Congresso uma proposta para elevar para 75 anos a aposentadoria dos ministros das cortes superiores, a chamada PEC da bengala.
— Eu não vejo como cláusula pétrea, porque se não teria que dizer que os 70 anos da aposentadoria compulsória se consubstancia cláusula pétrea. Não é o caso. Não podemos potencializar o que é cláusula pétrea, porque então não se mexe mais nela. Agora receio também a normatização em tempo crise — disse o ministro.
Marco Aurélio destacou que a redução da maioridade penal não resolve os problemas do país, que são outros. Questionado quais são, ele respondeu:
— Corrupção. Ter-se chegado ao estágio a que nós chegamos. E verificamos que a corrupção foi banalizada. Não posso dizer que foi barateada porque os valores são muito altos.
— Não se pode forçar a mão e chegar a uma posição extremada. Eu receio muito normatização em época de crise. Por que receio? Porque vingam as paixões exacerbadas. Para qualquer tipo de assunto. E nós já temos no país leis suficientes para a correção de rumos — ressaltou Marco Aurélio.
A decisão tomada ontem pela CCJ não leva à aprovação automática da proposta. Ela ainda precisa ser apreciada por uma comissão especial, que será instalada na próxima semana. Em seguida, deve ser votada em dois turnos pelo plenário da Câmara, onde precisa angariar o apoio de pelo menos 60% dos deputados, ou seja, 308 dos 513. Depois de tudo isso, a proposta também deve ser aprovada pelo Senado. Uma vez aprovada, a PEC pode ser promulgada,sem necessidade de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff.