Ciência sem barreiras

 

De todas as perguntas que me fazem sobre genética e células-tronco, talvez a mais constrangedora seja: “E o Brasil, está bem avançado nessas pesquisas?!” — feita, em geral, quase como uma afirmação, ou pelo menos com a grande expectativa de que a resposta seja positiva. Como dizer que não, que, apesar de toda a competência dos pesquisadores brasileiros, nossa produção científica ainda é de baixo impacto, principalmente considerando que somos a sétima economia do mundo?

A boa notícia é que, segundo pesquisa recente do Datafolha, 88% dos entrevistados consideram que investir em ciência é muito importante. Ao mesmo tempo, 70% consideram o investimento em ciência e tecnologia insuficiente. Sim, é insuficiente, mas não é o nosso maior problema.

Mesmo os grupos brasileiros com mais verba para pesquisa não conseguem ser competitivos internacionalmente por causa da enorme burocracia para importar equipamentos e reagentes. Depois de desperdiçar tempo e dinheiro preparando uma papelada infinita, ainda temos que esperar de um a 24 meses (sim, dois anos) pela chegada dos produtos importados, que, além disso, ficam presos na alfândega. E muitas vezes são perdidos. Enquanto isso, nos países que, de fato, valorizam ciência e tecnologia, esses mesmos produtos demoram de um a 15 dias para chegar às bancadas dos cientistas. Não é, então, de se espantar que 90% dos pesquisadores brasileiros já tenham mudado os rumos de seus trabalhos ou até mesmo desistido de realizar algum experimento por causa de problemas com importação. Ora, assim não é possível ser competitivo.

Apesar do nosso desespero, o governo insiste que a questão de importação foi resolvida com o programa Importa Fácil, do CNPq. Francamente, pode ser menos difícil, mas, de fácil, o programa não tem nada. E, depois de nove anos de sua criação, não houve um real impacto na melhora das condições de trabalho dos pesquisadores do país.

Por enquanto, não pedimos mais verba — afinal, essa será em parte desperdiçada com as burocracias e ineficiências do sistema. Pedimos, sim, que resolvam esse nó eterno e, assim, permitam que os cientistas do país possam realizar todo o seu potencial produtivo. E para isso basta ter vontade política. Porém, paradoxalmente, parece ser mais fácil para um governo com as contas estouradas criar um programa caro como o Ciência sem Fronteiras do que reunir o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Anvisa, Receita Federal, juristas e não sei mais quem e criar uma solução realmente efetiva para o problema da burocracia da ciência no Brasil. Tenho certeza que o professor Hernan Chaimovich já sentiu na pele a frustração de não conseguir realizar suas pesquisas por causa das burocracias. Quem sabe agora, à frente do CNPq, ele possa organizar essa força-tarefa.

Atenção, governo Dilma: em ano de vacas magras e de baixa popularidade, vocês têm a chance de entrar para a História positivamente como os grandes transformadores da ciência nacional sem gastar quase nada, e num assunto considerado importante por 88% da população. Que grande oportunidade!

Lygia Pereira é professora da USP