ROMBO RECORDE DE R$ 7,4 BILHÕES

CRISTIANE BONFANTI, GABRIELA VALENTE E CLARICE SPTIZ

Déficit do governo central é o maior desde 1997, e analistas preveem mais alta de impostos

Tesouro, Previdência e BC gastam mais do que arrecadam. Para especialistas, será preciso subir impostos para garantir resultados

As contas do governo central, que reúne Tesouro, Previdência e BC, tiveram em fevereiro déficit de R$ 7,4 bilhões, o pior resultado desde 1997, quando começou a série histórica. Assim, mesmo com a economia realizada por estados e municípios, as contas públicas do país ficaram com um rombo de R$ 2,3 bilhões. O governo tem como meta economizar R$ 66,3 bilhões este ano e, diante dos fracos resultados dos últimos meses e das dificuldades em aprovar as medidas de ajuste fiscal no Congresso, analistas temem que seja necessário recorrer a mais aumentos de impostos. As receitas do governo federal cresceram só 5,5% em fevereiro, comprometidas pela fraca atividade econômica. As despesas, por sua vez, tiveram avanço de 13,7%. Os gastos com abono salarial e seguro-desemprego, que são alvo das medidas de ajuste fiscal, saltaram 74% em fevereiro. Em entrevista à agência Bloomberg, a presidente Dilma disse que fará tudo para atingir a meta fiscal. 

-BRASÍLIA E RIO - Mesmo com as medidas de ajuste fiscal, as contas do governo registraram em fevereiro o pior resultado para o mês desde o início da série histórica em 1997. O governo central — Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central — teve déficit primário de R$ 7,4 bilhões. Isso significa que o governo gastou mais do que arrecadou e não conseguiu poupar nada para pagar juros da dívida pública. Esse desempenho influenciou o resultado do setor público (governo central mais estados e municípios). Apesar da forte poupança de estados e municípios, que economizaram R$ 5,2 bilhões no mês, o setor público teve déficit de R$ 2,3 bilhões. É o pior para o mês desde 2013.

— As medidas ainda não impactaram os números de fevereiro. Isso deve ser gradual. Estamos num momento de readequação de receitas e despesas. Resultados mais favoráveis devem vir mais para frente — avaliou o chefe do departamento econômico do BC, Túlio Maciel.

DILMA PROMETE CORTES PARA CUMPRIR META

Diante dos resultados, especialistas defendem que o ideal seria o governo cortar gastos, mas alguns acreditam que o mais provável será o aumento e até criação de impostos para cumprir a meta fiscal de R$ 66,3 bilhões neste ano, algo próximo a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Para a professora do Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez, a dificuldade para aprovar as medidas desde o embate recente entre o governo e o Congresso aumenta essa possibilidade.

— Estamos mais distantes de obter a meta fiscal. Se o Congresso não aprovar esse pacote, o governo vai ter que aumentar mais imposto. De qualquer maneira, ele estará condicionado ao nível de atividade econômica. Em princípio pode haver uma volta da CPMF — analisa a economista.

O pesquisador Bernardo Fajardo, do Ibre/FGV, concorda:

— Está difícil conseguir alguma coisa desse Congresso. Corte de despesa é difícil porque o Orçamento é muito engessado. Se depender só da atividade econômica, a receita não vai reagir. Parece que o que está na agenda é o retorno da CPMF e o tal imposto sobre grandes fortunas.

A presidente Dilma Rousseff disse ontem, em entrevista à agência Bloomberg, que fará tudo que for necessário para atingir a meta fiscal e que o governo está preparando grandes cortes de despesas.

— Eu farei tudo para atingir 1,2%. Vamos ter de racionalizar gastos e defasar outros. Vamos criar vários mecanismos. Diria que essa é a parte em que o governo entra e o nosso pedaço vai ser grande — afirmou a presidente.

No acumulado do primeiro bimestre, o resultado das contas públicas ficou positivo em R$ 3,1 bilhões, mas foi 68,8% menor na comparação com o superávit primário de R$ 9,9 bilhões registrado nos dois primeiros meses de 2014. Esse foi o menor valor para um primeiro bimestre desde 2009, quando o superávit primário foi de R$ 2,8 bilhões.

Na comparação de fevereiro deste ano com igual mês de 2014, os gastos do governo federal subiram 13,7%, enquanto as receitas aumentaram 5,5%, abaixo da inflação do período. Significa que, em termos reais, as receitas encolheram 2,1%. O especialista em contas públicas Raul Velloso diz que há uma piora nas contas do governo, mas acredita que a meta de superávit de 1,2% do PIB continua factível. Pondera, porém, que depois do resultado de fevereiro, a pressão sobre o governo aumentou:

— Existe um negócio mais importante que é o risco de perda do grau de investimento. Quanto mais difícil ele se mostrar, o governo vai mostrar que tem como consegui-lo e vai se sentir pressionado depois desse resultado. Vai ocorrer mais aumento de impostos, mais contingenciamento, vai vir no tapa.

Do lado das despesas, segundo o secretário do Tesouro, Marcelo Barbosa Saintive, pesaram o aumento de 13,7% nos gastos de custeio e capital, e de 6,6% nas despesas com pessoal e encargos sociais. No primeiro caso, por exemplo, houve elevação de 70,6% nas despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que financia despesas com seguro-desemprego e abono salarial, e de 29% nos gastos com benefícios assistenciais — benefícios que estão no alvo do ajuste fiscal do governo.

O aumento de 74% das despesas com segurodesemprego entre fevereiro deste ano e igual mês do ano passado pode indicar uma corrida assegurar o benefício pelas regras antigas. O aumento do período de trabalho exigido para ter direito ao benefício começou a valer no fim de fevereiro.

— Como todo mundo sabe das novas regras, pode ter havido uma corrida. Isso só mostra que o desemprego aumentou — afirma Margarida, da UFRJ.

AUMENTO DO IMPOSTO DE RENDA

Do lado das receitas, houve crescimento de 13,9% na arrecadação de impostos, sobretudo no Imposto de Renda, e aumento de 8,3 % nas contribuições, sendo 36% nas receitas de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Por outro lado, houve queda de R$ 2,8 bilhões nas receitas de dividendos — 95,4% de redução em relação a fevereiro de 2014, quando as contas foram reforçadas com R$ 2 bilhões de dividendos do BNDES e de R$ 700 milhões da Caixa Econômica Federal.

— Tivemos, em comparação com o ano passado, a não entrada (sic) de dividendos da ordem de R$ 3 bilhões. O balanço de algumas estatais estava aprovado, e esse ano não foi possível — explica o secretário do Tesouro.

Os dados do Tesouro Nacional mostram também uma queda dos investimentos públicos. As despesas de investimentos no primeiro bimestre somam R$ 11,2 bilhões — recuo de 26% na comparação com os R$ 15,1 bilhões pagos nos dois primeiros meses de 2014. Questionado sobre a queda, o secretário explicou:

— Há uma adequação do orçamento. A gente gosta de gastar o que arrecada. Se tivermos boa arrecadação, gastaremos prioritariamente em investimento, mas faz esse princípio, gasta o que arrecada.

A despesa com juros também nunca foi tão alta em um fevereiro: pulou de R$ 18 bilhões em janeiro para R$ 56,3 bilhões no mês passado. O principal motivo foi o gasto do Banco Central para colocar papéis no mercado e conter a alta do dólar, dentro do programa de oferta de contratos de

swap. Assim, os responsáveis pelo déficit foram o governo federal e as empresas. Pela metodologia do BC, o déficit do governo central ficou em R$ 6,7 bilhões, e o das estatais, em R$ 828 milhões. Assim, mesmo com o superávit dos estados e municípios, o resultado ficou no vermelho.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, lembra que os estados têm recebido dinheiro de concessões de rodovias estaduais. Além disso, diz, contingenciar despesas de estados e municípios é mais fácil do que da União:

— Estados e municípios continuam fazendo o “trabalho sujo” da União.