Bancada do PT cede à pressão e Câmara aprova a primeira medida do ajuste fiscal

Ricardo Brito

Tânia Monteiro

 

O governo escalou ontem ministros e pediu ajuda ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente do PT, Rui Falcão, para assegurar o voto favorável dos deputados do partido e, com isso, obter apoio dos peemedebistas. Integrantes das duas maiores legendas da base aliada resistiam a apoiar publicamente a proposta.

Antes da votação, o PMDB obrigou a bancada do PT a fazer uma declaração pública de apoio à medida provisória. A condição imposta pelo principal partido aliado deu fôlego para que fosse fechado um acordo na base governista. 

O texto-base foi aprovado com 252 votos a favor, 227 contra e uma abstenção. Dos 64 deputados do PT, 55 participaram da votação e apenas um, Weliton Prado (MG), votou contra. No PMDB, por sua vez, dos 66 deputados, 13 votaram contra e dois estavam ausentes – como presidente da Casa, Eduardo Cunha (RJ), não votou.

 

Manifestantes jogam dinheiro falso sobre as bancadas ocupadas por parlamentares do PT, na Câmara

Manifestantes jogam dinheiro falso sobre as bancadas ocupadas por parlamentares do PT, na Câmara

 

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), afirmou que PT e PMDB fizeram a diferença na votação. “O fundamental é que a base conseguiu pela primeira vez uma extraordinária vitória”, comemorou.

Diante do desgaste de apoiar o pacote de ajuste fiscal, o PT já fechou questão contra o projeto que amplia a terceirização no País. O texto que amplia a terceirização das atividades foi aprovado na Câmara e ainda será apreciado no Senado.

Nesta quarta, a maior surpresa na base foi o PDT, cujos 19 deputados votaram contra a MP mesmo após terem recebido a visita do ministro do Trabalho, Manoel Dias – filiado ao partido. A postura do PDT na votação pode lhe custar o ministério. Após o Estado revelar na semana passada que o presidente do partido, Carlos Lupi, disse que o PT “roubou demais”, a rebeldia do partido que desagradou profundamente o governo. 

Sem contar com os votos do PDT, de 10 petistas e de 13 peemedebistas, o governo só respirou aliviado porque o texto recebeu apoio de oito deputados do DEM que, depois de terem participado de almoço ontem com o vice-presidente e articulador político, Michel Temer, votaram com governo pelo ajuste fiscal. Temer também conseguiu apoios no PV, que não é da base aliada, e resgatou dissidentes do PP. 

 

Manifestantes com uniformes da Força Sindical jogam dinheiro falso do lado das bancadas ocupadas por parlamentares do Partido dos Trabalhadores no plenário da Câmara

Manifestantes com uniformes da Força Sindical jogam dinheiro falso do lado das bancadas ocupadas por parlamentares do Partido dos Trabalhadores no plenário da Câmara

 

A oposição, que se valeu de manobras regimentais para adiar a votação do mérito da proposta por cinco horas, protestou com panelaço ao final da votação. “Você pagou com traição a quem sempre te deu a mão”, entoaram os oposicionistas. Um dos vice-líderes do governo na Casa, Carlos Zarattini (PT-SP), rebateu. “Essa oposição que bate panela é a que bate em professor”, disse o petista, referindo-se indiretamente à recente ação da Polícia Militar do Paraná, governado por Beto Richa (PSDB). 

A votação vai continuar hoje, quando destaques ao texto ainda terão de ser apreciados. Somente após isso, o Senado vai apreciar a MP e tem até o dia 1.º de junho para votá-la, prazo em que a medida perde a validade. 

Entre as principais mudanças até o momento, está a redução do prazo para um ano para que o trabalhador faça o primeiro pedido de seguro-desemprego. Na MP enviada ao Congresso, esse prazo era de um ano e meio. Antes da nova regra, que já vale desde março, a carência era de seis meses. O texto da medida provisória aprovada também torna mais rígidas as regras para o pagamento de abono salarial e a concessão do seguro-defeso. 

Tensão. A sessão foi marcada por vários momentos de tensão. O principal deles envolveu a retirada de sindicalistas da Força Sindical, braço sindical do Solidariedade contrário às MPs do ajuste fiscal. Eles acompanhavam as votações das galerias e jogaram notas falsas de dólares com os rostos de Dilma, Lula e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto – preso na Operação Lava Jato –, com a inscrição “PTro Dollar”. 

A sessão também teve ataques entre deputados. Em um deles, a líder do PC do B, Jandira Fhegali (RJ), saiu em defesa do colega de partido Orlando Silva (SP), que batera boca com Roberto Freire (PPS-SP). O deputado Alberto Fraga (DEM-DF) afirmou: “Mulher que participa da política e bate como homem tem que apanhar como homem”. Criticado pelos colegas, o parlamentar pediu desculpas. / Colaboraram Daniel Carvalho e Nivaldo Souza 

 

O IMPACTO NOS DIREITOS TRABALHISTAS__________

 

• Seguro-desemprego

Como é: Recebe quem trabalhou por 6 meses e perdeu o emprego.

 

Como fica: Carência para o primeiro pedido é de 12 meses - governo queria 18 meses. No segundo, cai para 9 meses; nos demais, para 6 meses.

 

• Abono salarial

Como é: É pago para quem trabalhou pelo menos 30 dias no período de um ano e recebeu até dois salários mínimos. O valor recebido é o mesmo, independentemente do período trabalhado.

 

Como fica: É pago a quem comprovar vínculo formal de trabalho de no mínimo 3 meses. Governo queria 6 meses corridos para recebê-lo. 

 

 

• Seguro-defeso

Como é: Pescador recebe um salário mínimo durante o período de reprodução de peixes em que a pesca é proibida; é preciso ter 1 ano de registro como pescador profissional para ter acesso ao seguro. É permitido o acúmulo com outros benefícios sociais. 

 

Como fica: Pescador deve ter 1 ano de registro e pode-se acumular o seguro e outros benefícios. Governo queria carência de 3 anos e sem acúmulo de benefícios.

 

Temer coloca no Planalto sócio de consultoria que age no Congresso

 

O vice-presidente Michel Temer escalou para a articulação política do Palácio do Planalto o sociólogo Thiago Gonçalves de Aragão, dono de um escritório que traça estratégias de lobby para bancos e outras grandes empresas do setor privado em Brasília.

Publicada ontem no Diário Oficial da União, a nomeação de Aragão já suscitou questionamentos no Planalto. Para um auxiliar da presidente Dilma Rousseff ouvido pelo Estado, o caso expõe uma situação "delicada", que pode levantar questões de conflito de interesse.

 

Michel Temer em visita a Portugal, em abril

Michel Temer em visita a Portugal, em abril

Aragão foi diretor e é dono de uma fatia da Arko Advice, que se intitula a "principal empresa brasileira de análise política, estratégia e public affairs (relações públicas)". Na prática, segundo o próprio assessor, o escritório orienta gigantes do setor privado sobre como exercer o lobby por seus interesses no Congresso e no governo.

"Sou um desenhista. Desenho estratégia para que os meus clientes façam o lobby deles mesmos", define-se o novo auxiliar de Temer.

Na carteira de clientes da Arko, estão empresas como os bancos Santander e BTG Pactual, além da sueca Saab, responsável pela fabricação dos caças Gripen para o governo brasileiro. O escritório, assim como outros do ramo de consultoria, não informa publicamente seus contratantes.

Como diretor da Arko, Aragão era responsável pela "criação de estratégias de comunicação institucional" de multinacionais em operação no Brasil. A empresa é presidida pelo pai dele, Murillo Aragão, que é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão, colegiado de assessoramento da presidente Dilma Rousseff na formulação de políticas públicas.

Embora tenha se afastado do cargo de diretor da Arko, o novo assessor da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) continua como proprietário do escritório de consultoria. Ele é dono da El Paso Doble Administração e Participações, empresa que integra o quadro societário da Arko, conforme certidões da Receita Federal e da Junta Comercial do Distrito Federal.

Antes mesmo de ser oficializado no cargo, Aragão já despachava no quarto andar do Palácio do Planalto. Na SRI, ele vai ser "assessor de estratégia para articulação política na Presidência da República", conforme descrição divulgada por ele mesmo na rede social de negócios LinkedIn. O salário mensal será de R$ 8.554,70. "Na Arko eu ganhava mais", afirma.

Conflito. De acordo com a assessoria da Vice-Presidência, que acumulou as funções da SRI, o trabalho de Thiago Aragão será "produzir análises e fornecer subsídios estratégicos para aprimorar a relação do Executivo com o Congresso Nacional".

"Não há conflito de interesse de nenhum tipo, pois o funcionário afastou-se de suas atividades privadas (...) O servidor buscar contato com seu ambiente de trabalho antes de começar a nova função é apenas uma prova de zelo", disse a Vice-Presidência, destacando que Aragão trabalha há mais de dez anos com análise política brasileira.

Procurado pela reportagem, o Santander confirmou que mantém contrato com a Arko e que os serviços prestados "compreendem o envio periódico de boletins e informações relacionados ao cenário econômico do País." O BTG Pactual não comentou.

A Saab alegou que "devido a razões comerciais" não poderia entrar em "detalhes específicos nem fornecer informações" sobre seus fornecedores.