Valor econômico, v. 15, n. 3743, 25/04/2015. Brasil, p. A3

Prefeituras diversificam estratégia para elevar receitas

 

Por Vanessa Jurgenfeld e Marta Watanabe | De São Paulo

 

Alexandre Mota/Nitro/ValorThiago Grego, secretário de Finanças de BH, afirma que entre as alternativas para reforçar caixa a prefeitura estuda novas operações de crédito internacionais

Em busca de receitas extraordinárias, diversas prefeituras do país estudam estratégias que vão de parcelamentos de tributos a securitização de dívidas e contratação de operações de crédito com organismos multilaterais, além de venda de ativos. Aliados a planos como esses, prefeituras como São Paulo e Rio decidiram ir à Justiça para reduzir o desembolso relativo à dívida com a União para melhorar o fluxo de recursos este ano. Em todos os casos a ideia é tentar manter o cronograma de investimentos num ano mais difícil e estrategicamente importante para as eleições de 2016.

Levantamento com 15 capitais mostra que a receita primária corrente cresceu, em média, 4,69% nominais no primeiro bimestre, contra iguais meses de 2014. O IPCA acumulado nos últimos 12 meses até fevereiro foi de 7,70%. Desta forma, a variação da receita primária em termos reais foi negativa, em -2,79%. No mesmo período, as despesas nominais registraram alta média de 11,14%. Em termos reais, essa variação foi de 3,19%.

No mesmo universo de prefeituras, os investimentos cresceram 88,16% nominais. Esse número, porém, tem forte influência do Rio de Janeiro, cuja despesa primária de capital - rubrica que representa os investimentos - subiu de R$ 4,33 milhões no primeiro bimestre de 2014 para R$ 377,52 milhões em iguais meses deste ano. O aumento acentuado está relacionado às obras para os Jogos Olímpicos de 2016. Tirando o Rio da amostra de municípios, o investimento tem queda nominal elevada, de 24,5%, no mesmo período. O resultado primário consolidado das 15 capitais também caiu: 5,86%. Sem o Rio - cuja queda de superávit primário foi de 31,5% -, o superávit primário médio subiu apenas 1,6%.

O quadro para alguns municípios chega a ser mais complicado do que para os Estados. Além do desaquecimento da economia, sob efeitos do ajuste fiscal do governo federal e do problema com a troca do indexador da dívida com a União, os municípios podem sofrer a antecipação no parcelamento de pagamento de precatórios. A troca do indexador, apesar de estabelecida em lei já sancionada, ainda não ocorreu e o governo federal negocia para que seja feita somente em 2016. Juntas, essas questões têm contribuído para fragilizar o caixa das prefeituras.

Na capital paulista, o prefeito Fernando Haddad (PT-SP), resolveu ir à Justiça na semana passada para garantir ainda neste ano a aplicação da lei que muda o indexador da dívida para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acrescido de 4% ao ano. Atualmente, o município desembolsa pagamentos corrigidos pelo IGP-DI mais 9% ao ano.

Segundo estimativas da Prefeitura de São Paulo, a aplicação da lei do indexador reduziria o saldo devedor de R$ 64,8 bilhões para R$ 28 bilhões, uma diferença de R$ 36,8 bilhões, considerando os valores atualizados até março 2015. A próxima parcela mensal seria reduzida de R$ 335,7 milhões para R$ 216,5 milhões, uma diferença de R$ 119,5 milhões. Na projeção de abril para dezembro deste ano, seriam pagos cerca de R$ 1 bilhão a menos nas parcelas, o que traria algum alívio para o caixa.

Se tiver sucesso na Justiça, Haddad depositará em juízo a diferença entre os valores defendidos por SP e os exigidos pela União. Para melhorar receitas e realizar investimentos, ele também abriu parcelamento de tributos e planeja alienar imóveis. A mudança do indexador, porém, é vista como essencial para que o prefeito possa entregar obras prometidas até as eleições de 2016.

 

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O caminho do Judiciário foi trilhado antes pela Prefeitura do Rio, sob o comando de Eduardo Paes (PMDB-RJ), que já obteve decisão que permite o depósito em juízo da diferença. Paralelamente, a capital fluminense estuda uma operação de securitização da dívida ativa e rodadas de conciliação de dívidas. Campinas, no interior de SP, também analisa procedimentos similares. Porto Alegre negocia principalmente duas novas fontes de recursos: US$ 80 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para educação e US$ 92 milhões da Corporação Andina de Fomento (CAF) para infraestrutura, e prevê lançar debêntures. E Belo Horizonte, além de uma operação internacional de crédito de US$ 200 milhões com o Banco do Brasil AG, subsidiária do banco localizada em Viena, estrutura um lançamento de debêntures lastreadas no fluxo de pagamento da dívida ativa.

Hamilton Bernardes Jr., secretário de Finanças de Campinas, diz que a ideia da securitização é fazer uma licitação, esperando interesse de bancos, para que depois essas instituições coloquem esses ativos novamente no mercado. O município não informou o montante da sua dívida ativa total.

No Rio, além de haver estudos para securitização da dívida (hoje são R$ 30 bilhões em dívida ativa), o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Santos Cardoso, diz que pretende realizar rodadas de conciliação de dívida para reforçar o caixa. Essas rodadas serão feitas pela procuradoria do município em parceria com o Tribunal de Justiça. "Isso vai ser implementado ao longo do ano. A ideia é focar nas dívidas consideradas perdidas", disse ele, sem estimar o valor das dívidas consideradas perdidas.

Campinas também tem caminhado nesta direção. No fim de 2014, abriu um programa de refinanciamento da dívida atrasada (Refis) e a partir de maio pretende fazer um trabalho com o judiciário para conseguir recuperar débitos. "Há cerca de 200 mil ações no judiciário. A partir de maio, os juízes vão trabalhar para liquidar as ações judiciais", disse Bernardes Jr.

Em Belo Horizonte, o reforço de caixa deve vir de US$ 200 milhões de uma operação de crédito do Banco do Brasil AG para pequenas e médias obras na cidade, como urbanização de praças e investimentos em câmeras de segurança. "O BB tem taxa atrativa porque consegue captar no mercado europeu mais barato", diz o secretário de Finanças da capital mineira, Thiago Grego. O município pretende também fazer uma operação "que é quase uma securitização de dívida ativa", segundo ele. Grego disse que deve repetir uma operação que foi feita no ano passado: uma emissão de debêntures, lastreada no fluxo de pagamento da dívida ativa. Em 2014, uma operação deste tipo rendeu R$ 200 milhões ao município, o que ajudou nos investimentos.

Neste ano, com a situação econômica mais difícil do país, Grego entende que é necessária uma nova operação dessa natureza. No fim do ano passado, alguns passos foram já dados nesta direção. Belo Horizonte fez um lançamento de Refis, com parcelamentos de débitos antigos. Com o lastro nesse novo fluxo de pagamentos é que deve ser lançada uma nova debênture.

O secretário da Fazenda de Porto Alegre, Jorge Tonetto, também está em busca de reforço de caixa. Ele disse que começou em agosto do ano passado a articular empréstimos internacionais. Fechou em dezembro recursos do BID para investimentos em escolas e prevê a assinatura em setembro deste ano com a CAF para obras na orla do rio Guaíba. Tonetto diz que também está sendo elaborada minuta do projeto de lei que cria a empresa de gestão de ativos de Porto Alegre, de modo que por meio desta empresa o município faça operações de crédito securitizadas.

 

Arrecadação cai com recuo nas transferências de União e Estados

 

Por Vanessa Jurgenfeld e Marta Watanabe | De São Paulo

Entre os fatores que contribuíram para receitas mais magras este ano estão os recuos nas transferências de recursos de Estados (ICMS e IPVA) e União (alguns recursos para obras e transferências). Nas receitas próprias, alguns municípios até conseguiram ampliar as receitas por conta de reajustes em impostos, como o ISS, aumento de fiscalização ou renegociação de dívidas.

Esse é o caso de Jundiaí, município do interior paulista. Segundo o prefeito Pedro Bigardi (PCdoB-SP), o orçamento previsto para 2015 é de R$ 1,8 bilhão. Ele estima, porém, uma frustração de cerca de 7% nas receitas. Esse desempenho abaixo do esperado, porém, não se deve às receitas próprias, mas à queda nos repasses de ICMS e do Fundo Participação dos Municípios. A situação está sendo contornada com corte de despesas e reforço de fiscalização e busca de receitas extras, com programas que incentivam pedido de nota fiscal e parcelamento de tributos municipais.

 

Múltis se reúnem para debater atração de investimentos

 

Por Tainara Machado | De São Paulo

A Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) deve reunir multinacionais com sede no Brasil e no exterior na tarde da próxima quarta-feira para discutir a política de atração de investimentos para o país nos próximos anos.

O evento, que será realizado na sede da Câmara de Comércio Brasil-França, em São Paulo, deve ser o "pontapé" inicial para a elaboração de um documento com propostas sobre o tema, com a constituição de um grupo de trabalho para tratar de iniciativas que possam melhorar o ambiente de negócios doméstico. No segundo semestre, a expectativa da Sobeet é criar um fórum institucional para discutir essas propostas e encaminhar as sugestões para os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento.

Para Rubens Barbosa, presidente do conselho consultivo da Sobeet, a discussão de políticas públicas voltadas para a promoção do país no exterior é essencial em um momento de paralisação dos investimentos. "Queremos tratar de regulamentação, de acordos para evitar bitributação, além de tratados comerciais com outros país". Em resumo, diz, o objetivo é traçar uma agenda com o setor privado para atrair projetos e recursos para o país e facilitar a internacionalização das companhias brasileiras.

A expectativa é que mais de 40 representantes de empresas instaladas no Brasil estejam presentes ao encontro, a partir do convite feito pela Sobeet às Câmaras de Comércio de diversos países, como França, Estados Unidos, Espanha e China.

O encontro contará com a participação de Renato Rezende de Campos Souza, coordenador-geral de temas multilaterais do Mdic. Segundo Barbosa, Rezende deve apresentar o acordo entre Brasil e Moçambique, primeiro tratado bilateral de investimentos assinado pelo Brasil em quase duas décadas, firmado no fim de março.

O modelo do acordo foi costurado pelo governo em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e empresas com atuação no exterior.

Atrair investimentos, diz Luis Afonso Lima, diretor-presidente da Sobeet, será algo "que o Brasil vai ter que aprender a fazer nos próximos anos. Precisamos pensar quem a gente quer atrair, de quais setores, qual será a estratégia. Até agora, fomos sempre muito passivos", comenta Lima. O Brasil, diz, se beneficiou do cenário de forte expansão de liquidez internacional na última década, mas a normalização da política monetária americana tende a alterar esse cenário, exigindo que o país tenha ação mais contunde para continuar a receber volumes expressivos de investimentos estrangeiros para o setor produtivo.

No segundo semestre, o grupo de trabalho deve dar origem a um fórum de discussão. Para Lima, essa é a etapa seguinte no objetivo da associação, traçado no ano passado, de se aproximar das empresas instaladas no país, com a criação de dois núcleos, um com multinacionais estrangeiras no Brasil, outro com empresas brasileiras que atuam no exterior.

 

Segundo alguns secretários, além de queda nos repasses pelo esfriamento da economia em razão do ajuste fiscal, houve atrasos em pagamentos por parte do governo federal em algumas obras e em verbas direcionadas à saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a assistência social por meio do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

Em Belo Horizonte, o secretário de Finanças, Thiago Grego, disse que os atrasos ocorreram nos recursos do SUS para o fundo municipal, que demoraram mais de três meses para chegar (em meados de fevereiro foram regularizados) no valor de R$ 150 milhões, e do Suas, cuja última parcela de repasse a Belo Horizonte parou em outubro de 2014.

Há outros exemplos de municípios que verificaram atrasos, como no Rio, no caso da obra do VLT (veículo sobre trilhos) no centro. Essa obra é feita por meio de parceria público-privada (PPP). A parte que é pública refere-se a recursos do Orçamento Geral da União.

Segundo o secretário da Fazenda do Rio, Marco Aurelio Santos Cardoso, a prefeitura teve que adiantar recursos, que eram de responsabilidade da União, para o projeto andar. A prefeitura adiantou em 2014 cerca de R$ 85 milhões, pagos aos fornecedores para posteriormente ser reembolsada pelo governo federal, o que começou a ocorrer no início deste ano.

"Estamos muito apreensivos", reforça o presidente da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) e prefeito da cidade de Chapecó, José Caramori (PSD-SC). Ele não tem recursos em atraso, mas diz que está "segurando ao máximo" os gastos com investimentos, pois há perspectivas de que a receita diminua neste ano em relação ao ano passado, além de seguir na busca por algumas alternativas de receita adicional.

"Tivemos decréscimo de 7% na receita do ICMS de fevereiro para março, por exemplo", disse Caramori. Na receita total, houve recuo de cerca de 10% no primeiro trimestre, disse ele, que estuda pegar recursos do Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) para realizar investimentos.