O globo, n. 29825, 04/04/2015. País, p. 8

Problema na hélice pode ter causado queda

Mariana Sanches

Policiais militares e civis de São Paulo e técnicos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) que investigam a queda do helicóptero que vitimou Thomaz Alckmin e outras quatro pessoas anteontem em Carapicuíba, na Grande SP, suspeitam que uma das pás da hélice do helicóptero tenha se partido ou se soltado durante o voo. Isso teria provocado forte instabilidade na aeronave, tornando quase impossível mantê-la sob controle.

Um vídeo de câmera de segurança próximo ao local registrou o momento em que a aeronave caiu. Ela ainda girou no ar antes de se chocar com o solo, em alta velocidade. Ao lado do local há uma extensa área descampada, onde poderia ter sido realizado um pouso de emergência. No entanto, o fato de o piloto não ter se dirigido à área sugere a perda completa do controle da navegação. Ontem, uma pá da hélice do helicóptero foi encontrada neste mesmo terreno.

— Uma das áreas mais vulneráveis de um helicóptero são as pás da hélice. Se ele perder um pedaço grande da pá ou se ela se desprender completamente, isso provoca um desbalanceamento grande, que rapidamente danifica outras partes da aeronave — explicou o especialista em acidentes aeronáuticos Jorge Filipe Almeida.

— O que temos até agora de informações aponta para um quadro típico de perda de uma parte das pás, uma falha catastrófica em que não há mais condição de o piloto reagir — completou.

Depoimentos de pessoas que presenciaram o acidente contribuem para essa interpretação dos fatos.

— Comecei a ouvir um barulho muito alto de motor e de lata batendo. Pensei: “Meus Deus, esse avião vai cair”. Corri para a rua e vi que era um helicóptero, que caiu muito rápido. Nenhuma parte dele ficou inteira, nem a cabine. Tentei socorrer alguém, mas já não havia mais o que fazer — contou ontem Carlos Henrique da Rocha, de 41 anos, que mora na mesma rua onde ocorreu a queda.

— Há um motor dentro do meu banheiro — disse Maura Fuchs, de 55 anos, ainda sob o impacto da tragédia.

Segundo Maura, seu marido estava em casa quando partes da aeronave se chocaram contra o telhado de uma casa vizinha, ainda em construção.

— O helicóptero vinha desgovernado, balançando para todo o lado, caiu e espalhou os pedaços — descreveu.

“DESTROÇOS FALAM MUITO”
De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), a equipe responsável por apurar as causas do acidente ainda está organizando a ação inicial de investigação, recolhendo informações, tirando fotos e recolhendo partes da aeronave. Raramente helicópteros possuem caixa-preta, mas isso não necessariamente será um problema para a apuração dos fatos.

— Os destroços falam muito. Se, de fato, uma das pás se soltou, é algo fácil de se verificar pelos parafusos e ganchos que as prendem ao rotor. Daí vai ser preciso avaliar se foi falha do parafuso ou da forma como foi fixada a pá — disse Jorge Filipe Almeida.

O Secretário de Governo de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, informou ontem, durante o velório de Thomaz, que a aeronave fora para a revisão justamente porque apresentara problemas em uma das pás da hélice.

Ao longo do dia, um guindaste de 78 metros foi utilizado para retirar as partes maiores do helicóptero, que serão levadas para análise. Na região, a presença de curiosos, sobretudo de moradores do condomínio de casas, foi grande durante todo o dia.

— A gente se deu conta de que aqui a gente corre muito risco porque há um heliporto aqui do lado, essa área é uma rota de aviões — disse Wagner Menezes Duarte, de 48 anos.

Formação para lidar com panes é desafio para maioria dos pilotos de helicóptero, diz pesquisa

Nos últimos três anos foram registrados no país 73 acidentes com esse tipo de aeronave

-SÃO PAULO - Oito em cada 10 pilotos brasileiros consideram a qualidade da formação atual de profissionais para lidar com panes aquém da desejável, segundo dados preliminares de levantamento ainda inédito da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), que no ano passado ouviu 806 dos 3,3 mil pilotos registrados no país. Esse foi o segundo tópico sobre falhas da formação mais mencionado na pesquisa; o primeiro foi a qualidade do treinamento de operações em helipontos elevados. Essa situação é frequente em São Paulo, capital onde estão 42% dos pilotos que responderam à pesquisa e que tem 414 aeronaves registradas, a maior frota por cidade do mundo, segundo a Abraphe.

— A pesquisa apontou que a formação de pilotos hoje não é a ideal, mas isso não significa que estejam sendo formados pilotos potencialmente perigosos. Estamos dizendo apenas que eles podem ser melhor preparados para exercerem funções — diz o diretor de relações públicas da Abraphe, Ruy Flemming, mencionando iniciativas da entidade junto à Anac e às escolas de instrução de voo para tentar "sanar as deficiências".

Embora defenda a necessidade de melhorias na formação de pilotos, para a Flemming a falta de conhecimento técnico é uma causa a ser descartada para o acidente de Carapicuíba. Ontem, a Abraphe divulgou nota se solidarizando com as famílias das vítimas, lembrando que o piloto Carlos Haroldo Esquerdo “era profissional de destaque no meio, respeitado pelos conhecimentos técnicos e a responsabilidade à frente da aeronave”. Em São Paulo, são realizados, em média, 2 mil pousos e decolagens de helicópteros diariamente, segundo a Abraphe.

Na pesquisa, que ainda terá os resultados finais compilados, pilotos também citaram entre os tópicos a serem melhorados o nível de informação sobre inspeções e manutenções de aeronaves (77%), orientações sobre documentação necessária a bordo (76%) e encontros com pilotos experientes para conhecer mais sobre a operação com helicópteros (75%).

Segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), nos últimos três anos foram registrados 73 acidentes com helicóptero no país. Apesar do aumento da frota de aeronaves, esse número vem se reduzindo ano a ano, de acordo com o órgão. Foram 29 em 2012, 24 em 2013 e 20 em 2014. (Thiago Herdy)