Valor econômico, v. 15, n. 3743, 25/04/2015. Brasil, p. A4

 

Concessão de rodovias poderá adotar 'gatilho'

 

Por Murillo Camarotto | De Brasília

O governo está avaliando a adoção de um modelo de "gatilho" para a concessão de rodovias à iniciativa privada. O sistema, considerado mais atrativo para as empresas, será oferecido para as concessões das chamadas "vias alimentadoras", trechos secundários que abastecem os grandes eixos rodoviários. O objetivo é que o modelo desperte o interesse de construtoras de médio porte em meio à crise instaurada sobre as grandes empreiteiras na Operação Lava-Jato.

Pelo sistema de "gatilho", a concessionária se compromete a fazer a duplicação somente no momento em que a rodovia atingir um volume de tráfego pré-estabelecido. A avaliação é de que o modelo dá mais segurança às empresas, pois o investimento na duplicação só é realizado quando a demanda da rodovia é confirmada na prática. "É um conceito em que a demanda determina a necessidade da infraestrutura", explicou uma fonte que participa das discussões no Ministério dos Transportes.

Segundo apurou o Valor, estão sendo consideradas para concessão sob o sistema de gatilho trechos da BR-267 e da BR-262 no Mato Grosso do Sul. Tais trechos são considerados "alimentadores" da BR-163, importante corredor de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste e cuja duplicação foi parcialmente concedida à iniciativa privada em 2014. A ideia original do governo era conceder todo o complexo, mas havia dúvidas sobre a viabilidade econômica da duplicação das "alimentadoras" naquele momento.

Agora, o entendimento é de que, isolados, os trechos fiquem mais interessantes para construtoras de médio porte, que vêm se queixando de falta de espaço no Programa de Investimentos em Logística (PIL). Nos grandes eixos rodoviários, além do elevado investimento necessário, as exigências técnicas são bem mais complexas, como, por exemplo, os planos de estruturação das vias e os serviços de atendimento aos usuários.

O modelo de gatilho foi usado no Brasil em 2009, na concessão do trecho baiano da BR-116 entre Feira de Santana e a divisa com Minas Gerais. Naquele caso específico, os 554 km foram divididos em subtrechos que deveriam ser duplicados à medida que o movimento chegasse a 6,5 mil veículos por dia. Caso esse volume fosse atingido antes do quarto ano de contrato, a concessionária ViaBahia (formada por Isolux e Infravix) só estaria obrigada a realizar a obra após esse período.

O governo está trabalhando na preparação da próxima fase do programa federal de concessões, mas teme que uma eventual falta de interesse dos investidores torne negativa uma pauta que tem que ser, obrigatoriamente, positiva. "Vamos fazer o estudo bem fundamentado em cima daquelas rodovias que dão viabilidade para não cair no discurso vazio de você lançar uma rodovia e ela não ter investidores interessados", disse a fonte.

Oficialmente, o governo conta hoje com quatro trechos rodoviários em condições de serem licitados, visto que os respectivos estudos de viabilidade já foram entregues ou estão em vias de serem concluídos. O mais adiantado é o trecho de 493 km entre Lapa (PR) e Chapecó (SC), que já teve o estudo de viabilidade - feito pela J.Malucelli Construtora - selecionado pelo Ministério dos Transportes. Informações de bastidores, no entanto, dão conta de que os custos apontados no estudo podem inviabilizar a concessão.

Dos três restantes, o maior abrange 976 km da BR-163 e da BR-230 entre Sinop (MT) e o porto de Miritituba (PA). Em seguida, aparece a ligação de 704 km entre Rondonópolis (MT) e Goiânia, pelas rodovias BR-364 e BR-060. Também está em fase final de estudos a duplicação dos 440 km da BR-364 entre Jataí (GO) e Comendador Gomes (MG). Nesses casos, o modelo de concessão será o tradicional, com compromisso prévio de duplicação de toda a extensão.

BB, Caixa e BNDES vão elaborar modelos para financiar projetos de infraestrutura

 

Por Thiago Resende | De Brasília

 

Joel Rodrigues / Frame/FolhapressCarro oficial deixa o Alvorada, onde a presidente Dilma se reuniu com ministros e representantes de bancos públicos

O Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal e o BNDES vão elaborar estudos para modelos de financiamentos das obras de infraestrutura a serem concedidas pelo governo federal. Em busca de uma agenda positiva às vésperas de anunciar um corte de despesas para ajustar as contas públicas, a presidente Dilma Rousseff se reuniu, no fim de semana, com 13 ministros e o alto escalão dos bancos públicos para traçar planos na área de infraestrutura. O Valor apurou que as instituições financeiras não participaram do encontro como investidores, e sim pela capacidade de criar a sustentação financeira das concessões.

Cada ministro tinha o dever de apresentar projetos e investimentos à presidente. O tempo, no entanto, não foi suficiente para que titulares de algumas pastas - Portos, Cidades e Comunicações - discutissem, da maneira ideal, as obras propostas.

Apesar da movimentação de carros de autoridades do governo durante todo o sábado no Palácio da Alvorada, residência oficial da presidente, três pessoas participaram de quase toda a reunião: a presidente da Caixa, Miriam Belchior; o presidente do Banco do Brasil, Alexandre Abreu; e o vice-presidente do BNDES, Wagner Bittencourt.

"As três instituições financeiras tem expertises diferentes, em diferentes áreas, o que pode ajudar em cada tipo de projeto a ser concedido", explicou uma fonte do Palácio do Planalto. A ideia é tirar o peso, principalmente, do BNDES. Os três bancos foram os principais agentes financiadores de concessões já realizadas.

A grande reunião do fim de semana não foi conclusiva. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já disse que será lançado, em maio, um programa de concessões com o objetivo de ampliar investimentos em infraestrutura. Isso está mantido. Os encontros da presidente Dilma, agora, podem passar a ser mais setoriais, visto que os projetos apresentados estão em estágios distintos. À medida em que a parte técnica for concluída, os projetos para concessão serão anunciados.

Estudos para a concessão de quatro lotes de rodovias, por exemplo, estão bem adiantados. O mesmo vale para os aeroportos de Salvador, Florianópolis e Porto Alegre. A intenção de realizar o leilão já foi confirmada pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

No encontro, Dilma disse que queria mais terminais nessa lista. A equipe da presidente vai, então, analisar a licitação para mais aeroportos com foco nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.

As obras na bacia do rio São Francisco também estão em estágio avançado. Mesmo assim, Dilma cobrou que fossem agilizadas. Figuram entre os "investimentos que ainda precisam maturar" os planos na área de hidrovias e ferrovias.

Participaram das discussões no Palácio da Alvorada os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento), Aloizio Mercadante (Casa Civil), Eduardo Braga (Minas e Energia), Antônio Carlos Rodrigues (Transportes), Gilberto Occhi (Integração), Eliseu Padilha (Aviação), Edinho Araújo (Portos), Gilberto Kassab (Cidades), Ricardo Berzoini (Comunicações), Izabella Teixeira (Meio Ambiente), Kátia Abreu (Agricultura) e Edinho Silva (Comunicação Social).

Setor da construção propõe 'fatiamento' de obras públicas

 

Por Murillo Camarotto | De Brasília

O efeito da Operação Lava-Jato sobre as finanças das grandes empreiteiras do país já jogou uma sombra de dúvidas sobre o sucesso da nova leva de concessões de infraestrutura que o governo federal pretende lançar nas próximas semanas. Apesar disso, a participação das construtoras de menor porte nesses projetos segue praticamente inviabilizada, por conta de um modelo de concessão feito sob encomenda para as gigantes nacionais da construção.

Essa é a principal queixa do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Rodrigues Martins. Ele vai entregar hoje ao ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, um documento com 16 sugestões que podem fomentar a participação das médias empresas no programa federal de concessões e em parcerias público-privadas (PPPs).

"Há diversos entraves à entrada de empresas de menor porte em PPPs e concessões. Tais obstáculos se manifestam em diversas fases de formatação", diz o documento, que aponta problemas desde a concepção dos projetos até a prestação das garantias públicas.

A CBIC vai recomendar ao governo o fatiamento das obras em um número maior de lotes e a criação de uma espécie de rating para os projetos. A primeira sugestão, de acordo com a entidade, pode representar maior celeridade na execução das obras e evitar acordos entre grandes empreiteiras, como se viu na Petrobras. Já o rating seria uma forma de melhorar as condições para obtenção de financiamento de longo prazo. "Estamos defendendo um novo modelo para possibilitar a entrada das empresas menores. Entende-se que, na atual conjuntura, é este o segmento que apresenta maior possibilidade de crescimento", disse o presidente da CBIC.

Para se mostrar factível, o fatiamento das obras deve considerar a engenharia financeira concebida. "O resultado do ponto de vista financeiro deve estar alinhado com as restrições orçamentárias do poder público, tendo em vista que, muitas vezes, mesmo o projeto podendo ser acelerado decorrente da modularização das etapas, os desembolsos devem ocorrer de acordo com as outras obrigações e prioridades financeiras do Estado", diz o documento.

A CBIC também avalia que o número de participantes de um consórcio pode contribuir para a melhor relação entre preço e qualidade dos projetos. "Com um número menor de participantes, pode haver igualmente uma maior probabilidade de acordos tácitos ou não, levando a um resultado menos favorável ao contratante público", pontua a entidade. "Em determinadas circunstâncias, pode ser interessante abrir mão de ganhos de escala, permitindo maior número de participantes em prol da competição", conclui o documento.

Sobre a criação de ratings para as obras, a CBIC entende que a ferramenta pode facilitar o acesso das empreiteiras médias ao funding necessário para a disputa das concessões. Atualmente, os bancos consideram apenas as garantias corporativas para emprestar dinheiro, o que acaba excluindo as empresas menores. Para a entidade, a utilização da obra como garantia poderia facilitar a obtenção de empréstimos pelas construtoras médias.