O globo, n. 29879, 28/05/2015. País, p. 3

Data: 28/05/2015 
Edição: Colunas e Manchetes 
Jornal: O GLOBO - RJ
Editoria: O PAÍS 
 

Reeleição perto do fim

 
 
Câmara aprova emenda que proíbe governantes de disputar segundo mandato consecutivo
 
ISABEL BRAGA

BRASÍLIA- O plenário da Câmara aprovou ontem o fim da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. A medida não atinge os prefeitos eleitos em 2012 e os governadores eleitos no ano passado. Todos os partidos orientaram a favor do fim da reeleição, e a emenda foi aprovada por 452 votos a favor e apenas 19 contrários, a mais ampla vantagem até o momento na votação da reforma política.

A emenda foi aprovada em primeiro turno. Agora, terá que ser aprovada em segundo turno na Câmara e ser votada no Senado, também em dois turnos, para entrar em vigor. O plenário não votou ainda se será mantido o mandato de quatro anos para os cargos executivos ou se será aprovado um mandato de cinco anos. Isso será decidido em sessão marcada para hoje. Na votação, não houve orientação do governo.

A prática de deixar os vice-governadores e vice-prefeitos assumirem o cargo seis meses antes da eleição, para que eles possam disputar o posto no cargo, também foi vetada. Quem ocupar o cargo nos seis meses anteriores ao pleito estará inelegível. Esse mecanismo foi usado, por exemplo, na eleição do ano passado pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ), que era vice de Sérgio Cabral e assumiu o cargo seis meses antes do pleito.

Assim como manteve a possibilidade de reeleição de prefeitos eleitos em 2012 e de governadores eleitos em 2014, o texto da emenda também abre exceção para os que lhes sucederem ou os substituírem nos seis meses antes da eleição.

— A reeleição cumpriu seu papel histórico. Temos que caminhar para um novo ciclo — afirmou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG).

Os tucanos tiveram papel decisivo, em 1997, na aprovação da emenda que permitiu a reeleição e beneficiou o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Nos últimos anos, porém, o PSDB passou a defender o fim da reeleição, e esse foi um dos pontos defendidos pelo candidato tucano à Presidência, ano passado, senador Aécio Neves (MG). No partido, dos 46 que votaram, apenas um, o deputado Fábio Souza (GO), votou contra a medida. No plenário, vários tucanos fizeram autocrítica pela aprovação da reeleição:

— Votei em 97 a favor da reeleição e me arrependo amargamente. É um instituto para países desenvolvidos e não países em construção — afirmou o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).

Ao encaminhar o voto a favor do fim da reeleição, a líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), citou as denúncias de compra de votos de parlamentares para a aprovação da emenda da reeleição, no governo Fernando Henrique.

— Quando a reeleição foi criada pelo PSDB, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, inclusive com muitas denúncias de compra de votos aqui dentro por R$ 200 mil, que nunca foram apuradas nem CPIs instaladas, votamos contra a reeleição — disse Jandira.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), embora não tenha votado porque o regimento não permite, apoiou o fim da reeleição:

— Refleti muito e agora acho que é o melhor para o Brasil. O problema maior é das prefeituras, o prefeito acaba fazendo o mandato em função da reeleição e, além disso, isso impede a renovação.

JÚNIA GAMA E ISABEL BRAGA opais@oglobo.com.br Colaborou Fernanda Krakovics e Cristiane Jungblut)

Cunha manobra e aprova doações privadas
Após derrota da véspera, quando disse que o tema não seria mais apreciado, deputado o repõe na pauta

-BRASÍLIA- Derrotado nas primeiras votações da reforma política, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), pressionou deputados da base e da oposição e, ontem à noite, conseguiu aprovar, por 330 votos a 141, emenda constitucional que prevê o financiamento de empresas para partidos e de pessoas físicas para partidos e candidatos. Ele ressuscitou parte da proposta que havia sido rejeitada na noite anterior, o que revoltou parte dos deputados, que o acusou de voltar atrás no que dissera terça-feira. Caso a proposta passe em novo turno na Câmara e seja aprovada no Senado, empresas não poderão mais doar diretamente para candidatos, apenas para partidos.

O vice-presidente Michel Temer e vários caciques políticos de outros partidos fizeram uma força-tarefa e mobilizaram suas bancadas para aprovar a nova tentativa de constitucionalizar o financiamento privado para campanhas.

Deputados críticos à mudança temem que a doação só para os partidos retome a chamada “doação oculta”. Isso porque as verbas recebidas pelos partidos seriam repassadas aos candidatos sem a informação da empresa que fez a doação. Nas últimas eleições, porém, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que essa informação deveria ser prestada.

POLÊMICA INTERROMPEU SESSÃO
No início da tarde, quando Cunha anunciou que retomaria o debate do financiamento empresarial de partidos, instalou-se uma longa polêmica no plenário, que levou à interrupção da sessão que analisaria o tema. O peemedebista fez um acordo com o bloco dos partidos nanicos, comandado pelo PRB, e pautou a votação de uma emenda desse grupo. Essa emenda acrescentou ao texto de Rodrigo Maia (DEM-RJ), relator da reforma política, a possibilidade de doações de pessoas físicas a candidatos e de pessoas físicas e jurídicas a partidos.

O líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), foi um dos mais inflamados na reação à manobra de Cunha:

— A doação apenas ao partido irá diminuir ainda mais a transparência das doações de empresas. É um retrocesso.

O líder da Minoria na Câmara, Bruno Araújo (PSDB-PE), defendeu a medida, ressaltando que ela dá caráter institucional à relação entre políticos e empresários:

— A doação direta aos partidos cria uma relação mais institucional e menos pessoal. Os vínculos se estabelecem de forma mais transparente e coletiva. O partido passa a assumir a responsabilidade política com essa vinculação. Cabe a nós na legislação ordinária regular a transparência.

O PT também criticou a manobra e enfatizou os problemas que candidatos poderão enfrentar, já que as doações aos partidos dão poder aos dirigentes das legendas para escolher quem as receberá.

— Essa emenda deixa todos reféns de seus partidos. Candidatos não receberão os recursos, a não ser que sejam os donos dos partidos nos estados. Hoje, pela regra, qualquer um pode receber doação. Vamos derrubar essa emenda e construir uma alternativa para a votação que está no Supremo (Tribunal Federal) — disse o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), sinalizando que o partido poderá recorrer judicialmente contra a decisão. — Essa manobra é um golpe.

Assim como Molon, o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), citou a existência de um julgamento no STF, com 6 votos pelo fim da doação empresarial, e apenas um contra — o que pode vetar a doação empresarial nas campanhas. Por isso, disse, o Congresso deve deliberar sobre o tema. Ele também destacou que a lei disciplinará de que forma os recursos serão distribuídos aos candidatos pelas siglas:

— Faremos uma regra clara. Não vamos deixar o Supremo decidir.

A mudança de Cunha, e sua decisão de voltar a incluir o tema na pauta, foi questionada porque, terça-feira, enquanto era debatido em plenário o projeto sobre financiamento de campanhas, o presidente da Câmara afirmou que não votaria o relatório de Rodrigo Maia.

Na terça, ao responder questão de ordem do líder do PROS, Domingos Neto (CE), Cunha disse que o texto de Maia sobre financiamento seria considerado prejudicado e descartou sua votação.

Diante da polêmica, Cunha suspendeu a sessão e reuniu os líderes partidários em seu gabinete. Mesmo sob queixas de petistas, prevaleceu a decisão de votar todas as propostas sobre financiamento de campanha.

MEDIDA FOI APROVADA COM FH
A emenda constitucional que instituiu a reeleição para cargos executivos — presidente, governadores e prefeitos — foi aprovada no Brasil no dia 4 de junho de 1997, no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Naquela tarde, 62 senadores aprovaram a proposta de forma definitiva, derrotando 14 votos contrários e duas abstenções. A promulgação do texto aconteceu de forma quase imediata. Aproximadamente uma hora depois da votação, o então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães ( PFL- BA), reuniu o Congresso e, numa sessão que não durou mais do que dez minutos, promulgou o texto. A seu lado, estava o então presidente da Câmara e hoje vice- presidente da República, Michel Temer ( PMDB- SP).

Toda a tramitação da emenda que instituiu a reeleição foi tumultuada por acusações de compra de voto na Câmara dos Deputados. O então procurador-geral, Geraldo Brindeiro, não acolheu nenhuma representação ao STF sobre o assunto.

A primeira eleição disputada com direito à reeleição foi a de 1998. Foi nela que Fernando Henrique foi reeleito.