Em prisão domiciliar, executivos serão levados a julgamento no próximo mês

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal de livrar da cadeia e transferir para o regime de prisão domiciliar nove empreiteiros denunciados no bilionário esquema de corrupção e desvios na Petrobrás não vai criar obstáculos ao ritmo dos processos da Lava Jato conduzidos pelo juiz federal Sérgio Moro, avalia a força-tarefa responsável pelas investigações. Pelo cronograma, a partir de junho começam a ser expedidas as primeiras sentenças nas cinco ações penais que têm os executivos como réus.

Esta semana a Justiça Federal em Curitiba dará início aos interrogatórios dos 25 dirigentes e funcionários de seis empreiteiras - Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, OAS e UTC - das 16 apontadas como integrantes de um cartel nos contratos da Petrobrás dentro desse primeiro pacote de processos criminais.

 

 

Procurador Deltan Dallagnol concede coletiva sobre operação em Curitiba

Procurador Deltan Dallagnol concede coletiva sobre operação em Curitiba

 

 

As ações foram abertas em dezembro de 2014, após denuncias do Ministério Público Federal serem aceitas por Moro.

Na semana passada, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef - delatores e peças centrais das investigações - foram os primeiros réus desses processos a serem interrogados pelo juiz. Costa confirmou o esquema de corrupção e cartel na estatal. “Nos contratos envolvendo o cartel, a propina era generalizada”, afirmou.

Na opinião dos investigadores, os executivos das empreiteiras têm pouca chance de escapar da condenação pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro em primeira instância. Alguns respondem ainda por formação de organização criminosa e por uso de documentos falsos.

As acusações tratam da corrupção e dos desvios comprovados pela força-tarefa em contratos apenas da Diretoria de Abastecimento - que era a cota do PP no esquema.

Contra eles, foi reunida farta documentação de prova material e técnica, como quebras de sigilos fiscal, bancário e telefônico, que somadas às confissões de delatores e às provas produzidas pela própria Petrobrás - dentro de suas apurações administrativas - servirão como base para o julgamento de Moro.

‘Cartas marcadas’. O coordenador da força-tarefa, procurador Deltan Dallagnol, sustenta que há “uma guerra contra a corrupção” em curso. “Esse é apenas um pacote das várias denúncias que virão. Estamos em uma guerra contra a impunidade e a corrupção.”

Os executivos e as empresas serão acusados formalmente ainda por formação de cartel, fraudes em processo licitatório, itens ainda não inclusos nesse primeiro pacote. “As empresas simulavam um ambiente de competição, fraudavam esse ambiente e em reuniões secretas definiam quem iria ganhar a licitação e quais empresas participavam de qual licitação. Temos aí um ambiente fraudado com cartas marcadas”, afirma Dallagnol.

A Petrobrás - tratada como vítima do esquema - reforçou os trabalhos de investigação no mês passado, quando oficialmente passou a integrar o polo ativo dos processos. Com isso, ela virou acusadora formal dos réus, ao lado do Ministério Público Federal.

Até agora, apenas um processo da Lava Jato envolvendo a estatal foi julgado. Nele, que trata da lavagem de dinheiro usada para desviar recursos da obra da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, Costa, Youssef e outros seis réus foram condenados por crimes que integram as cinco ações penais contra os executivos. O ex-diretor de Abastecimento não recebeu perdão judicial e foi sentenciado a 7 anos de 6 meses de reclusão. Deste total serão descontados os períodos em que ficou preso na Polícia Federal em Curitiba e em regime domiciliar, que cumpre desde outubro de 2014.

O esquema - que começou a ser desmontado em março do ano passado - arrecadava de 1% a 3% em contratos da estatal, por meio de diretores indicados pelo PT, PMDB e PP. O prejuízo estimado até agora é de R$ 6 bilhões aos cofres públicos, desviados entre 2004 e 2014.

Pelo rito processual, após os interrogatórios dos empreiteiros, o MPF terá prazo para fazer suas alegações finais de acusação e depois os acusados terão tempo para suas defesas - antes que o juiz comece a elaborar suas sentenças.

Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato sustentam que a decisão do Supremo não altera as acusações contra empreiteiros e executivos das principais construtoras do País. Para eles, a necessidade de prisão dos réus, incluindo o dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa - apontado como o coordenador do cartel -, e o presidente afastado da OAS, José Aldemário Pinheiro, o Leó Pinheiro, está mantida.

A 2.ª Turma do Supremo, em decisão apertada (3 a 2), tirou os executivos da cadeia após cinco meses e meio, mas estabeleceu restrições na prisão domiciliar, entre elas o uso de tornozeleiras eletrônicas.

 

Cartel. Com a fase final desses primeiros processos que têm como réus executivos de seis empreiteiras, a força-tarefa da Operação Lava Jato entra em nova etapa envolvendo obras da Petrobrás descobertas partir das revelações das delações premiadas.

Serão duas frentes prioritárias. A primeira tem por objetivo concentrar esforços na apresentação de denúncias contra os executivos de outras empreiteiras investigadas por cartel, como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão.

A segunda frente será aprofundar a descoberta dos esquemas de desvios, propina e lavagem nos contratos das diretorias de Serviços - comandada na época por Renato Duque (preso desde fevereiro) e cota do PT no esquema - e de Internacional - comandada por Nestor Cerveró (preso desde janeiro) e cota do PMDB.

 

Advogados afirmam que processo volta agora a seu ritmo natural

 

As defesas dos nove empreiteiros acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás consideraram uma vitória a decisão do Supremo Tribunal Federal de transferi-los para a prisão domiciliar. A decisão da 2ª Turma da Corte também foi recebida com alívio pelos advogados, que pretendem reforçar os argumentos contra as acusações formais. Os executivos estavam presos preventivamente em Curitiba havia mais de cinco meses.

Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, “o paciente saiu da UTI”. Agora, segundo Toron, a estratégia é atacar o mérito da acusação ao empreiteiro, denunciado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O advogado disse que a revogação da prisão “implica um maior conforto quanto ao tempo para apresentação de requerimentos para combater a denúncia do Ministério Público Federal”. “Agora, tudo deixa de ser uma questão urgente."

A força-tarefa da Lava Jato atribui a Ricardo Pessoa o papel de presidente do clube vip das empreiteiras que formaram cartel para assumir o controle de contratos bilionários na Petrobrás. Na quarta-feira passada, o Supremo acolheu habeas corpus de Toron. O benefício foi estendido a outros oito empreiteiros.

 

Alberto Toron, que representa empreiteiro da UTC

Alberto Toron, que representa empreiteiro da UTC

 

O advogado José Luís Oliveira Lima, que defende o diretor da Galvão Engenharia Erton Medeiros Fonseca, afirmou que a decisão “recoloca o processo nos trilhos da presunção de inocência e do devido processo legal, além de assegurar a ampla defesa”.

A defesa da OAS alega “possibilidade de edição completa dos arquivos” das escutas e seus conteúdos. Os advogados da construtora sustentam que os investigadores sabiam que entre os monitorados da Lava Jato que mantinham contato com o doleiro Alberto Youssef estavam pelo menos dois ex-parlamentares, Luiz Argôlo e André Vargas. Por isso, a OAS pediu no processo a entrega pela Polícia Federal dos documentos originais das interceptações de comunicações pelo BlackBerry e vai apontar isso em sua defesa. Seis dirigentes da OAS - entre eles Léo Pinheiro, número 1 da empreiteira - são réus.

Outro ponto atacado pela defesa da OAS e de outros empreiteiros é a suposta incompetência do juiz federal Sérgio Moro para julgar o caso. Além de acusar o magistrado de “manipulado” o processo para manter as investigações sobre sua tutela, afirma que ele agiu de forma irregular ao permitir apuração na Justiça de primeiro grau do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), em 2006, quando este ainda era parlamentar. Como deputado, ele teria direito a foro privilegiado, tendo que ser investigado pelo STF. O deputado, morto em 2010, foi a origem do caso Lava Jato.

Os advogados de Léo Pinheiro apresentaram dois pedidos - de exceção de competência e de exceção de suspeição e impedimento - para tentar tirar a ação da 13ª Vara Criminal, sem sucesso.

Repúdio. A Construtora Odebrecht tem reiterado repúdio às suspeitas lançadas sobre sua conduta. A empreiteira diz que não participou de nenhum tipo de cartel e nega ter pago propinas para obter contratos com a Petrobrás.

A Andrade Gutierrez sustenta que não tem ou teve qualquer envolvimento com os fatos relacionados com as investigações da Lava Jato.