Tremor de 80 segundos e 20 anos de atraso

Lisandra Paraguassu

 

 

Foram 80 segundos que custarão 20 anos. O terremoto que arrasou o Nepal há uma semana deixou milhares de mortos, destruiu milhões de dólares em infraestrutura e terá consequências para as próximas décadas. Além da crise imediata, há o custo de reconstruir um país que já tinha um dos piores índices de desenvolvimento, com a renda per capita abaixo de US$ 800 e uma crise política.

Na capital Katmandu, aos poucos a vida volta ao normal. Lojas e bancos reabrem, trabalhadores se amontoam em ônibus, donas de casa saem para escolher legumes e frutas nas feiras de rua. Mas os sinais da tragédia estão por toda parte. Seis dias depois do tremor de 7,8 graus, um dos maiores parques públicos da cidade, o Tudhikhel, continua lotado com milhares de pessoas que não têm para onde ir. Toneladas de entulho que não foram removidos fecham ruas e calçadas.

No interior do país, a situação piora. Em Chautara, na região central, visitada pelo Estado, a energia elétrica não voltou, o sistema de esgoto foi danificado e o abastecimento de água, antes precário, agora é inexistente. Em vilas mais remotas, a ajuda humanitária não chegou.

“O Nepal faz parte da comunidade de países menos desenvolvidos do mundo e não superaria isso até 2030. Depois do terremoto, não vejo isso acontecendo pelo menos até 2050”, afirma o cientista político George Varughese, representante no Nepal da Asia Foundation, organização internacional voltada para políticas de desenvolvimento.

O Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 foi de US$ 19,4 bilhões e os primeiros levantamentos do governo mostram um custo de US$ 10 bilhões para a reconstrução, número que pode aumentar. “A escala de destruição foi tamanha que 30% ou 40% do PIB vai embora para a reconstrução”, diz Varughese.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Nepal é de 0,540, deixando o país na 145.ª posição entre as 190 nações do ranking da ONU. Pouco mais de 25% da população vive na pobreza extrema e a expectativa de vida é menor que 66 anos.

Apenas a educação, que o país conseguiu universalizar nos últimos anos, dava uma esperança de avanço mais rápido. Dados do Banco Mundial mostram que a taxa bruta de matrícula no ensino fundamental é de 133% das crianças de 7 a 14 anos – revelando a capacidade de levá-las à escola. Agora, esse esforço pode estar comprometido.

Em uma pequena vila no Distrito (Estado) de Sindhupalchowk, a 3 horas de Katmandu, o professor Surel Giri está preocupado. A escola para 400 alunos foi destruída. “Não temos mais escola, livros, cadernos, lápis, nada. O que faremos com as crianças? Será um ano perdido. Vamos andar para trás.”

Apesar das promessas de que até a metade deste ano o sistema escolar – em 75% dos casos formado por escolas públicas – estará de volta, Giri não acredita que as chamadas escolas móveis chegarão a sua comunidade. “Até agora não vieram trazer água, comida ou tendas. Não consigo acreditar que chegarão com livros, cadernos ou lápis.”

O vilarejo de Giri não é o único nessa situação. O Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) avalia que 70% das escolas do Nepal estejam sem condições de uso. Em Katmandu, a Durbar High School, escola secundária mais antiga da capital, foi totalmente destruída. “A estimativa inicial é de 5 mil escolas e 1,4 milhão de crianças afetadas”, diz Marilyn Hoar, especialista em educação do Unicef no Nepal.

No entanto, a esperança existe. Marilyn explica que, mesmo em anos de guerra civil, as escolas ficaram abertas. “Estamos trabalhando para levar aos vilarejos escolas temporárias. Precisamos que as crianças tenham um lugar seguro, senão o risco de evasão aumenta exponencialmente.”

Subsistência. Uma estimativa do Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) no Nepal mostra que 65% dos pequenos agricultores perderam o gado e outras formas de subsistência. Devras Giri, de 35 anos, perdeu um filho de 3 anos, a casa e quase toda a capacidade de subsistência. No dia do terremoto, conseguiu salvar apenas uma cabra.

“Será uma recuperação difícil. Todos os projetos de energia hidrelétrica foram afetados de alguma maneira. Então, as fontes de energia estão comprometidas”, explica Varughese, da Asia Foundation. Ele lembra que daqui a um mês começam as monções, chuvas torrenciais que causam enormes deslizamentos.

 

Por trás dos sorrisos, o medo das crianças

 

Nimika Rana Magar, de 8 anos, pulava corda no Parque Tudhikhel, entre centenas de outras crianças que desde o terremoto transformaram o lugar em lar. Sempre rindo e brincando, meninos e meninas parecem não ter muita noção do que aconteceu. No entanto, os sorrisos escondem o medo, mesmo sem saber exatamente de quê.

Nimika, por exemplo, não quer ir para casa. Nos olhos escuros, mostra temor. “Se tiver outro, a casa vai cair”, diz. A experiência de correr para a rua, sem saber onde estavam as irmãs e os pais ainda está viva. “Achei que ia ficar sozinha para sempre.”

Na tenda montada pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), para distrair meninos e meninas da dura realidade de uma vida sem casa e escola, as brincadeiras fluem. Em meio a cantigas, jogos, tintas e lápis de cor, as crianças fogem das memórias ruins. “Elas precisam de um lugar para serem crianças”, explica Marilyn Hoar, do Unicef.

Na tenda, Nishant Shrestha, de 4 anos, desenha uma casa. “De quem é essa casa?”, é a pergunta. “É a minha, quando ela ficar boa”, responde o menino. “A minha sacudiu, vai cair, mas meu pai vai arrumar.”

“A maioria das crianças está psicologicamente traumatizada. Não conseguem entender exatamente o que aconteceu, mas não querem ir para casa”, afirma o ex-embaixador do Nepal na ONU, Usha Acharya, um dos fundadores do Little Sisters Fund, ONG que dá educação a meninas de baixa renda. “Esse é um dos maiores desafios que vamos enfrentar com essa geração. Mas o ser humano tem enorme resiliência.”

Deslocadas, afastadas de suas comunidades e muitas vezes tendo perdido um irmão ou irmã, as crianças ainda devem sofrer com o inevitável deslocamento interno de uma família que precisa procurar um novo lugar para viver. Neha Patel, de 13 anos, nasceu em Kalaya, distrito de Bara, mas nunca viveu na cidade. Agora, a mãe decidiu voltar para o interior. “Vai ser difícil. Tenho meus amigos aqui. E a escola não é tão boa. Mas tenho de ir com minha mãe”, disse conformada.