Intolerável pirraça

 

A aprovação em segundo turno pela Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 457/05, conhecida como PEC da Bengala, é mais uma mostra de como assuntos importantes são tratados de forma irresponsável pelo poder público – no caso, pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A PEC da Bengala altera para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Para ter eficácia, essa alteração precisará ser regulada por lei complementar. No entanto, o art. 2.º da PEC estabelece que, em relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU), a mudança valerá imediatamente, sem necessidade de lei complementar.

Assim, a presidente Dilma Rousseff perde a oportunidade de indicar cinco ministros para o STF, pois os que se aposentariam no curso de seu mandato permanecerão na Corte por mais cinco anos. Essa foi a rasteira que a Câmara – orientada por seu presidente – passou em Dilma Rousseff.

Esse jogo pode custar caro ao País. Alterar a idade da aposentadoria compulsória do funcionalismo tem amplas consequências institucionais e econômicas, que exigem cautelosa ponderação. Evidente e infelizmente, não houve ponderação nenhuma na aprovação da PEC da Bengala. Ao contrário, utilizou-se um assunto sério, com efeitos de longo prazo, como mero instrumento de ataque à presidente. Uma proposta de emenda constitucional foi usada para vencer um round de uma luta de poder que pouco atende aos interesses do País.

Em primeiro lugar, acrescentar cinco anos de serviço aos servidores significa represar as promoções de todo o funcionalismo público. Altera-se a dinâmica das gerações, mexe-se com o equilíbrio entre permanência e renovação. Sem dúvida, há excelentes argumentos para a nova idade aprovada, como o aumento da expectativa de vida do brasileiro. Os tempos mudam e a legislação precisa acompanhar tais mudanças. No entanto, a mera existência de bons argumentos a favor da mudança da idade não deveria ser suficiente para aprová-la num lance rápido, de supetão, em uma manobra de oportunismo. A alteração para 75 anos tem outros efeitos que nem chegaram a ser discutidos ou mesmo cogitados. Quem saberá dizer, por exemplo, quanto isso afetará as contas públicas?

Em relação ao STF – onde a PEC da Bengala se fará sentir quase instantaneamente, tendo em vista a atual composição da Corte –, a alteração da idade da aposentadoria compulsória é também um tiro no escuro. Significa que cada ministro – seja por quem for indicado – terá mais cinco anos de exercício no cargo, isto é, as nomeações do presidente da República passam a ter um peso ainda maior, já que a permanência no exercício do poder de avaliar a constitucionalidade das leis se estenderá por mais tempo.

Alegar que a PEC da Bengala tira da presidente Dilma Rousseff o direito de indicar cinco nomes para compor o STF não justifica a mudança. É casuísmo e dos mais perniciosos. Dilma Rousseff foi eleita presidente da República e, dentre as suas atribuições, está o dever de indicar nomes para as eventuais cadeiras vagas no STF. Se ela indica, como parece ser o caso do substituto do ministro Joaquim Barbosa, alguém que não preenche os indispensáveis requisitos constitucionais, há remédios para sanar o mal. A sabatina no Senado não é protocolar nem homologatória. Pode reprovar um candidato à vaga. Além desse filtro, há o do plenário do Senado que também pode rejeitar a indicação. Para isso, basta que os senadores se imbuam de espírito público. Não é por meio de emendas constitucionais que se evitam nomeações equivocadas.

Não é seguro que a alteração da idade da aposentadoria compulsória será necessariamente maléfica ao País. Tal conclusão seria prematura. Mas é seguro que a Câmara dos Deputados, e muito especialmente o seu presidente, Eduardo Cunha, têm feito um jogo perigoso. O País não precisa de lances de mestre – precisa, isso sim, de exercício responsável do poder.