Gerindo a sociedade civil

 

Por decreto, a presidente Dilma Rousseff acaba de convocar a 3.ª Conferência Nacional de Juventude, a ser realizada em dezembro deste ano, com o tema "As várias formas de mudar o Brasil". A presidência da Conferência será do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, e o evento será coordenado pelo presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve).

Criado em 2005, o Conjuve tem a "finalidade de formular e propor diretrizes da ação governamental voltadas à promoção de políticas públicas de juventude, fomentar estudos e pesquisas acerca da realidade socioeconômica juvenil e o intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais". O Conjuve é formado por 60 membros, sendo 20 representantes do governo federal e 40 da sociedade civil, com mandato de dois anos. No atual biênio (2014-15), a sociedade civil está representada, entre outras entidades, pela Liga do Funk, Nação Hip-Hop Brasil, Confederação de Jovens Empresários, Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Confederação Brasileira de Skate, Rede Afro LGBT, Pastoral da Juventude, Articulação Brasileira de Jovens Gays, Conselho Nacional de Seringueiros, Juventude do PT e Juventude do PMDB. Segundo o site do Conjuve, "a parcela da sociedade civil (...) reflete a diversidade dos atores sociais que contribuem para o enriquecimento desse diálogo. O conselho conta com representantes dos movimentos juvenis, organizações não governamentais, especialistas e personalidades com reconhecimento público pelo trabalho que executam nessa área".

A descrição dos Conselhos e Conferências Nacionais tem sempre um tom de utopia. Seriam abertos e plurais, com plena capacidade de manifestar as diversas vozes da sociedade. Com a sua atuação, conseguiriam aproximar governo e sociedade, sendo instrumentos de aperfeiçoamento da democracia. O Estado ficaria mais próximo da sociedade, já que suas políticas públicas estariam mais sintonizadas com os anseios da sociedade. Esse é o seu valor de face - essa é a sua embalagem.

No entanto, a realidade é mais complexa do que a propaganda governamental. A fundamentação teórica para os tais Conselhos e Conferências é problemática, pois altera a relação entre Estado e sociedade que a Constituição de 1988 consagra. Não cabe ao Estado organizar as vozes da sociedade. Não cabe ao Poder Executivo presidir instâncias da sociedade. A sociedade se auto-organiza.

O País não precisa de um Estado condescendente com a sociedade, que é o que se manifesta em toda a comunicação governamental a respeito de suas Conferências e Conselhos. "Somos tão democráticos que iremos ouvir vocês" é a mensagem que se transmite. No entanto, essa não é a lógica da democracia brasileira. Ouvir a sociedade não pode ser uma condescendência do Estado - a sociedade se faz ouvir, institucionalmente, por meio dos seus representantes legitimamente eleitos. Sem dúvida, as entidades que fazem parte do atual Conjuve são bastante diversas. Mas essa diversidade não significa que essas entidades sejam representantes da sociedade brasileira. E isso não é nenhum demérito para tais entidades e associações - o seu papel é representar os seus associados, não os anseios de toda a sociedade brasileira.

Mas não é apenas a fundamentação teórica que preocupa. A praxe dessas Conferências e Conselhos é, com frequência, de clausura. Quem não está inserido em determinados movimentos juvenis ou organizações não governamentais não tem voz. A sociedade civil é entendida como sociedade civil organizada segundo determinados modelos. E com o PT gerindo essas Conferências há sempre o risco de que seja apenas a sociedade civil encabrestada.

O Brasil já teve a oportunidade de ver como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, julga as manifestações sociais. Na noite do dia 15 de março, ele desqualificou a presença de mais de 1 milhão de pessoas nas ruas de todo o País pois "majoritariamente" eram "eleitores que não votaram na presidenta Dilma Rousseff". Interessante esse pluralismo de quem presidirá a 3.ª Conferência Nacional de Juventude.