Governo agora escala Levy para evitar que Supremo comprometa ajuste fiscal

Beatriz Bulla

 

Em meio ao esforço do governo para fazer prosperar o ajuste fiscal, e na iminência de julgamentos caros aos cofres públicos no Supremo Tribunal Federal, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem feito uma peregrinação para defender seus pontos de vista e cultivar boas relações com os integrantes da Corte.

Depois de percorrer gabinetes de parlamentares em defesa dos interesses da área econômica do governo no Congresso, nos últimos 40 dias Levy fez ao menos quatro visitas ao Supremo. Duas delas para conversar com o presidente, ministro Ricardo Lewandowski. Em outra ocasião, esteve com o decano Celso de Mello e com o ministro Marco Aurélio Mello.

A presença frequente de Levy na Corte se dá às vésperas da formação do quórum completo no STF – após a indicação do 11.º integrante pela presidente Dilma –, o que vai criar condições para a retomada do julgamento dos chamados planos econômicos. As ações sobre o tema que tramitam no Judiciário discutem o ressarcimento por perdas nas cadernetas de poupança relativas aos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990.

 

 

Joaquim Levy tem articulado defesa do ajuste fiscal no Congresso e no Supremo

Joaquim Levy tem articulado defesa do ajuste fiscal no Congresso e no Supremo

 

 

A discussão foi adiada em 2014 e está parada desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, há nove meses. Para discutir o tema, há exigência de quórum mínimo de oito ministros. Mas três dos atuais dez integrantes se declararam impedidos de analisar a questão. O caso só poderá ser retomado se o nome do advogado Luiz Fachin, indicado por Dilma, for aprovado em sabatina no Senado. A Advocacia-Geral da União calcula em R$ 150 bilhões o eventual impacto no sistema financeiro nacional de um julgamento desfavorável aos bancos.

‘Cortesia’. O périplo de Levy parece ter despertado simpatias. Integrantes do STF que já o receberam dizem que o ministro tem “elegância ímpar”. Segundo essas versões, ele não citou as ações de interesse econômico por parte do governo em tramitação na Corte. “Creio que ele queira ter um bom relacionamento, sim. Mas nós vamos votar segundo a nossa ciência e consciência e nada mais”, diz Marco Aurélio Mello. As visitas, segundo Levy, foram encontros de “cortesia”.

Visitas do ex-ministro Guido Mantega e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao STF eram comuns quando começou a análise sobre os planos econômicos. Essas idas à Corte, contudo, tinham um fim específico. As visitas de “cortesia” de Levy, porém, são vistas como novidade entre os ministros. Celso de Mello, que integra o tribunal desde 1989, disse só ter recebido anteriormente um ministro da Fazenda: Pedro Malan, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Outras ações. Os próprios ministros lembram outros temas caros ao governo sob avaliação do STF. Entre eles, duas ações que questionam a validade das medidas provisórias do ajuste fiscal (664 e 665), essenciais para fechar as contas do Tesouro Nacional, segundo Levy.

No gabinete de Celso de Mello, há outro tema de importância para o governo: a ação que determinará a constitucionalidade da inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo de contribuições como PIS e Cofins.

Em um dos encontros com o ministro Lewandowski, Levy tratou no dia 7 de abril de ações que discutem critérios para conceder isenção tributária a entidades filantrópicas. O ministro da Fazenda não confirmou discussões sobre o tema, mas admitiu ao sair da reunião que essa “seria” uma preocupação do governo. Fontes da AGU calculam que, se todas as ações sobre o tema forem julgadas em conjunto contra a União, haveria um impacto de R$ 79 bilhões na arrecadação.

O governo pediu ao Supremo para julgar de forma conjunta todas as ações sobre o tema na Corte e discutir o caso com o quórum completo de 11 ministros. As ações que estavam pautadas para o dia seguinte da reunião de Levy com Lewandowski foram adiadas.

 

Bandeira contra terceirização vira aposta para resgatar popularidade

 

Depois de delegar a condução da economia ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e da política ao vice-presidente Michel Temer, o Palácio do Planalto decidiu adotar como agenda própria do seu governo a mudança do projeto da terceirização. Conta com ela como uma forma de se reaproximar das bases eleitorais, sindicais e partidárias.

Na avaliação de lideranças do governo no Congresso e do PT, apoiar alterações no projeto durante a tramitação no Senado pode ajudar a presidente Dilma Rousseff a atrair o eleitor desiludido com os rumos da atual gestão e crítico ao ajuste fiscal proposto pelo Executivo. Parte do pacote, previsto para ser votado nesta semana, atinge benefícios trabalhistas e previdenciários.

"Para o governo, sem dúvida, é um tema muito importante. A discussão de certa forma resgata a relação com os movimentos sociais e é uma bandeira que passa pelo PT e pelo governo. Acredito que acaba catalisando, unificando todos, Lula, o governo e o PT, dando um discurso melhor e colocando de volta a turma na rua", ressaltou o líder do governo no Senado, Delcidio Amaral (PT-MS).

Uma nova manifestação contra o projeto patrocinada pelo PT e encampada pela CUT poderá ocorrer em Brasília e em vários Estados no final deste mês. Ao levantar a bandeira, o governo e o PT também buscam se diferenciar da agenda considerada conservadora encampada até aqui pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos principais defensores de que não haja restrições ao projeto de terceirização.

A expectativa de lideranças do PT é de que o tema da terceirização também permaneça em discussão na mídia, possibilitando ao partido se associar a setores contrários à terceirização. "Vamos fazer todo o esforço para ter uma discussão exaustiva porque tem uma repercussão muito grande sobre os trabalhadores. Sem dúvida, é um tema que nos favorece. Vamos construir na sociedade uma posição contrária ao projeto", ressaltou o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). "Quanto mais se debater com repercussões na imprensa, temos a probabilidade de ter uma pressão maior quando o projeto voltar para a Câmara, onde teve uma votação apertada."

Pela tramitação no Senado, a matéria deverá passar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Econômicos (CAE), Direitos Humanos (CDH) e Assuntos Sociais (CAS). A atuação do governo se dará fortemente nesses colegiados. CAE e CDH, por exemplo, são presididas, respectivamente, pelos petistas Delcídio Amaral e Paulo Paim. As outras duas por peemedebistas próximos ao Planalto, como José Maranhão na CCJ e o ex-ministro Edison Lobão na CAS.

Interlocutores da presidente Dilma avaliam ainda que não se pode deixar que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), assuma sozinho a reação ao projeto de Cunha e se coloque como defensor de um setor que historicamente esteve ao lado do PT.

Autoria. Nesse sentido, a legenda leva ao ar amanhã, em rede nacional de rádio e TV, o programa partidário com a mensagem de que é o responsável por avanços sociais e trabalhistas, como a política de valorização do salário mínimo. "O programa deve passar pela defesa do PT e do nosso histórico", afirmou o vice-presidente do PT e líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE).

Movimentos contundentes pela nova bandeira contra a terceirização foram dados pelas principais lideranças do governo e do partido no Dia do Trabalho.

Dilma também entrou em cena na data e deu seu recado em vídeos divulgados nas redes socais. A presidente já deixou claro que é contra a terceirização ampla e que vai vetar o projeto se ele passar no Senado sem mudanças em relação ao texto aprovado na Câmara.