Incerteza na economia faz o PIB recuar 1,6%
Correio braziliense, n. 18996, 30/05/2015. Economia, p. 8
Simone Kafruni
As famílias brasileiras puxaram o freio de mão no consumo e a economia do país encolheu 0,2% no primeiro trimestre de 2015 na comparação com os últimos três meses do ano passado, revelou ontem o Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). Pressionado por uma grave crise de confiança de consumidores e empresários, o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas no país, recuou 1,6% na comparação com o mesmo período de 2014 e, no intervalo de 12 meses encerrado em abril, caiu 0,9%. Para os especialistas, apesar dos dados ruins, o pior ainda está por vir e, no segundo trimestre, o tombo deve ser maior.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu que a queda expôs o grau de incerteza sobre a economia brasileira. Ele disse que a retração já era esperada porque, no fim do ano passado e no início de 2015, ninguém sabia qual rumo a economia iria tomar. Ressaltou ainda que uma recuperação só deve ocorrer a partir da segunda metade de 2015. “Muita coisa mudou no começo deste ano. Havia incerteza se o país teria problemas de abastecimento de água e de energia, se o Brasil poderia perder o grau de investimento, ou se a Petrobras iria publicar suas contas auditadas. Isso afetou a atividade econômica. De lá para cá a confiança mudou. Nós vencemos esses desafios mais imediatos”, avaliou.
Levy, que participou ontem de evento na Federação das Indústrias do rio de Janeiro (Firjan), afirmou que o governo está trabalhando para que as coisas mudem, citando, como exemplo, as medidas de ajuste fiscal, que já foram em boa parte aprovadas pelo Congresso, e a liberação de R$ 22,5 bilhões para a construção civil, na última quinta-feira. “Há novas perspectivas com o pacote de concessões. Isso vai ajudar no investimento, que caiu pelas incertezas sobre o rumo da economia. Agora estamos criando um ambiente melhor”, prometeu.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, não está tão otimista. Para ele, o ajuste fiscal vai muito devagar e, por isso, o segundo trimestre será pior, e, em 2016, o PIB também vai encolher. “O longo tempo do ajuste vai manter a economia enfraquecida”, disse, prevendo redução do PIB no segundo trimestre de 1,1% e de 0,1% em 2016.
Ranking
Conforme os dados do IBGE, com exceção da agropecuária, os demais setores registraram desempenho negativo em todas as comparações (veja quadro). A valores correntes, o PIB do primeiro trimestre ficou em R$ 1,408 trilhão. Em um ranking de 33 países, elaborado pela Austin Rating, o Brasil só teve desempenho melhor que Rússia e Ucrânia, que amargaram retração de 1,9% e 17,6%, respectivamente.
O mercado de trabalho em retração, a desaceleração da massa salarial e a inflação em alta fizeram os brasileiros fecharem a carteira e o consumo recuou 1,5% em relação ao último trimestre de 2014. Na comparação com os primeiros três meses de 2014, a queda foi de 0,9% — algo que não ocorria há 12 anos, nesse período. De acordo com a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca de La Roque Paris, a taxa de juros mais alta e a restrição ao crédito também influenciaram a redução do consumo das famílias.
Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimento, José Márcio Camargo, a queda no trimestre foi menor do que a esperada pelo mercado, que apostava em recuo de até 0,9%. “Também foi muito concentrada no consumo das famílias, que tem um peso muito grande, mais de 60%, na economia. O que é mais grave é que a tendência é de piora no segundo trimestre”, destacou.
Na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, apenas três segmentos tiveram crescimento, mas, segundo Rebeca, do IBGE, eles representam apenas 25% da produção de riquezas no país. Isso significa que três quartos da economia brasileira encolheram de um ano para o outro. Pelo lado da produção, os serviços, que, nessa ótica, representam 71% da economia, tiveram o maior impacto na queda do PIB. O setor recuou 0,7% nos três primeiros meses do ano na comparação o quarto trimestre do ano passado e 1,2% em relação a igual período de 2014.
Surpresa ruim
Para o economista Fábio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o setor não tinha um desempenho tão ruim — 6% de queda — desde 2003. “O resultado do PIB está alinhado com a redução das vendas do varejo, que foi de 5,3% no primeiro trimestre de 2015, na comparação com igual período de 2014”, destacou. Bentes acredita que o segundo trimestre ainda será de retração, mas acha que a economia começará a se ajustar no segundo semestre.
A surpresa ruim ficou por conta dos investimentos, que desabaram muito acima da expectativa do mercado. O tombo na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) foi de 7,8% sobre igual período de 2014 e de 6,9% no acumulado em 12 meses. O recuo é reflexo da recessão da indústria, que teve retração pelo quarto trimestre seguido. O setor caiu 0,3% sobre o último do ano passado e recuou 3% ante igual período do ano passado, com os piores desempenhos sendo registrados nos segmento automotivo e de máquinas e equipamentos, que são os que mais investem.
“A raiz da crise é a erosão da confiança das famílias e das empresas. Para superar essa conjuntura negativa é urgente uma profunda alteração na condução da política econômica”, defendeu o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvea Vieira.
A salvação veio mesmo da lavoura. A agropecuária cresceu 4,7% sobre o quarto de 2014 e 4% ante o primeiro trimestre do ano passado. “A soja cresceu muito, mais de 10% em produção e 4,7% em área plantada. Isso significa que houve ganho de produtividade”, analisou Rebeca.