Título: Consumo sem escalas
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 15/08/2011, Economia, p. 8

De olho no maior crescimento do número de passageiros no mundo, os 67 aeroportos administrados pela Infraero se transformam em verdadeiros shopping centers. Estatal deve faturar R$ 1,15 bilhão com a concessão de espaços

Amplos ambientes climatizados e de arquitetura moderna, por onde circulam todo ano 160 milhões de consumidores com razoável poder de compra, constituem, virtualmente, o maior shopping do país. Para tornar essa condição mais lucrativa, os 67 aeroportos administrados pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) estão sendo reorganizados com investimentos em marketing e, sobretudo, por uma agitada renovação da maior parte de suas quase 4 mil concessões comerciais.

Os estabelecimentos licitados desde 1998, que formam um leque variado de lojas ¿ de engraxataria a restaurante de luxo ¿, são alvo da disputa por empresários atentos ao rápido crescimento do tráfego aéreo brasileiro, num ritmo anual de 11% (o maior do planeta), e às oportunidades em locais com funcionamento 24 horas.

A Infraero adotou a estratégia de incrementar seus espaços comerciais, visando reforçar o caixa em harmonia com o fluxo de passageiros. "Queremos oferecer ao frequentador dos aeroportos todas as opções de consumo que ele espera ter, mas sem prejudicar atividades operacionais, que são prioridade", esclarece Geraldo Neves, diretor comercial da estatal. A companhia faturou R$ 900 milhões em 2010 com aluguel e participações em receitas dos pontos concedidos para mídia, varejo e serviços. A meta é crescer 22% este ano, para R$ 1,15 bilhão. Hoje, 31% do faturamento vem dessas concessões.

Neves ressalta que o espaço ocupado pelo varejo e pelos serviços está limitado a 15% da área total, podendo ser reduzida, a qualquer momento, em função da necessidade do embarque e do desembarque. É o caso de Brasília, cuja acomodação de usuários avançará este ano sobre lojas e restaurantes.

Com o objetivo de dar mais transparência e competição às licitações, as renovações estão sendo feitas por meio de leilões eletrônicos, nos quais ganha quem propuser o maior valor para explorar o negócio. Além disso, o portal www.infraero.gov.br exibe mapas detalhados com a situação de cada uma das concessões ao longo do país, com prazos e valores envolvidos. "Até o Tribunal de Contas da União elogiou a iniciativa", ressalta Neves.

Copa do Mundo O auge dessa competição deverá ser os contratos que coincidem com a temporada da Copa do Mundo de 2014. A Coca-Cola é uma das multinacionais que já manifestaram interesse em marcar presença na recepção de turistas nacionais e estrangeiros. Em geral, as concessões têm validade de até 10 anos, sendo que locais de publicidade, incluindo as vias de acesso, podem ser explorados por dois anos. A estatal tomou o cuidado de tirar a chance de renovação automática dos contratos. No Aeroporto de Salvador, a Infraero precisou ingressar com pedidos de reintegração de posse de 13 estabelecimentos cujos contratos venceram em dezembro de 2010.

Mas, a julgar pelos leilões realizados desde 2010 e que renovaram metade das concessões, os ganhos da Infraero deverão exceder as expectativas. Os candidatos mostraram que estão dispostos a pagar até cinco vezes mais que o lance mínimo. A maioria dos concessionários cujos contratos venceram ou estão vencendo não gostou nada dessa modalidade de contratação e ingressou com ações judiciais para sustá-la. Na avaliação deles, o consumidor é quem vai pagar a conta da supervalorização dos pontos.

"Os leilões são um desserviço ao cidadão, que terá de pagar mais por produtos e serviços nos aeroportos, além de fecharem lojas, como as de artesanato", reclama Marcos Birbeire, presidente da Associação dos Concessionários de Aeroportos do Brasil (Abrasca). Críticos lembram que, em alguns terminais, o aluguel do metro quadrado supera o de grandes centros comerciais de Paris e Londres, citando a loja McDonald"s, no Aeroporto de Porto Alegre. Com o pregão de março, a mensalidade subiu para R$ 230,5 mil, o triplo do lance mínimo.

Geraldo Neves, da Infraero, rebate dizendo que "sempre se reclamou no mundo todo que comer e comprar em aeroporto é caro", considerando o impacto dos custos locais. Ele acrescenta que vencedores dos certames "não ousariam" cobrar preços "além do aceitável pela clientela", lembrando que a nova classe média é o público que mais cresce. O executivo lembra que a tarifa aérea média atingiu, em maio, o menor nível histórico para o mês: R$ 263,81 ¿ 29% inferior a maio de 2002.

Neves acredita que a oferta de opções mais baratas pode forçar a queda de preços nos pontos comerciais. A Infraero está licitando grupos de máquinas para oferecer alimentos e bebidas. Até novembro, 15 aeroportos terão a venda automática de café, salgadinhos, refrigerantes e água. A estatal fixou taxa mensal de R$ 500 por máquina e área reduzida de depósito. Ao todo, serão 143 unidades espalhadas por grandes terminais, como Brasília e Salvador. A ideia é implantar o sistema em toda a rede da estatal.

Salas VIP O primeiro embate na Justiça entre a estatal e concessionários envolveu companhias aéreas que há 13 anos tentam impedir licitações das salas VIP, sob a justificativa de serem áreas operacionais e não comerciais. "Esse argumento não se sustenta. Se fosse assim, porque as empresas não abrem essas áreas a todos os clientes?", provoca Neves.

Em paralelo às negociações com atuais e futuros lojistas, a Infraero está resgatando seu projeto Aeroshopping, lançado em 2002. Com treinamento de mão de obra, padronização visual e pesquisas de opinião, a estatal tenta criar ambientação funcional em favor dos negócios nos terminais. A logomarca desse espaço de vendas foi até revitalizada este ano, ganhando as cores da bandeira brasileira.

Hoje, 17 aeroportos já adotaram o conceito, entre eles Porto Alegre e Uberlândia, devendo subir para 25 até 2013. "Além dos contabilizados pelo transporte aéreo que andam pelos saguões e corredores, atendemos outros milhões que acompanham os passageiros", sublinha Claiton Resende Faria, superintendente de Negócios Comerciais da Infraero.

Para aeroportos novos ou áreas de expansão, o tema concessão é menos traumático. A reforma em Manaus, por exemplo, prevê construção de uma praça de alimentação panorâmica. O terminal ganhará mais 50 mil metros quadrados para restaurantes e lanchonetes, além das 40 mil atuais.