O governo cortou despesas no valor que se esperava, admitiu que a receita vai cair este ano, assumiu que a recessão será mais forte do que a antiga projeção. Tudo o que o ministroNelson Barbosa disse é bem diferente do ilusionismo anterior. A ausência do ministroJoaquim Levy e a longa reunião de Dilma comLula, antes do anúncio, criaram uma sensação de que nem tudo foi dito.
Mas o fato é que os dois ministros estavam exaustos, ontem, ao fim de um longo esforço para acertar números de cortes, convencer os colegas do Ministério. Levy permaneceu na Fazenda, adoentado, de fato, mas trabalhando. Barbosa fez uma viagem cansativa a São Paulo, da qual voltou de turboélice, porque houve problemas no jato que o levaria à capital. Eles tinham noção de que a ausência de Levy levantaria especulações, mas resolveram fazer como sempre acontece nos anúncios de contingenciamento, que é um tema mais do Ministério do Planejamento. Levy temia que a entrevista acabasse desviada para o tema aumento de impostos, já que ontem mesmo subiu a Contribuição Social sobre Lucro Líquido dos bancos.
No começo das reuniões sobre cortes no Orçamento, os números previstos iam de R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões. Acabou ficando no meio. Houve muitas divergências e discussões durante o processo, mas, no final, o tamanho da redução do gasto foi aprovado por todos. Isso não significa que não haja visões diferentes. Depois que se chegou ao número, houve ainda o trabalho de explicar aos ministros setoriais o tamanho dos cortes.
O número de ontem do desemprego pelo Caged foi visto como um sinal de que o ambiente entre os empresários está se deteriorando mais rapidamente do que se previa e que isso está se refletindo no mercado de trabalho. Se as expectativas não melhorarem, será difícil a recuperação da economia no segundo semestre porque o investimento, como ouvi no governo, teria que crescer mais pelo setor privado do que pelo setor público, que está, temporariamente, com as conhecidas dificuldades.
A tesoura estava afiada e cortou programas que foram grandes propagandas da presidente Dilma. Foram mais de R$ 25 bilhões no PAC e no Minha Casa, Minha vida. Até o Pronatec, que era mantra na campanha eleitoral, encolheu. Os maiores cortes foram em Cidades, Saúde e Educação. A meta de superávit de 1,1% do PIB não significa que houve uma redução do objetivo, já que em termos nominais continuará sendo a mesma economia. O esforço é efetivamente grande porque o país está vindo de um déficit primário de 0,6% do PIB para fazer um superávit em ano de recessão e aumentará ainda mais o superávit primário no ano que vem, para 2%.
Foi um dia difícil de anunciar cortes, porque, pela primeira vez desde 2003, houve queda líquida na criação de empregos formais para um mês de abril, de quase 100 mil vagas, muito acima das previsões mais pessimistas do mercado. Bateu diretamente na projeção de juros. No Rio, no seminário de inflação, o tom do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, era de aperto da política monetária ainda maior. Alguns bancos começaram a achar que a próxima alta da taxa seria de 0,5%. Quando saiu o dado do desemprego no mercado formal, os analistas voltaram a rever projeções.
Hoje, a equipe é mais realista, apresenta números que são aceitáveis, trabalha com projeções macroeconômicas que fazem sentido. Não deixa de ser um enorme alívio em relação ao que se tinha até dezembro de 2014. Mesmo assim, a expectativa anunciada pelo ministro Barbosa de que o país volta a crescer no segundo semestre parece pouco provável.
O que o ministro apresentou ontem foi um ajuste fiscal para além do ano de 2015. No ano que vem, o superávit primário subirá novamente para 2% e continuará nesse patamar até o fim do mandato. Ainda assim, a dívida bruta vai cair pouco, de 63,4% paras 61,9% ao fim do governo. A explicação que ouvi para uma queda pequena na dívida pública, apesar de todo esse esforço, é que os juros permanecem altos, e é muito caro o custo de carregamento da dívida do BNDES. A chamada “taxa implícita de juros” ficou mais alta. De qualquer maneira, o projeto é estancar a escalada e reduzir o endividamento público.