Ares de Alpes franceses no Complexo do Alemão

 

Diretora-gerente do FMI elogia ajuste fiscal e, em visita à comunidade carioca, se surpreende com teleférico

Thais Lobo

 

A austeridade de diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a comedida elegância da francesa sucumbiram diante dos três quilômetros quadrados do Complexo do Alemão. Em visita, ontem, ao conjunto de 15 favelas na Zona Norte do Rio, Christine Lagarde qualificou o teleférico que une as comunidades como uma “solução surpreendente” e “algo só visto nos Alpes”, tocou atabaque numa roda de capoeira e quebrou o protocolo ao pegar uma carona com uma moradora local.

– Estou me sentindo em uma estação de esqui – comentou Lagarde na cabine panorâmica que dividiu com a ministra Tereza Campello e o presidente do Sebrae, Luiz Eduardo Barreto.

Num trajeto de pouco menos de 15 minutos entre as estações Bonsucesso, Adeus, Baiana e Alemão, Lagarde surpreendeu-se com o cenário que via sob seus pés. Acostumada a visitas a comunidades de baixa renda em África e Ásia, Lagarde esperava por aqui construções mais rústicas.

– Ela se surpreendeu. Disse: “Mas é uma cidade!”. Ela esperava casas de madeira e perguntou se havia bancos, negócios ali – lembrou Barreto.

elogios ao bolsa família

Sorridente durante a visita, ela conversou brevemente com dez mulheres empreendedoras de comunidades do Rio. A economista elogiou os negócios e até incentivou uma dessas microempresárias a continuar os estudos.

– Você é a melhor propaganda de seus produtos – disse Lagarde a Solange Monteiro, dona da Bodeguita Dassol, que revende produtos de beleza no Alemão e tem mais de 200 clientes.

De Salete Martins, ex-beneficiária do Bolsa Família e hoje guia turística no morro Santa Marta, em Botafogo, Lagarde recebeu um convite:

– Como sei um pouco de francês, arrisquei um Bonjour, madame . E a convidei a visitar o Santa Marta na próxima vez que vier ao Brasil. Ela disse que vai.

Lagarde classificou como “extraordinário” o fato de o Brasil destinar 0,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) à luta contra a miséria.

– Estou muito impressionada. Eu já havia ouvido falar há muito tempo do sistema do Bolsa Família e do Brasil sem Miséria. Os governos federal e municipais atacaram o problema de modo multidimensional com a coordenação do serviço público, e isso é absolutamente excepcional. Estou muito feliz de encontrar microempreendedores, principalmente mulheres, que tiveram sucesso graças ao sistema implementado.

Para a diretora-gerente, o corte de gastos promovido pelo governo federal permitirá mais investimento em programas sociais e benefícios à população de baixa renda.

– A disciplina fiscal é uma base necessária para dar espaço ao orçamento e financiar programas sociais. São duas questões que caminham juntas, lado a lado. As pessoas que mais sofrem com a indisciplina fiscal, no fim, são, geralmente, as pessoas mais pobres – afirmou Lagarde.

A diretora-gerente do FMI ainda assistiu a uma apresentação de capoeira e ajudou a ampliar a roda quando os fotógrafos se aglomeraram para registrar o momento. Mudou o atabaque de lugar, tocou um pouco o instrumento e ensaiou movimentos no berimbau antes de usar novamente o teleférico no trajeto de retorno. Lagarde entrou em uma cabine já ocupada por uma moradora do Alemão. Tímida, a jovem nascida na Paraíba, na comunidade há um ano, respondeu às perguntas da economista sobre sua vida, traduzidas por uma intérprete. Já o “bom dia” e o “obrigada” entraram no vocabulário da francesa.