Valor econômico, v. 15, n. 3743, 25/04/2015. Finanças, p. C2

 

Elevação de taxas nos EUA pode puxar Ibovespa

 

Por Aline Cury Zampieri | De São Paulo

 

Leonardo Rodrigues/ValorDelella, do Santander: tendência é cenário benigno, com alta de ações brasileiras

Embora controverso o momento em que o Federal Reserve (Fed) elevará os juros nos EUA, quando o ajuste ocorrer isso pode beneficiar as ações no Brasil. A previsão parece surpreendente, levando-se em conta que a reação de curto prazo ao aperto monetário americano é de transferência de recursos da renda variável de países emergentes para a renda fixa dos desenvolvidos. Mas é esse o padrão observado nos movimentos anteriores do Fed. Tal dinâmica reflete a melhoria das condições da economia dos EUA, um ritmo brando de elevação das taxas naquele país, liquidez mundial abundante e pela própria tendência das bolsas de mais risco, reagiram com ênfase a eventos importantes.

Estudo elaborado pelo Credit Suisse e obtido pelo Valor mostra que o comportamento da bolsa brasileira nos últimos quatro eventos de aperto monetário ocorridos desde 1994 nos EUA foi positivo, com raras exceções (veja tabela abaixo): o MSCI Brasil subiu tanto nos seis meses que antecederam a decisão de juros quanto nos seis meses seguintes. E a performance supera o MSCI de Mercados Emergentes e o índice MSCI Mundo.

Em fevereiro de 1994, o Fed decidiu elevar as taxas em 0,25 ponto percentual. Em junho de 1999, outra elevação de 0,25 ponto (seguida por mais duas altas em agosto e novembro). Em junho de 2004, os juros iniciaram um ciclo de cinco altas de 0,25 ponto e, em maio de 2013, o Fed deu sinais de que o programa de injeção de liquidez nos mercados financeiros poderia ser revisto.

Jorge Mariscal, diretor de investimentos para mercados emergentes do UBS Wealth Management, explica que o ritmo de crescimento da economia americana e os motivos pelos quais o Fed aumenta os juros são cruciais para o ritmo dos mercados de ações. "Tipicamente, o Fed eleva taxas de juros antes de uma potencial pressão inflacionária ou em reação a pressões inflacionárias que já estão evidentes."

No primeiro movimento, enquanto não há inflação, as taxas de juros sobem ao mesmo tempo em que a atividade econômica está melhorando. "E isso tende a ser bom para mercados de ações e países emergentes", afirma. "Já quando as taxas de juros sobem por questões inflacionárias, os emergentes não vão tão bem, porque o efeito da política do Fed tende a ser de desacelerar o crescimento econômico", comenta.

José Mauro Delella, superintendente de private banking do Santander, diz que a presidente do Fed, Janet Yellen, tem postura mais "dovish", ou seja, mais comedida em relação a aperto monetário. Por isso, ele espera que a alta de juros não seja abrupta e, portanto, não retire liquidez dos mercados. "Não há evidências, do ponto de vista da inflação, de que o Fed esteja atrás da curva. A tendência é que, desta vez, repita-se o cenário benigno para a liquidez dos mercados e o mais provável é vermos alta do mercado de ações brasileiro antes e depois do anúncio".

 

http://www.valor.com.br/sites/default/files/crop/imagecache/media_library_small_horizontal/0/3/227/148/sites/default/files/gn/15/04/arte27fin-201-bolsa-c2.jpg

Mariscal, do UBS, também vê um quadro atual de elevação de juros em antecipação a crescimento, em vez de inflação. "Os mercados emergentes tiveram um rali nos últimos meses porque a liquidez continua abundante. Um pequeno aperto do Fed não vai mudar isso", diz. O índice de preços de gastos com consumo pessoal (PCE) caiu 0,4% no quarto trimestre de 2014, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já o Produto Interno Bruto (PIB) do país no mesmo período cresceu 2,2%.

Ele também afirma que o fator "surpresa" em relação ao momento de alta dos juros conta bastante para a reação dos mercados. Um aumento de taxas no segundo semestre deste ano já está embutido nos preços e, portanto, o efeito negativo nos mercados será mínimo. "Mas se acontecer em maio, seria uma surpresa e seria negativo para os mercados em geral."

Apesar do movimento nos EUA, os analistas alertam para o peso de outros fatores. Para Mariscal, é preciso acompanhar a aprovação das medidas fiscais pelo governo. O comportamento das commodities que, por sua vez, dependem da China, é outro ponto a ser observado.

Delella vê muitos emergentes em situação vulnerável, como a Rússia, e admite que problemas nesses países podem levar a um contágio, o que deixa os mercados mais cautelosos. Mas o Brasil está com uma agenda de ajustes que deve trazer melhorias para a economia em 2016, o que é visto como um fator positivo.

A indicação de melhoras no cenário local também é citada por Reginaldo Alexandre, sócio da Proxycon e presidente da Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (Apimec). "Há um aguçamento da percepção de que as coisas estão melhorando, o que alivia a percepção de risco", afirma. Para ele, se a liquidez farta se mantiver e a economia brasileira começar a entrar nos trilhos, "é de se esperar que o investidor compre mais papéis brasileiros". Ele ainda comenta que a performance da bolsa brasileira supera a de pares emergentes nos eventos medidos pelo Credit Suisse, fator relacionado ao maior tamanho e liquidez da bolsa brasileira.

Em relação aos eventos anteriores, Delella, do Santander, diz que 1999 foi um exemplo de elevação de juros com economia positiva, quando o então presidente do Fed, Alan Greenspan, falava em "exuberância irracional" dos mercados. "Foi uma elevação preventiva, para ajustar uma economia que ia bem", disse. Nesse caso, o ritmo da elevação de juros também se altera. "Se é preventivo, é feito de maneira mais lenta. Mas, se é reativo, pode ter que fazer mais depressa e o impacto na liquidez dos mercados pode ser maior", diz.