Projeto que reduz maioridade penal divide opiniões 

A redução da maioridade penal — defendida pelo governador Luiz Fernando Pezão em caso de crime hediondo — não é um tema sobre o qual haja consenso entre os deputados do Rio. A proposta de emenda constitucional (PEC) em tramitação na Câmara tem outros apoiadores poderosos entres os políticos fluminenses, a começar pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha. O deputado Leonardo Picciani, líder do PMDB, mesmo partido de Pezão e Cunha, também é favorável, embora com algumas restrições. Mas outros parlamentares do Rio, inclusive três dos quatro que integram a comissão especial que discute a proposta, são contra.
Na comissão, a maioria é favorável: 21 dos 27 deputados titulares defendem sua aprovação. Entres os 25 suplentes, que votam no caso de ausência dos titulares, 15 também pensam assim. Mas, entre os quatro deputados do Rio que participam da comissão, todos suplentes, ocorre o oposto. O único favorável à PEC é Alexandre Valle (PRP). Os outros três — Alessandro Molon (PT), Glauber Braga (PSB) e Hugo Leal (PROS) — são contrários. Molon, inclusive, já anunciou que entrará com uma ação no STF para evitar a tramitação da PEC.

Picciani disse que não conhece a posição de todos os 46 deputados fluminenses para fazer uma avaliação do apoio da bancada à proposta. Mesmo no PMDB do Rio, também há posições divergentes.

A tendência é que a proposta seja aprovada na comissão especial. Mas, mesmo lá, deverá haver algumas restrições. A maioria defende que a redução valha apenas para os crimes mais graves, como os hediondos ou violentos, e que a idade mínima seja fixada em 16 anos.

Após a aprovação na comissão, a PEC vai para o plenário da Câmara, onde precisa ser votada em dois turnos e ter o apoio de pelo menos 60% dos deputados. Se aprovada, segue para o Senado.

 

Menos presídios e mais escolas

Violência requer soluções mais complexas que a redução da maioridade penal

POR ANDRÉ LUÍS MACHADO DE CASTRO*
 

Dois fatos trágicos chocaram nossa cidade recentemente, embora de modo diferente. O primeiro foi a morte de dois jovens no Morro do Dendê, depois de uma operação policial. O segundo, a morte de um ciclista na Lagoa, após o roubo de sua bicicleta e outros pertences, sendo um rapaz apontado como um dos responsáveis. Ambos têm uma causa semelhante, que é a incapacidade do poder público de lidar com os jovens pobres, mas a repercussão deles é bastante diversa, sem que se faça a necessária reflexão sobre isso.

Para muitos, trata-se de um problema exclusivo de segurança pública. Para outros, esse é um problema ainda maior e muito mais complexo. Como diz o ditado popular, para todo problema difícil, há uma solução simples e errada. A mudança das leis para prever punições mais rigorosas é a resposta mais simples e, aliás, a solução que vem sendo adotada há muitos anos, porém, sem nenhuma eficácia na diminuição dos crimes.

A redução da maioridade penal está sendo apontada como a nova solução simples para esse problema complexo. Mas será que seus resultados serão aqueles esperados? Será que essa medida trará mais segurança para as pessoas ou, pelo contrário, poderá provocar justamente o contrário? As estatísticas e a própria experiência cotidiana indicam que a simples majoração de penas não produziu qualquer resultado na redução dos crimes.

Talvez esteja na hora de buscar as soluções mais complexas, difíceis, porém, mais eficientes. É preciso encontrar a raiz dos problemas e não apenas suas consequências. A primeira conclusão que esses crimes indicam é a grave deficiência das políticas públicas de atenção para as crianças e os adolescentes em situação de extrema pobreza.

Em momentos de grave comoção, surgem inúmeras críticas a um suposto tratamento brando aos jovens que praticam atos infracionais. Mas devemos refletir se estamos garantindo aos nossos adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, entre outros previstos em nossa legislação.

Assegurar todos esses direitos tem um custo. Porém, a redução da maioridade penal também tem custo, que representa — em média — R$ 2,3 mil gastos mensalmente com cada um dos 41 mil presos no sistema penitenciário de nosso estado. É possível acreditar que esses recursos seriam mais bem investidos na educação e geração de oportunidades para jovens, que hoje são atraídos pelo crime.

*André Luís Machado de Castro é defensor público-geral do Estado do Rio

 

Jovem de 16 anos é capaz de entender conduta criminosa

Já adotada em outros países, maioridade penal abaixo dos 18 anos pode diminuir a criminalidade

POR CARLOS VELLOSO*
 

Os jovens de hoje são bem mais informados que os jovens de 1940, quando da edição do Código Penal. A mídia, a internet, as redes sociais, o cinema contribuem para isto. Aos 16 anos, podem votar, isto é, podem escolher os nossos representantes nas câmaras e assembleias e nos cargos executivos. Emancipados, podem realizar todos os atos da vida civil, inclusive contrair matrimônio. A verdade é que os jovens de 16 anos de idade têm, de regra, capacidade de entender a conduta criminosa.

A redução da maioridade penal para 16 anos pode diminuir a criminalidade, a violência. A imprensa noticia que jovens de 16 e 17 anos são utilizados na execução do tráfico. Os donos do tráfico acabam escapando da ação repressora. Não são raros aqueles que praticam crimes de estupro, assaltos à mão armada, arrastões, crimes contra o patrimônio público e privado. Quanto ao homicídio, afirma-se que não seria significativa a sua participação. Entretanto, essa participação existe. Por exemplo, em São Paulo, um jovem foi assassinado por um menor de 18 anos. No Rio, um médico acaba de ser morto também por um menor de 18 anos.

Países de boa prática democrática adotam a maioridade penal abaixo de 18 anos. Há os que argumentam que os presídios não são adequados para receber jovens delinquentes. O argumento não pode ser fundamento para impedir a redução da maioridade penal. O ponto a ser considerado é este: o condenado maior de 16 e menor de 21 anos — não apenas o menor de 18 — deve receber tratamento prisional adequado.

Em sua coluna na “Folha de S.Paulo" (12/4/2015), Ferreira Gullar, intelectual de ideias progressistas, lembra que “educar os jovens não é a função da cadeia e, sim, da escola. Se a cadeia conseguir educar, tanto melhor, mas sua finalidade precípua não é essa e, sim, a de afastar o criminoso do convívio social para preservar a segurança e a tranquilidade” das pessoas.

Alguns argumentam que a maioridade penal aos 18 anos (CF, art.228) constitui cláusula pétrea. Todavia, certo é que a fixação ou redução da maioridade penal constitui, apenas, questão de política criminal e passa longe da matéria de direitos fundamentais. As gerações futuras não poderiam estar obrigadas a agir, sempre, na forma das gerações passadas. As circunstâncias sociais, sociológicas, econômicas, culturais se alteram, e o homem é ele e suas circunstâncias. Nesta quadra de século, impedir a redução da maioridade penal só cabe na cabeça dos que adoram o agir politicamente correto. Melhor, entretanto, é agir corretamente.

 

*Carlos Velloso é ex-presidente do STF