Valor econômico, v. 15, n. 3744, 28/04/2015. Brasil, p. A4

 

Transportes terá corte de até 40% no orçamento

 

Por Murillo Camarotto | De Brasília

Dono de um dos maiores orçamentos da administração federal, o Ministério dos Transportes está trabalhando com um cenário de corte de até 40% nas despesas discricionárias, que incluem custeio da gestão e investimentos. Se considerada a previsão de R$ 15,27 bilhões registrada no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015, a "tesourada" pode passar dos R$ 6 bilhões, o que vai obrigar a pasta a adiar dezenas de obras em todo o país.

Na tarde da sexta-feira, uma numerosa equipe do ministério se reuniu com representantes da Casa Civil da Presidência da República. O objetivo era apresentar as obras prioritárias da pasta para 2015 e definir o que terá condições de ser feito e o que será empurrado para o ano que vem. Antes mesmo do encontro, no entanto, o sentimento era de que apenas obras que estão em andamento fazem parte da negociação, ou seja, não haverá caixa para novos projetos.

Valor apurou que pelo menos 30 obras que estavam previstas para este ano serão colocadas em "banho-maria". "Não faz sentido o governo se comprometer com coisas que não teremos condições de tocar e que vão ficar se arrastando", disse uma pessoa que participou da reunião. A mesma lista de prioridades discutida na Casa Civil foi apresentada no sábado à presidente Dilma Rousseff pelo ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues.

O ajuste fiscal no Ministério dos Transportes deverá ficar entre 30% e 40%, mas a palavra final será dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa. Informações de bastidores apontam que o decreto que determinará o contingenciamento deve ser publicado até quarta-feira da semana que vem.

No Ministério dos Transportes, será dada prioridade às obras que estão perto de serem concluídas e àquelas que o governo entender que "geram valor" para a economia nacional. Estão nesse grupo projetos como a conclusão da duplicação da BR-163, importante corredor para escoamento da produção de grãos da região Centro-Oeste. Uma parte da obra, que foi concedida à iniciativa privada, ficou sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e terá que seguir adiante.

Também integram a relação de prioridades da pasta a conclusão das duplicações da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, e da BR-116 entre Guaíba (RS) e Pelotas (RS). Além delas os acessos aos portos de Miritituba (PA) e Pecém (CE), bem como o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, são vistos como fundamentais.

Entre os cerca de 30 projetos que terão que esperar está, por exemplo, a pavimentação da BR-419, no Mato Grosso do Sul. A obra vai ser incluída na terceira versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), mas o projeto vai chegar, no máximo, às fases de planejamento, estudos, licença ambiental e, talvez, contratação para execução em 2016. O ministério guarda a sete chaves a lista completa das obras barradas, a fim de evitar reações políticas.

Com a certeza de que o dinheiro será curto neste ano, a expectativa é que as concessões ajudem a ampliar o volume de obras rodoviárias no país. O governo tem quatro lotes com estudos avançados e pretende encomendar projetos para outros trechos. Entre os que estão sendo considerados estão as duplicações das rodovias: BR 101-RS, BR 280-SC, BR 470-SC, BR 251-MG e BR 365-MG.

Para ferrovias, o veto de Levy ao modelo pelo qual o Tesouro Nacional dá garantias bilionárias às concessionárias colocou o programa em compasso de espera. A discussão mais adiantada visa a concessão de lotes da Ferrovia Norte-Sul que estão sendo construídos pela estatal Valec.

Para o trecho entre Ouro Verde (GO) e Estrela D'Oeste (SP), a expectativa é que seja adotado um modelo misto, pelo qual uma parcela da capacidade de carga será concedida mediante pagamento de outorga e a outra parte ficará disponível para que as empresas interessadas possam usar os trilhos após pagarem uma tarifa pré-estabelecida.

Novas concessões vão exigir mais crédito privado, diz Barbosa

 

Por Murillo Camarotto | De Brasília

 

Ruy Baron/ValorNelson Barbosa, ministro do Planejamento: "Quanto maior for a parcela captada no mercado privado, maior será recurso ao qual se terá acesso no BNDES"

As empresas interessadas em participar do programa federal de concessões de infraestrutura vão ter que acessar o mercado de capitais para obter o financiamento necessário aos investimentos nos projetos.

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, confirmou ontem que o governo está ajustando para os projetos de infraestrutura o modelo de financiamento que já é utilizado pelo setor privado, no qual o montante captado por meio de debêntures é diretamente atrelado ao que pode ser tomado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Antecipado há dez dias pelo Valor, o sistema foi apresentado por Barbosa a investidores em São Paulo. "Quanto maior for a parcela no mercado privado, maior será recurso ao qual se terá acesso no BNDES", disse o ministro do Planejamento, que participou de um seminário promovido pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em Brasília. "Com isso, o volume de crédito direcionado vai estimular o desenvolvimento do crédito livre no Brasil", afirmou.

O ministro também disse que o BNDES já anunciou uma linha de crédito contingente para o pagamento dos dois primeiros anos de juros das debêntures de infraestrutura que vierem a ser emitidos pelas concessionárias. Segundo ele, a operação será importante para diminuir o risco do projeto na parte inicial, que é quando está sendo feito o investimento. "Isso é para solucionar, ainda que de forma temporária, essa carência que temos no mercado de garantias", disse Barbosa.

Em um discurso de 40 minutos, ele também afirmou que o governo está avaliando a adoção de parcerias público-privadas (PPPs) para as próximas rodadas de concessões de rodovias. Segundo Barbosa, o modelo pode se mostrar mais adequado para incentivar investimentos em estradas com menor fluxo de veículos, especialmente aquelas localizadas na região Nordeste. Para as regiões Sul e Sudeste, disse o ministro, seguirá sendo utilizado o sistema de concessão.

Também está sendo avaliada, de acordo com o ministro, um acordo com as atuais concessionárias de rodovias para que sejam feitos novos investimentos. Foi detectada pelo governo um potencial de R$ 12 bilhões nas atuais concessões, dinheiro que poderia ser compensado pela União com ampliações dos prazos dos contratos ou mudanças na tarifa. "Isso ainda está em avaliação", disse o ministro, no fim do discurso.

Sobre as concessões de portos, a novidade foi a intenção do governo de finalizar e enviar ao Tribunal de Contas da União (TCU) a segunda rodada de concessões de arrendamentos em áreas de portos organizados. A primeira etapa ainda está sob avaliação do TCU, mas a expectativa é que o processo seja votado e liberado pelo plenário do tribunal. A segunda etapa, segundo Barbosa, incluirá portos nas regiões Norte e Nordeste.

Para as ferrovias, o programa está em situação mais difícil. De acordo com o ministro, as obras com maior potencial para saírem do papel são a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e a estrada de ferro ligando Vitória ao Rio de Janeiro, passando pelo porto do Açu. Para os novos empreendimentos, o governo federal avalia tanto cobrar outorga como dar garantias à construção das ferrovias.

O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), disse ontem que o pacote de concessões na área de infraestrutura a ser lançado pela presidente Dilma Rousseff nas próximas semanas está inicialmente estimado em R$ 150 bilhões. O Palácio do Planalto não confirma o valor, mas informou que a quantia refere-se a um estudo inicial.

Por conta do ajuste fiscal, explicou Barbosa, as obras bancadas por recursos do Orçamento Geral da União terão seus cronogramas redefinidos. Ele afirmou, no entanto, que "dá pra fazer muita coisa" e que será dada prioridade às obras da transposição do rio São Francisco, do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida e do Plano Nacional de Banda Larga.