Consolidada, mas sob ameaça

 

Ao completar 15 anos de vigência, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está mais do que consolidada como uma das poucas legislações do mundo na área fiscal que, além de estabelecer regras claras e limites para o uso do dinheiro público, preveem punições a entidades e funcionários que a descumprirem. Tornou-se um marco na história da administração pública brasileira, ao coibir práticas frequentes no passado que geraram déficits crescentes no setor público, sobretudo nos últimos anos de mandato dos governantes, que resultavam em sérias dificuldades para seus sucessores. A despeito dos importantes avanços que impôs à administração das finanças públicas - ou, talvez, por causa disso -, porém, a LRF vive sob ameaças. Essas ameaças se tornaram mais frequentes nos últimos anos e, sobretudo, na esfera federal.

Além de práticas usuais no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff que foram consideradas ofensivas à lei pelo Tribunal de Contas da União (TCU), tramitam no Congresso projetos que a desfiguram. Medidas essenciais previstas na lei, como a fixação de limite para o endividamento do governo federal, não foram regulamentadas e, assim, continuam apenas no papel. Se a LRF (Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000) carece de mudanças, são as que a tornem mais rigorosa, para evitar o persistente descumprimento de alguns de seus dispositivos em todos os níveis de governo.

Sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi precedida de outras importantes medidas destinadas a evitar o uso descontrolado do dinheiro público, sobretudo para fins eleitorais. Entre elas estão a renegociação das dívidas de Estados e municípios e o lançamento do Plano Real. Eram condições essenciais para estabilizar a economia e conter a sangria de recursos públicos.

Entre as restrições de maior impacto sobre a gestão das finanças públicas criadas pela lei está a que condiciona todo aumento de despesa à definição clara da fonte da respectiva receita. Já as renúncias fiscais decorrentes de incentivos ou benefícios tributários devem estar acompanhadas da estimativa do impacto sobre o orçamento e de medidas de compensação. Se essa exigência tivesse sido rigorosamente cumprida pelo governo Dilma no primeiro mandato, as desonerações tributárias teriam sido menos frequentes e vultosas e, consequentemente, a necessidade de ajuste fiscal no segundo mandato seria menos aguda.

A lei proíbe explicitamente a realização de operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle. O TCU considerou que os atrasos nos repasses do Tesouro para os pagamentos, pela Caixa Econômica Federal, de benefícios sociais - que ajudaram a melhorar temporariamente os resultados fiscais e foram chamados de pedaladas - constituem uma operação de crédito desse tipo.

O estabelecimento de limite de comprometimento da receita corrente líquida com o pagamento de funcionários foi um dos grandes avanços na administração pública propiciados pela LRF. Embora ela estabeleça prazos para que os governos que descumprirem esses limites façam a correção necessária, eles continuam sendo desrespeitados por alguns Estados e muitos municípios.

Para os Estados, o limite é de 49% da receita líquida. Mas a lei estabelece que gastos com pessoal que excedam 46,5% da receita em determinado exercício estão na zona prudencial, que exige correções nos exercícios seguintes. Em pior situação estão os Estados de Alagoas, Piauí, Tocantins, Sergipe e Paraíba, de acordo com a organização não governamental Contas Abertas.

Quanto às regulamentações de que a LRF ainda carece está a que trata da criação do Conselho de Gestão Fiscal, com representantes de diferentes áreas, para acompanhar de forma permanente o uso do dinheiro nos vários níveis de governo. Também falta a definição do limite da dívida da União, o que deixa grande margem para o crescimento da dívida. E a prática já demonstrou que o limite para os gastos com pessoal do governo federal, de 50% da receita líquida, é muito frouxo.