O globo, n. 29879, 28/05/2015. Opinião, p. 18

Confirma-se o erro de uma reforma política ampla

Rejeição pela Câmara de novo sistema eleitoral reforça o argumento de que a melhor alternativa são mudanças tópicas para aprimorar representatividade

POR EDITORIAL

28/05/2015 0:00

 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pôs em ação o rolo compressor para tentar aprovar ampla reforma política. Cassou o relatório da comissão escalada para debater o tema, colocou em votação o que desejava, e perdeu.

Entre suas derrotas, e do PMDB, sofridas no plenário da Casa na noite de terça-feira, destaca-se a rejeição da proposta de substituição do atual sistema de voto proporcional pelo distritão. Por ser encaminhada por meio de projeto de emenda constitucional, a mudança requeria no mínimo 307 votos, mas obteve apenas 210.

Porém, o trabalho de Cunha não foi em vão: ajudou a comprovar que se trata de um grande equívoco tentar promover ampla reforma na legislação político-eleitoral. Sabe-se disso há muito tempo, mas era preciso um exemplo contundente como este para tirar qualquer dúvida de que não existe consenso mínimo capaz de sancionar no Congresso alterações tão profundas. E também desnecessárias, reafirme-se.

É por ter esta consciência que o PT lançou campanha pela “Assembleia Constituinte exclusiva”, para fazer a reforma com a exigência apenas de maioria simples nas votações, um atalho para contornar o estilhaçamento de posições em torno do assunto. Mas é algo impossível, por inconstitucional, como já alertaram até mesmo ministros do Supremo. Constituinte só é convocada em rupturas institucionais, para refazer o pacto político na sociedade. Mudar a Carta, só pelo rito do quórum qualificado (3/5 dos votos) e votação em dois turnos na Câmara e Senado. A insistência na tese da Constituinte exclusiva tem nítida inspiração golpista.

Junto com o distritão, foram barrados o voto em lista fechada e o distrital misto (voto num candidato do distrito e numa lista elaborada pelo partido). Caíram, assim, na Câmara, projetos de sistemas eleitorais repletos de problemas, bem mais numerosos que as distorções do modelo proporcional, historicamente adotado no país.

A simplicidade do distritão — é eleito o candidato mais votado — esconde grave defeito: estimula o lançamento de puxadores de voto, fórmula perfeita para acabar com a identidade dos partidos, um pilar básico da democracia representativa. Haveria uma proliferação de famosos, palhaços etc. na Câmara. Por esse motivo, só adotam o distritão a Jordânia, o Afeganistão e as ilhas Pitcairn e Vanuatu. Já o sistema distrital distorce a representatividade, porque só valem os votos dados ao vencedor em cada distrito; enquanto as listas cassam poder do eleitor e o transfere aos caciques dos partidos, manobra antidemocrática.

Que essas rodadas de votações na Câmara ajudem a esclarecer que o sistema eleitoral brasileiro requer poucos aperfeiçoamentos. Como o fim das coligações em eleições proporcionais — para o voto do eleitor não ser transferido para quem ele não conhece — e a cláusula de desempenho, a fim de conter a proliferação de legendas nas Casas legislativas.

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Negociações com o México mostram caminho a seguir

O volume de comércio entre os dois países ainda é relativamente baixo, mas o Brasil não pode ficar de braços cruzados, esperando pela evolução de um Mercosul em crise

POR EDITORIAL

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Com mais de 1.350 quilômetros de fronteira terrestre com os Estados Unidos, o México acabou voltando sua economia para o grande mercado do país vizinho, distanciando-se, de certa maneira, do restante da América Latina, com a qual tem laços culturais. Na década de 1990, essa distância iria se ampliar devido ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), pelo qual México, Estados Unidos e Canadá eliminaram uma série de barreiras à circulação de mercadorias entre os três países.

O Nafta encontrou resistências domésticas em cada signatário, pois sempre se atribuía aos outros parceiros os maiores benefícios do tratado. No México, os críticos diziam que talvez fosse preferível entregar ou vender logo aos Estados Unidos os “50% do território original” que ainda estavam sob soberania mexicana (numa alusão à venda e conquista, no século XIX, de áreas que corresponderiam a 50% do México).

A verdade é que a economia mexicana acabou se fortalecendo no pós-Nafta. Recuperou décadas de atraso e, no lugar de uma elevada dependência em relação aos Estados Unidos (pouco antes do Nafta, o país chegara a importar dos seus vizinhos mais industrializados enormes volumes de milho e feijão, base da alimentação dos mexicanos), buscou também a diversificação de mercados. O Nafta não foi obstáculo para que o México firmasse outros acordos comerciais, especialmente com nações banhadas pelo Pacífico, na Ásia e na América do Sul.

As economias brasileira e mexicana sempre foram vistas como concorrentes. Ambos países têm grande população, vastos territórios e estágios de desenvolvimento similares. Porém, ainda que não sejam tantas as afinidades culturais, sempre houve uma simpatia mútua entre brasileiros e mexicanos. Nas telecomunicações, os mexicanos marcaram presença no Brasil, mas foi o acordo automotivo que abriu as portas para a negociação de um acordo mais abrangente que os presidentes Dilma Rousseff e Enrique Peña Neto estão agora dando partida. A visita de Dilma ao México selou o início de negociações que deverão envolver mais de seis mil produtos e serviços, no lugar dos atuais 800. As transações entre Brasil e México representam menos de 2% da corrente total de comércio de cada um dos países, um percentual bem aquém do potencial.

O Brasil apostou suas fichas na evolução do Mercosul, esperando que acordos entre blocos comerciais fossem a melhor saída. O Mercosul não está sendo abandonado, mas o Brasil não pode ficar de braços cruzados enquanto o mundo se mexe e o Mercosul se mantém paralisado devido às crises argentina e venezuelana, principalmente. Neste sentido, as negociações bilaterais com o México configuram um bom exemplo de novos caminhos que devem ser seguidos no plano das relações comerciais.