O globo, n. 29879, 28/05/2015. Economia, p. 21

GABRIELA VALENTE e LINO RODRIGUES

Motor sem combustível

Crédito, que puxou expansão da economia, cresce apenas 0,1% em abril, a R$ 3,06 tri

O crédito estagnou no país. Em abril, o total emprestado caiu para 54,5% do PIB, o que pode dificultar o crescimento. Os juros no cheque especial bateram 226% ao ano. - BRASÍLIA E SÃO PAULO- O crédito, que funcionou como combustível para o crescimento da economia nos últimos anos, estagnou. Relatório do Banco Central, divulgado ontem, mostra que o volume total de empréstimos no país cresceu somente 0,1% em abril — a pior taxa para o mês desde quando o BC começou a registrar os dados em 2007. Em relação ao tamanho da economia brasileira, o crédito já encolheu. Em abril, a relação entre o total de empréstimos de R$ 3,06 trilhões e o Produto Interno Bruto ( PIB) caiu de 54,8% para 54,5%. O cenário é resultado de um ritmo de atividade baixo e da alta dos juros, feita para tentar controlar a inflação.

— Esse crescimento em ritmo menor é um comportamento consistente com a alta de juros e se mostra em linha com o que a pesquisa de condições de crédito apontava, de um primeiro trimestre mais restritivo para novas aprovações, tanto do lado da oferta quanto da demanda — ressaltou o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel.

Com desemprego em alta no horizonte, há receio maior não apenas de tomar empréstimos, mas também de os bancos concederem crédito. Os dados do BC revelam que as concessões de novos empréstimos caíram em praticamente todas as modalidades de financiamento no mês passado.

Somente em abril, as famílias pegaram 6,6% a menos de empréstimos em relação ao mês anterior. Caíram as concessões tanto dos créditos mais baratos até os mais caros — seja crédito pessoal,

consignado, cheque especial, financiamento de veículos e até rotativo do cartão de crédito. Apenas o valor de novos contratos de crédito imobiliário cresceu, em 3,3%. Foram concedidos R$ 11,7 bilhões no mês passado.

Com a renda mais curta por causa da inflação e um custo dos empréstimos mais elevado devido aos juros maiores, a inadimplência cresceu no Brasil em abril. Segundo o BC, o nível do calote das pessoas físicas em empréstimos com recursos livres (que os bancos podem emprestar em qualquer tipo de modalidade) subiu de 5,2% para 5,3%. O BC não registrava alta desde julho do ano passado.

A inadimplência registrada em crédito direcionado (que os bancos são obrigados a emprestar num tipo específico de financiamento, como o imobiliário) também aumentou. Passou de 1,8% para 1,9% no mês passado.

De acordo com o BC, o calote das empresas também cresceu. Em empréstimos com recursos livres, subiu de 3,7% para 3,9% em abril. E com dinheiro direcionado — como os financiamentos subsidiados do BNDES —, aumentou de 0,6% para 0,7%. Num reflexo esperado das seguidas altas da taxa básica ( Selic), os bancos subiram os juros cobrados das famílias. O custo médio dos empréstimos livres subiu de 54,4% para 56,5% ao ano, o maior patamar desde que o BC passou a registrar os dados, em 2011. A alta nos últimos 12 meses desse custo médio foi de nada menos que 7,7 ponto percentual.

Os juros do cheque especial bateram novo recorde: chegaram a 226% ao ano. Quem precisa de crédito pessoal também paga caro: 113,3% ao ano. Também é a mais alta desde o início da série histórica.

Para o analista de bancos da consultoria Austin Rating, Luis Miguel Santacreu, os números do relatório do BC mostram que a concessão de crédito está convergindo para uma política econômica mais restritiva desde a chegada de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda. E a tendência, sustenta, é que o volume de crédito feche o ano em um patamar menor.

— O crédito, que era indutor da economia, hoje está favorecendo o desaquecimento — explica Santacreu.

Segundo o analista, não se trata de culpa das instituições financeiras, mas da curva de oferta e demanda que está caindo — seja pelo lado dos consumidores, que estão endividados e com medo do desemprego, seja pelos bancos que estão mais restritivos devido à piora na capacidade de pagamento de seus clientes.

— O ajuste fiscal terá um efeito de travar a economia. Além disso, as altas taxas de juros conspiram contra o crédito — afirma o analista da Austin Rating.

Santacreu lembra que a postura dos bancos públicos, que aceleraram a concessão de crédito em 2013, e um pouco menos em 2014, mudou. Dessa maneira, diz, eles convergem para a política de ajuste proposta por Levy.

O coordenador do centro de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), Willian Eid, acrescenta que a contenção do crédito é a continuidade de um processo recessivo, causado pelas altas taxas de juros e pela impossibilidade de o Estado investir.

— Nesse processo, ninguém quer arriscar. Não há demanda forte por crédito das pessoas  físicas, havendo uma seletividade muito grande por parte do bancos para emprestar às empresas — explica Eid.

Ele vê uma tendência de queda mais acentuada da oferta de crédito, como quer o governo:

— É uma tendência natural que a oferta de crédito diminua por conta desse período de ajustes, permanecendo apenas o crédito de curto prazo.