Planalto ameaça fazer contingenciamento ‘radical’ se ajuste fiscal não for aprovado

Ricardo Brito

Rafael Moraes Moura

 

O governo Dilma Rousseff decidiu adotar a tática da ameaça de mexer na área de influência dos aliados para garantir a aprovação do pacote de medidas provisórias do ajuste fiscal, que começa a ser analisado hoje pelo plenário da Câmara. Por meio de reuniões e entrevistas, o Palácio do Planalto mandou recados à base que, quanto mais alterações no teor das Medidas Provisórias 665 e 664 - que restringem acesso a benefícios sociais - maior será o bloqueio orçamentário a ser anunciado pelo governo neste mês. Com isso, deve murchar o orçamento dos ministérios comandados pelos partidos aliados.

Nesta segunda-feira, 4, o vice-presidente e articulador político do governo, Michel Temer, foi explícito: “Se não houver um ajuste, o contingenciamento será muito radical”, avisou Temer, antes de comandar uma reunião com líderes partidários. “Se houver, será muito menor.”

Uma das principais preocupações do Planalto é garantir o apoio público da bancada do PT à aprovação das medidas. O partido resiste a alterar as regras trabalhistas e previdenciárias. Michel Temer pediu ontem que o PT “se dedique por inteiro” a votar a favor das propostas.

Antes dele, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, reforçou a mensagem. Segundo ele, se o ajuste fiscal for aprovado como pretendido pelo governo, a meta de superávit primário “fica mais fácil de ser alcançada”. Caso contrário, segundo Edinho, o Planalto terá de “buscar recursos em outras fontes”. “E é evidente que isso tem impacto sobre o contingenciamento.”

Condição. A base, porém, condicionou a aprovação ao apoio do PT ao ajuste. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que a votação do ajuste pelas bancadas aliadas ao governo dependerá da posição adotada pelo PT. “Se o PT não estiver de acordo, vai ser difícil os partidos da base acompanharem”, disse. Cunha garantiu que as medidas provisórias serão votadas. “Não há a menor possibilidade delas caducarem”, afirmou. “Vai depender muito do PT. Se o PT titubear, não seremos nós quem vai defender”, reforçou o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ).

A bancada petista se reúne hoje. A expectativa é que seja anunciado o apoio formal às medidas do ajuste fiscal. Os petistas estão sendo pressionados pelo Planalto e por aliados no Congresso a apresentarem uma declaração pública de apoio.

“O PT já abraçou (o ajuste fiscal)”, disse o líder do governo da Câmara, o petista José Guimarães (CE). Desde que o Planalto anunciou as alterações na concessão dos direitos trabalhistas e previdenciários o PT demonstrou forte resistência às medidas apresentadas pela equipe econômica.

Plantão. O governo montou uma força-tarefa para aprovar a MP 665 no plenário da Câmara. Ministros foram escalados pela presidente para um “plantão de dúvidas” dos deputados hoje. Em reunião nesta segunda, Dilma disse aos ministros para cobrar apoio à proposta. “O PT vai ajudar, pois sabe que o ajuste é fundamental para o governo, para o País e para a estabilidade econômica”, afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

Na costura desenhada nos bastidores com o respaldo do Planalto, Temer tenta se mostrar como o responsável por ter “domesticado” o PT no seu primeiro grande teste. O Planalto busca, por meio das ameaças, garantir a reunificação da base de apoio ao mesmo tempo em que força os aliados do Congresso a aprovar o ajuste com o mínimo de mudanças possível.

Concessões. Quando foram enviadas ao Legislativo, as duas medidas provisórias previam uma economia de R$ 18 bilhões. Mas mudanças em discussão pelos aliados, como o prazo para a primeira solicitação do seguro-desemprego e pagamento de pensão a cônjuge, reduziriam a economia em, pelo menos, R$ 3 bilhões.

A aprovação das MPs é a “cota de sacrifício” que o governo espera do Congresso para atingir, ao final de 2015, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, o que representaria uma economia de 1,2% do Produto Interno Bruto para pagar os juros da dívida. O contingenciamento deste ano deve ficar entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões, mas poderá ser maior caso o Legislativo descaracterize ainda mais as medidas provisórias enviadas pelo Executivo.

 

Peemedebista tenta constranger petistas com projeto do FGTS

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quer usar o projeto que altera a correção do FGTS a partir do índice da caderneta de poupança para constranger o governo e criar uma blindagem contra as críticas recebidas pelo apoio que deu à polêmica proposta que regulamenta a terceirização do trabalho no Brasil.

Defendida pelos representantes da indústria, a terceirização foi combatida pelo PT e alvo de críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na festa do Primeiro de Maio da CUT. O discurso ajudou a restabelecer os laços da legenda com suas bases nos movimentos sociais, especialmente entre os sindicalistas. O projeto do FGTS, tornado público na quinta-feira pelo blog Direto da Fonte, da colunista Sonia Racy, por sua vez, será protocolado hoje e tratado como prioridade total pelo peemedebista e seus aliados. De autoria tripla - assinam o líder do PMDB na Casa, Leonardo Picciani (RJ), Paulinho da Força (SD) e Mendonça Filho (PE), líder do DEM -, o texto visa criar uma agenda positiva para os três partidos, que apoiaram e garantiram a aprovação da terceirização na Câmara.

A avaliação dos governistas no Congresso é de que o Planalto será constrangido a se opor a uma medida popular no momento em que tenta aprovar o pacote de medidas de ajuste fiscal.

Cunha irá pessoalmente protocolar o projeto e já avisou aos aliados que pedirá regime de urgência, o que faz com que a proposta corte caminho no trâmite da Câmara. Antes de ser votado, o plenário precisa destrancar a pauta e aprovar ou rejeitar projetos e medidas provisórias do pacote de ajuste fiscal, como a mudança no seguro-desemprego e o projeto do pacote anticorrupção que tipifica o crime de enriquecimento ilícito. “A iniciativa é muito bem-vinda. Esperamos que o PT não faça coro contrário a essa justa iniciativa”, diz o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), líder da minoria na Câmara.

 

 

Presidente da Câmara quer reverter críticas por apoiar terceirização e diz que PT e governo não podem ficar ‘contra o trabalhador’

Presidente da Câmara quer reverter críticas por apoiar terceirização e diz que PT e governo não podem ficar ‘contra o trabalhador’

 

 

“Vamos votar a urgência esta semana. Acho que na próxima (semana) já vai para plenário”, diz Paulinho da Força. “Vai ser difícil o PT se colocar contra”, reconhece o deputado Paulo Teixeira (SP), vice-líder do PT na Câmara.

Custo. O governo é contra mudança no FGTS porque ela poderia trazer novos gastos públicos num momento de ajuste fiscal. A lucratividade do fundo também ficaria em risco.

O economista Mansueto Almeida, ligado à oposição, explica que o governo paga rendimento abaixo da inflação no fundo, mas usa esse dinheiro para fazer empréstimo a custo abaixo do mercado.“Se o governo mantiver os programas da forma como está hoje, terá que aumentar o subsídio. Ou seja: vai ter que usar recursos do Tesouro para continuar cobrando os créditos habitacionais que cobra hoje”, diz.

A correção do saldo dos trabalhadores nas contas do FGTS hoje é de o,10% ao mês, mais juros de 3% ao ano. O projeto prevê reajuste mensal pelo índice da poupança, em torno de 0,5% ao mês.