O globo, n. 29879, 28/05/2015. Economia, p. 22

MARTHA BECK

Governo ordena que ministérios cortem 15% dos gastos de custeio

Ministro do Planejamento diz que Planalto não cogita criar impostos

­BRASÍLIA­ Depois de anunciar um contingenciamento de quase R$ 70 bilhões no Orçamento de 2015 para garantir o ajuste fiscal, a equipe econômica vai agora obrigar os ministérios a darem prioridade ao custeio na hora de cortar gastos. Uma portaria que será publicada hoje no Diário Oficial da União fixa metas para as despesas de cada pasta com diárias e passagens, serviços de telecomunicações e mão de obra. Ao participar ontem de audiência pública no Congresso, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que a ideia é que cada ministério reduza em 15% os gastos com custeio previstos para este ano. Ele também disse aos parlamentares que o governo não cogita a criação de novos tributos, como a CPMF ou um imposto sobre grandes fortunas, para reequilibrar as contas públicas.

Segundo o Ministério do Planejamento, com a portaria, serão suspensas, por exemplo, novas contratações para a compra de máquinas e equipamentos, exceto em situações de necessidade inadiável. As novas regras, porém, não valerão para os ministérios da Educação e da Saúde, pois acabariam afetando despesas das pastas com hospitais e escolas públicas.

NÃO A IMPOSTO SOBRE FORTUNAS

Segundo técnicos do governo, a medida não é um corte adicional sobre o valor anunciado na semana passada, mas uma forma de orientar os órgãos públicos na adoção do contingenciamento. Assim, para definir em que áreas vai cortar, cada ministro terá que levar em consideração a meta de redução de gastos com custeio. Em média, a tesourada de quase R$ 70 bilhões equivaleu a uma redução de 22,4% nas chamadas despesas discricionárias, que incluem custeio e investimento.

Barbosa explicou que a medida é mais um passo para o ajuste e a retomada do crescimento:

— Por mais paradoxal que pareça, é preciso primeiro um reequilíbrio fiscal para depois fazer a economia crescer.

Ele afirmou ainda que o governo tem preferido trabalhar na calibragem das alíquotas de tributos  que já existem para fazer o ajuste fiscal. A ação mais recente foi o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para os bancos. O governo vem sendo pressionado por parte do PT, centrais sindicais e pelos auditores da Receita Federal para instituir um imposto sobre grandes fortunas, mas resiste. Também há quem defenda a retomada da CPMF, o imposto do cheque. Mas o ministro disse que isso não está em estudo no momento:

— Nosso esforço tem sido atuar sobre impostos que já existem e, principalmente, na reavaliação de algumas desonerações. No momento, isso é suficiente para o esforço fiscal.

Para Barbosa, o imposto sobre as grandes fortunas tem pouco efeito sobre a arrecadação:

— O que a experiência indica é que, em lugares onde há imposto sobre ativos, a arrecadação maior se dá sobre a transmissão dos ativos e não sobre grandes fortunas. Esse tipo de tributação acaba gerando um incentivo para a evasão fiscal. Temos procurado atuar nos impostos que já existem. Neste momento não faz parte dos planos do governo agir nessa área (de criar novos impostos).

No Congresso, Barbosa informou que o governo espera crescimento de 1% da economia no ano que vem — percentual inferior à previsão constante no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 enviado ao Legislativo. Originalmente, a estimativa era que a alta do Produto Interno Bruto (PIB) ficasse em 1,3%.

A apresentação de Barbosa também informa um valor diferente para o salário mínimo em 2016, de R$ 855. A proposta da LDO definia que a remuneração básica dos trabalhadores fosse de R$ 854 no ano que vem. O ministro afirmou que as projeções macroeconômicas para 2015 e 2016 são realistas e alinhadas com as estimativas do mercado financeiro.

— Não são previsões otimistas nem pessimistas, são consistentes — declarou. SEM DIVERGÊNCIAS COM LEVY

Ele negou que tenha divergências com Levy. Depois da audiência pública, jornalistas indagaram sobre algum mal­estar com o ministro da Fazenda, Barbosa brincou:

— Minha principal divergência com o ministro Levy é que ele é Botafogo, e eu sou Vasco — afirmou. — Estamos trabalhando os dois conjuntamente para recuperar o crescimento o mais rápido possível. Vocês estão vendo aqui a complexidade da tarefa, não só do ajuste fiscal, mas na área monetária e financeira.

Estamos trabalhando todos juntos para isso.

Os rumores de divergências entre Planejamento e Fazenda ficaram mais fortes depois que Levy cancelou em cima da hora sua participação na entrevista em que foi anunciado o contingenciamento. O corte foi de R$ 69,9 bilhões, mas fontes da área econômica afirmaram que o ministro da Fazenda ficou insatisfeito porque queria mais. Além disso, os técnicos disseram que Levy não concordou com as projeções para o cenário macroeconômico usadas na elaboração do decreto de contingenciamento. Para o ministro da Fazenda, os números foram excessivamente otimistas.

— Somos uma equipe econômica, quando um não pode comparecer, o outro comparece e cumpre o papel que tem que ser cumprido. Houve um consenso. O corte é construído não só pela Fazenda e pelo Planejamento, mas também pela Casa Civil. Para definir, você parte de um número macroeconômico, e dali você define qual o esforço de arrecadação e qual o esforço de corte de gasto que tem de ser feito. O corte foi definido em conjunto com todas as equipes, não tem divergência — disse Barbosa.